sexta-feira, 21 de maio de 2010

Os Puritanos e a Psicologia


A orientação psicológica puritana parece pitorescamente antiquada aos padrões atuais, mas provou-se bastante útil no elucidar da vida interior do indivíduo. Pensava-se que o cérebro abrigava seis ou sete compartimentos, cada qual representando um aspecto diferente da alma. Imagens sensoriais de vários objetos, conhecidos como fantasmas, são mediadas por meio de cinco sentidos e entram no compartimento do cérebro conhecido como senso comum. Esse aspecto identifica os fantasmas, distingue-os uns dos outros, e os retransmite à imaginação. A imaginação compara um fantasma a outro, atribuindo-lhes significado e inteligibilidade, e é capaz de retê-los quando o objeto não está mais sendo visto. Os fantasmas são, aí, armazenados na memória para referências e consultas futuras.
A compreensão convoca os fantasmas por meio da memória ou da imaginação; emite juízo quanto a ser certo ou errado, verdadeiro ou falso; aí toma a decisão com relação ao curso de ação a ser seguido. A vontade recebe instruções da compreensão via operação do sistema nervoso e direciona a mesma ao corpo, conforme necessário. Então, as afeições acionam os músculos do corpo, de acordo com o direcionamento da vontade.
A seguinte ilustração demonstra como as faculdades funcionavam conjuntamente: Então o urso, encontrado na região inóspita, provoca no olho um fantasma de urso, que é identificado como pertencendo às espécies de urso, no senso comum, reconhecido como perigoso na imaginação, associado a perigos guardados na memória, é declarado na razão objeto do qual se deve fugir, emitindo um sinal de comando à vontade, que então provoca a emoção chamada medo, que finalmente aciona os músculos das pernas para que ele fuja. Lembrando que essa descrição é absurdamente simplificada, e que para cada ponto dela havia um extenso campo de questionamento, ainda assim podemos considerá-la substancialmente a concepção subjacente ao discurso puritano acerca do comportamento humano, acerca do pecado do homem, e acerca da regeneração.
A faculdade omitida na ilustração, que exerceu um papel-chave no aconselhamento puritano, é a consciência.
A consciência é a faculdade da alma, ligada ao julgamento moral, que lida com as questões de certo e errado, bom ou mau. A palavra vem do latim conscientiae, que significa um conhecimento (scientia) retido com (con) outro, ou seja, Deus. A consciência fala com a voz de Deus, representando um conhecimento partilhado que é, na realidade, o conhecimento mais preciso que um homem pode ter de si mesmo. Ames define a consciência como "o juízo que o homem faz de si mesmo, de acordo com o juízo que Deus faz dele". David Dickson elaborou com requinte a seguinte proposição: "A consciência, no que diz respeito a nós mesmos é... o poder de compreensão de nossa alma que examina como as questões permanecem meio a meio entre Deus e nós, comparando a vontade revelada dEle ao nosso estado, condição e caminhada, em pensamentos, palavras e ações, executadas ou omitidas, e emitindo juízo conforme necessário".
Ames considerou a consciência como sendo um juízo prático por meio do qual as pessoas aplicaram o que sabiam ao se auto-avaliarem, de forma que se tornou norma para direcionar a vontade. No pensamento puritano, a consciência operava de acordo com o formato silogístico. A essa altura, os puritanos tomaram emprestado da casuística católica e utilizaram o pensamento aristotélico na forma do silogismo prático. Embora tenham usado aspectos da metodologia católica, eles negaram os resultados católicos, particularmente o conceito da probabilidade e a ênfase jesuítica acerca de que os fins justificam os meios. A estrutura silogística era composta de três partes: 1) a proposição ou premissa maior; 2) a suposição ou premissa menor; 3) a conclusão. A proposição, ou syntersis, foi o padrão a ser utilizado, brotando da vontade revelada de Deus. A suposição, ou syneidesis, era a medida que o indivíduo tinha de si mesmo, quando comparado aos padrões declarados. A fase da suposição incluía dois passos: primeiro, uma comparação da ação em questão com a proposição, e segundo, o juízo da ação com base na comparação. A conclusão, ou krisis, pronunciava a sentença relativa à ação da pessoa com base no juízo feito na syneidesis. A sentença produziria ou alegria e esperança, ou abatimento e desespero.
