quarta-feira, 29 de setembro de 2010

O HOMEM ANTE A MAJESTADE DIVINA - JOÃO CALVINO


Daqui esse horror e espanto com que, a cada passo, apregoa a Escritura terem os santos sido tocados e afligidos, sempre que sentiam a presença de Deus. Quando, pois, vemos aqueles que, não lhe considerando a presença, seguros e firmes se mostravam, mas, em manifestando ele sua glória, tão abalados e aterrados se quedavam, como se fossem prostrados pelo pavor da morte, mais até, a tragá-los, e quase aniquilados, deve concluir-se daí que o homem não é jamais tangido e afetado suficientemente pelo senso de sua indignidade, senão depois de comparar-se com a majestade de Deus.

E desta consternação temos numerosos exemplos, tanto em Juízes quanto nos Profetas. Tanto assim, que essa expressão veio a tornar-se costumeira entre o povo de Deus: "Morreremos, pois que nos apareceu o Senhor." De igual modo, também a história de Jó, com o fito de quebrantar os homens pelo reconhecimento de sua estultícia, fraqueza e corrupção, sempre o argumento mais importante é extraído da descrição da divina sabedoria, poder e pureza [Jó 38.1­40.5]. E não sem razão, pois vemos como Abraão melhor se reconhece como sendo terra e pó desde que se chegou mais próximo à contemplação da glória do Senhor [Gn 18.27]; como Elias não
ousa, de face descoberta, atentar para a manifestação [1Rs 19.13], tanto a presença divina o moveu de terror!

E que haja de fazer o homem, podridão [Jó 13.28] e verme que é [Jó 4.7; Sl 22.6], quando até mesmo os próprios querubins deviam cobrir o rosto, movidos desse pavor? [Is 6.2]. É isto com efeito o que diz o Profeta Isaías: "Enrubescer-se-á o sol e confundir-se-á a lua, quando o Senhor dos Exércitos vier a reinar" [Is 24.23], isto é, quando revelar seu fulgor, e mais perto o trouxer, diante dele se cobrirá de trevas tudo quanto de mais esplêndido exista [Is 2.10, 19].

UNIVERSALIDADE DO SENTIMENTO RELIGIOSO


Que existe na mente humana, e na verdade por disposição natural, certo senso da divindade, consideramos como além de qualquer dúvida. Ora, para que ninguém se refugiasse no pretexto de ignorância, Deus mesmo infundiu em todos certa noção de sua divina realidade, da qual, renovando constantemente a lembrança, de quando em quando instila novas gotas, de sorte que, como todos à uma reconhecem que Deus existe e é seu Criador, são por seu próprio testemunho condenados, já que não só não lhe rendem o culto devido, mas ainda não consagram a vida a sua vontade.

Certamente, se em algum lugar se haja de procurar ignorância de Deus, em nenhuma parte é mais provável encontrar exemplo disso que entre os povos mais retrógrados e mais distanciados da civilização humana. E todavia, como o declara aquele pagão,¹ não há nenhuma nação tão bárbara, nenhum povo tão selvagem, no qual não esteja profundamente arraigada esta convicção: Deus existe! E mesmo aqueles que em outros aspectos da vida parecem diferir bem pouco dos seres brutos, ainda assim retêm sempre certa semente de religião. Tão profundamente penetrou ela às mentes de todos, que este pressuposto comum se apegou tão tenazmente às entranhas de todos!

Portanto, como desde o princípio do mundo nenhuma região, nenhuma cidade, enfim nenhuma casa tenha existido que pudesse prescindir da religião, há nisso uma tácita confissão de que no coração de todos jaz gravado o senso da divindade. Aliás, até a própria idolatria é ampla evidência desta noção. Pois sabemos de quão mau grado se humilha o homem para que admire a outras criaturas acima de si mesmos. Desse modo, quando prefere render culto à madeira e à pedra, antes que seja considerado como não tendo nenhum deus, claramente se vê que esta impressão tem uma força e vigor prodigiosos, visto que de forma alguma pode ser apagada do entendimento do homem,²de modo que é mais fácil que as inclinações naturais se quebrantem, as quais, desta forma, na realidade se quebrantam quando, de seu arbítrio, o homem desce daquela altivez natural às coisas mais inferiores para que assim possa adorar a Deus.

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

HERESIAS PRIMITIVAS

“O que foi é o que há de ser; e o que se fez, isso se tornará fazer; nada há, pois, novo debaixo do sol. Há alguma coisa de que se possa dizer: Vê, isto é novo? Não! Já foi nos séculos antes de nós” (Ec 1.10)

Você sabia que o batismo pelos mortos foi uma heresia apregoada cerca de 1600 anos antes da “revelação” atribuída pelos mórmons a Joseph Smith Jr.? Esse é apenas um dos muitos desvios doutrinários que atravessaram séculos e foram incorporados pelas seitas pseudocristãs.

A “revelação”, baseada na necessidade de restaurar a igreja, e a rejeição ao Antigo Testamento surgiram na mesma época e fluíram dos ensinamentos de Márcion. Montano pregou que o fim do mundo ocorreria em sua geração e atribuiu a si o fato de iniciar e findar o ministério do Espírito Santo. Sabélio, com seu modalismo, foi outra fonte de distorções bíblicas que até hoje é disseminada entre os evangélicos. Ainda fazem parte desse grupo Mani, com sua doutrina reencarnacionista; Ário, que deturpou a natureza de Jesus ao apresentá-lo como um ser criado (gravíssimo engano sustentado pelas testemunhas de Jeová); Apolinário, que, ao contrário do antecedente, negou a humanidade de Cristo; Nestório, que ensinava a existência de duas pessoas distintas em Cristo; Pelágio, que, como os islâmicos e outros grupos religiosos, negava a doutrina do pecado original; e Eutíquio, que afirmava que a natureza humana de Cristo havia sido absorvida pela divina.

Como podemos inferir, as heresias combatidas pela igreja contemporânea foram enfrentadas pela igreja primitiva que, com muito esforço e com a ajuda de concílios e credos, conseguiu defender a fé que “de uma vez por todas foi entregue aos santos”. Continuemos a defendê-la!

Márcion (95 - 165)
Informações indicam que Márcion nasceu em Sinope, no Ponto, Ásia Menor. Foi proprietário de navios, portanto, muito próspero. Aplicou sua vida à fé religiosa, primeiramente como cristão e, finalmente, ao desenvolvimento de congregações marcionitas.

Influente líder cristão, suas idéias o conduziram à exclusão, em 144 d.C. Então, formou uma escola gnóstica. Tendo uma mente prolífera, desenvolveu muitas idéias, as quais foram lançadas em uma obra apologética alvo de combate de apologistas, especialmente Tertuliano e Epifânio.

Procurou ter uma perspectiva paulina, contudo, incluiu muitas idéias próprias e conjecturas sem respaldo bíblico. Era convicto de uma missão pessoal: restaurar o puro evangelho. Antes, rejeitou o Antigo Testamento por achá-lo inútil e ultrapassado, além de afirmar que foi produzido por um deus inferior ao Deus do evangelho. Para Márcion, o cristianismo era totalmente independente do judaísmo; era uma nova revelação. Segundo ele, Cristo pegou o deus do Antigo Testamento de surpresa e este teve de entregar as chaves do inferno Àquele. Além disso, Cristo não era Deus, apenas uma emanação do filho de Deus. O único apóstolo fiel ao evangelho, segundo Márcion, fora Paulo, em detrimento dos demais apóstolos e evangelistas. Conseqüentemente, a Igreja primitiva havia desviado e, por isso, necessitava de uma restauração. Ainda segundo ele, o homem devia levar uma vida asceta, o casamento, embora legal, era aviltador.

Entre seus muitos ensinos, encontramos o batismo pelos mortos.

O cânon de Márcion restringia-se as dez epístolas de Paulo e a uma versão modificada do Evangelho de Lucas.