Dois exemplos a seguir demonstram o modo de funcionar do silogismo prático. A consciência do descrente, quando alicerçada no testemunho das Escrituras, raciocinaria da seguinte forma:
Syntersis: A pessoa que vive em pecado morre.
Syneidesis: Eu vivo em pecado.
Krisis: Portanto, eu morrerei.
Se o evangelho for abraçado pelo descrente, a consciência dele funcionará da seguinte forma:
Syntersis: Aquele que crê em Cristo não morrerá; viverá.Syneidesis: Eu creio em Cristo.Krisis: Portanto, não morrerei, mas sim, viverei.
Operando dessa forma silogística, a consciência julga independentemente da vontade. "Ela permanece sobre nós, dirigindo-se a nós com a incondicionalidade da autoridade que não demos a ela e que dela não temos como tirar." A consciência funciona como nosso sistema nervoso espiritual - a dor da culpa informa a compreensão de que algo está errado e carece de correção. Para os puritanos, a culpa negligenciada significava destruição certa. Richard Sibbes comparou a autoridade da consciência a um tribunal divino dentro da alma humana, no qual ela serviu de testemunha, promotora, juíza e executora da pena. No livro A Guerra Santa, que descreve a tomada da cidade de Alma Humana por Diábolos, John Bunyan explicou o efeito da consciência - à qual deu o nome de Sr. Oficial de Registros - sobre o descrente: Ele foi muito degenerado pelo seu rei anterior, e também muito se agradou das várias das leis e serviço do gigante; mas nada disso foi suficiente, pois ele não era completamente seu. De vez em quando pensava em Shaddai, tendo boiror da lei deste que sobre ele pairava, e aí falava contra Diábolos com uma voz tão potente quanto um rugido de leão. Sim, e por vezes, quando seus acessos sobre ele pairavam (pois você deve saber que, por vezes, tinha terríveis acessos) toda a cidade de Alma Humana tremia ao som de sua voz.
Em outras palavras, a autoridade da consciência não pode ser completamente ignorada, nem mesmo no não regenerado.
A base para o funcionamento da consciência é a lei de Deus revelada nas Escrituras. A consciência não é, em si mesma, quem outorga a lei, mas sim quem a discerne e cobra obediência à lei de Deus. Uma consciência transviada opera por padrões que não os da Palavra de Deus, e em lugar de ser obedecida, deveria ser mais bem instruída. De outro lado, uma consciência cristã saudável, Está constantemente em funcionamento, ouvindo a voz de Deus em Sua Palavra, procurando discernir a vontade dEle em tudo, ativa na auto-vigilância e no julgar de si mesma. O cristão saudável conhece sua fragilidade e sempre suspeita e desconfia de si mesmo para que o pecado e Satanás não estejam servindo inesperadamente de tropeço a ele; portanto, ele com freqüência se atormenta diante de Deus, examinando seus feitos e motivos e cruelmente se condena quando se encontra em deficiência e desonestidade moral.
O crente puritano procurava sensibilizar sua consciência para com o pecado. Progressivamente, o grau de sua autocondenação tornou-se a medida de sua semelhança a Cristo.
Para os puritanos, a piedade consistia primordialmente na obtenção e manutenção de consciência limpa perante Deus, por meio de uma cuidadosa e informada obediência à verdade bíblica. Essa ênfase levou ao surgimento da casuística puritana ou casos de consciência, nos quais toda circunstância ou eventualidade concebível da vida diária era considerada para que se pudesse delinear a reação adequada, que honrasse a Deus. Havia dois axiomas reinantes da casuística puritana:
1) que nenhuma verdade conhecida deveria ser comprometida ou negada na prática e
2) que nenhum pecado que pudesse ser evitado deveria ser cometido, não importando a que bem, nem a que grau, tal comprometimento e pecado pudessem conduzir". A convicção jamais foi sacrificada à guisa da conveniência, o princípio jamais sucumbiu ao pragmatismo. Por conseguinte, homens e mulheres puritanos eram conhecidos por serem tremendamente precisos. Eles procuravam viver de maneira precisa, como uma obra de arte viva para o Próprio Pintor-Mestre. Mas assim como obras de arte sofrem deformações e imperfeições as mais diversas, assim os puritanos levavam o pecado a sério, já que ele desfigurava o que Deus havia criado.
Ken Sarles
http://www.josemarbessa.com/2010/05/os-puritanos-e-psicologia.html

Nenhum comentário:

Postar um comentário