Gnosticismo

Nome derivado do termo grego gnosis, que significa “conhecimento”. Os gnósticos se transformaram em uma seita que defendia a posse de conhecimentos secretos. Segundo eles, esses conhecimentos tornavam-nos superiores aos cristãos comuns, que não tinham o mesmo privilégio. O movimento surgiu a partir das filosofias pagãs anteriores ao cristianismo que floresciam na Babilônia, Egito, Síria e Grécia (Macedônia). Ao combinar filosofia pagã, alguns elementos da astrologia e mistérios das religiões gregas com as doutrinas apostólicas do cristianismo, o gnosticismo tornou-se uma forte influência na igreja.

A premissa básica do gnosticismo é uma cosmovisão dualista. O supremo Deus Pai emanava do mundo espiritual “bom”. A partir dele, surgiram sucessivos seres finitos (éons) até que um deles, Sofia, deu à luz a Demiurgo (Deus criador), que criou o mundo material “mau”, juntamente com todos os elementos orgânicos e inorgânicos que o constituem.

Cristãos gnósticos, como Márcion e Valentim, ensinavam que a salvação vem por meio desses éons, Cristo, que se esgueirou através dos poderes das trevas para transmitir o conhecimento secreto (gnosis) e libertar os espíritos da luz, cativos no mundo material terreno, para conduzi-los ao mundo material mais elevado. Cristo, embora parecesse ser homem, nunca assumiu um corpo; portanto, não foi sujeito às fraquezas e às emoções humanas.

Algumas evidências sugerem que uma forma incipiente de gnosticismo surgiu na era apostólica e foi o tema de várias epístolas do Novo Testamento (1João, uma das epístolas pastorais). A maior polêmica contra os gnósticos apareceu, entretanto, no período patrístico, com os escritos apologéticos de Irineu, Tertuliano e Hipólito. O gnosticismo foi considerado um movimento herético pelos cristãos ortodoxos. Atualmente, é submetido a muitas pesquisas, devido às descobertas dos textos de Nag Hammadi, em 1945/46, no Egito. Muitas seitas e grupos ocultistas demonstram alguma influência do antigo gnosticismo (“Dicionário de religiões, crenças e ocultismo”. George A. Mather & Larry A Nichols. Vida, 2000, pp 175-6).

Montano (120 - 180)
Por volta do ano 150 d.C., surgiu na Frígia um profeta chamado Montano que, junto com Prisca e Maximilia, se anunciou portador de uma nova revelação. Inicialmente, esse novo movimento reagiu contra o gnosticismo, contudo, ele mesmo se caracterizou por tendências inovadoras. As profecias e revelações de Montano giravam em torno da segunda vinda e incentivavam o ascetismo.

Salientavam fortemente que o fim do mundo estava próximo, e esperavam esse acontecimento para a sua própria geração. Insistiam sobre estritas exigências morais, como, por exemplo, o celibato, o jejum e uma rígida disciplina moral. Exaltavam o martírio e proibiam que seus seguidores fugissem das perseguições. Alguns pecados eram imperdoáveis, independente do arrependimento demonstrado.

Finalmente Montano afirmou ser o Paracleto, pois nele iniciaria e findaria o ministério do Espírito Santo. Prisca e Maximilia abandonaram seus respectivos maridos para se dedicarem à obra profética de Montano. Algumas vezes, Montano procurava esclarecer que ele era um agente do Espírito Santo, mas sempre retornava à sua primeira posição e afirmava ser o Consolador prometido. Sua palavra deveria ser observada acima das Escrituras, porque era a palavra para aquele tempo do fim.

Esse movimento desvaneceu-se no terceiro século no Ocidente e no sexto, no Oriente.

Ascetismo

Autonegação, visão de que a matéria e o espírito estão em oposição um ao outro. O corpo físico, com suas necessidades e desejos inerentes, é incompatível com o espírito e sua natureza divina. O ascetismo defende a idéia de que uma pessoa só alcança uma condição espiritual mais elevada se renunciar à carne e ao mundo.

O ascetismo foi amplamente aceito nas religiões antigas e ainda hoje é uma filosofia proeminente, sobretudo nas seitas e religiões orientais. Platão idealizou-o. As seitas judaicas, como os essênios, praticavam-no fervorosamente e o cristianismo institucionalizou-o, com o desenvolvimento de várias ordens monásticas. O gnosticismo foi o maior defensor dessa filosofia (“Dicionário de religiões, crenças e ocultismo”. George A. Mather & Larry A Nichols. Vida, 2000, p. 23).

Sabélio (180 – 250)
Nasceu na Líbia, África do Norte, no terceiro século depois de Cristo. Depois, mudou-se para a Itália, passando a viver em Roma. Ao conhecer o evangelho, logo se tornou um pensador respeitado em suas considerações teológicas. Recebeu influência do Modalismo que já estava sendo divulgado na África.

O Modalismo ocorreu, no início, como um movimento asiático, com Noeto de Esmirna. Os principais expoentes do movimento: Noeto, Epógono, Cleômenes e Calixto. Na África, foi ensinado por Práxeas e na Líbia, defendido por Sabélio. Hoje, o Modalismo é muito conhecido pelo nome sabelianismo, devido à influência intelectual fornecida por Sabélio. O objetivo de Sabélio era preservar o monoteísmo a qualquer custo. Tinha um objetivo em vista que, pensava, justificava os meios.

Ensinava que havia uma única essência na divindade, contudo, rejeitava o conceito de três Pessoas em uma só essência. Afirmava que isso designaria um culto triteísta, isto é, de três deuses. A questão poderia ser resolvida, afirmava, pelo conceito de que Deus se apresentaria com diversas faces ou manifestações. Primeiramente, Deus se apresentou como Deus Pai, gerando, criando e administrando. Em seguida, como Deus Filho, mediando, redimindo, executando a justiça. E finalmente e sucessivamente, como Deus Espírito Santo, fazendo a manutenção das obras anteriores, sustentando e guardando. Uma só Pessoa e três manifestações temporárias e sucessivas.

Mani (216 - 277)
Nasceu por volta de 216 d.C. na Babilônia. Foi considerado por alguns como o último dos gnósticos. Diferente dos demais hereges, desenvolveu-se fora do cristianismo. Todavia, era um rival do evangelho.

Seus ensinos buscavam respaldo no cristianismo. Afirmava, por exemplo, ser o Paracleto, o profeta final. Em seus ensinos enfatizava a purificação pelos rituais. Em 243 d.C., o profeta Mani teve seus ensinamentos reconhecidos por Ardashir, rei sassânida (Índia). Então, a nova fé teve o seu “pentecostes”, analogia traçada pelos maniqueístas.

Durante 34 anos, Mani e seus discípulos intensificaram seu trabalho missidevo aponário pelo leste da Ásia, Sul e Oeste da África do Norte e Europa.

A base do maniqueísmo engloba um Deus teísta que se revela ao homem. Deus usou diversos servos, como Buda, Zoroastro, Jesus e, finalmente, Mani. Deveriam seus discípulos praticar o ascetismo e evitar a participação em alguma morte, mesmo de animais ou plantas. Deveriam evitar o casamento, antes, abraçarem o celibato. O universo é dualista, existem duas linhas morais em existência, distintas, eternas e invictas: a luz e as trevas.

A remissão ocorre pela gnosis, conhecimento especial que os iniciados conquistavam. Entre os remidos há duas classes, os eleitos e os ouvintes. Os eleitos não podiam nem mesmo matar uma planta, por isso eram servidos pelos ouvintes, que podiam matar plantas, mas nunca animais ou até mesmo comê-los. Os eleitos subiriam, após a morte, para a glória, enquanto os ouvintes passariam por um longo processo de purificação. Quanto aos ímpios, continuariam reencarnando na terra. Recebeu grande influência de Márcion.

Ário (256-336)
Presbítero de Alexandria entre o fim do terceiro século e o início do quarto depois de Cristo. Foi excluído em 313, quando diácono, por apoiar, com suas atitudes, o cisma da Igreja no Egito. Após a morte do patriarca da Igreja em Alexandria, foi recebido novamente como diácono. Depois, nomeado presbítero, quando então começou a ensinar que Jesus Cristo era um ser criado, sem nenhum dos atributos incomunicáveis de Deus, por exemplo, eternidade, onisciência, onipotência etc, pelo que foi censurado, em 318, e excluído, em 321. Mas, infelizmente, sua influência já havia sido propagada e diversos bispos da Igreja no Oriente aceitaram o novo ensino.

Em 325, ocorreu o concílio de Nicéia e Ário, apesar de excluído, pôde recorrer de sua exclusão, sendo banido. Ário preparou uma resposta ao Credo Niceno, o que impressionou muito o imperador Constantino. Atanásio resistiu à ordem de Constantino de receber Ário em comunhão. Então Ário foi deposto e exilado em Gália, falecendo no dia em que entraria em comunhão em Constantinopla.

A base de seu ensino era estabelecer a razão natural como meios de entender a relação entre Deus e Cristo. Haveria uma só Pessoa na divindade. O logos não foi apenas gerado, mas literalmente criado. Seria tão-somente um intermediário entre Deus e os homens e, devido à sua elevada posição, receberia adoração e glória.

Apolinário (310-390)
Foi bispo de Laodicéia da Síria no final do quarto século. Cooperou na reprodução das Escrituras. Fez oposição à afirmação de Ário quanto à criação e à mutabilidade de Cristo.

Por outro lado, se opôs ao conceito da completa união entre as naturezas divina e humana em Jesus. Afirmava que Jesus não tinha um espírito humano. Segundo ele, o espírito de Cristo manipulava o corpo humano. Sua posição inicial era contra o arianismo, que negava a divindade de Cristo. Em sua opinião, seria mais fácil manter a unidade da Pessoa de Cristo, contanto que o logos fosse conceituado apenas como substituto do mais elevado princípio racional do homem. Contrapondo-se a Ário, ele advogava a autêntica divindade de Cristo, e tentava proteger sua impecabilidade substituindo o pneuma (espírito) humano pelo logos, pois julgava aquele sede do pecado.

Conseqüentemente, Apolinário negava a própria e autêntica humanidade de Jesus Cristo.

Em 381, o sínodo de Constantinopla declarou contundentemente, entre outros sínodos, herética a cristologia de Apolinário.

Apolinário formou um grupo de discípulos que manteve seus ensinos. Mas não demorou muito e o movimento se desfez.

Nestório (375-451)
Patriarca da Igreja em Constantinopla na metade do quinto século depois de Cristo. Seu objetivo de expurgar as heresias na região de seu controle encontrou problemas quando expressou sua cristologia. Encontrava-se em seu tempo idéias divergentes sobre a natureza de Cristo. Alguns, aparentemente, negavam a existência de duas naturezas em Cristo, postulando uma única natureza. Outros, como Teodoro de Mopsuéstia, afirmavam que o entendimento deveria partir da completa humanidade de Cristo. Teodoro negava a residência essencial do logos em Cristo, concedendo somente a residência moral. Essa posição realmente substituía a encarnação pela residência moral do logos no homem Jesus. Contudo, Teodoro declinava das implicações de seu ensino que, inevitavelmente, levaria à dupla personalidade em Cristo, duas pessoas entre as quais haveria uma união moral. Nestório foi fortemente influenciado pelo seu mestre, Teodoro de Mopsuéstia.

O nestorianismo é deficiente, não em relação à doutrina das duas naturezas de Cristo, mas, sim, quanto à Pessoa de cada uma delas. Concorda com a autêntica e própria deidade e a autêntica e própria humanidade, mas não são elas concebidas de forma a comporem uma verdadeira unidade, nem a constituírem uma única pessoa. As duas naturezas seriam igualmente duas pessoas. Ao invés de mesclar as duas naturezas em uma única autoconsciência, o nestorianismo as situava lado a lado, sem outra ligação além de mera união moral e simpática entre elas. Jesus seria um hospedeiro de Cristo.

Nestor foi vigorosamente atacado por Cirilo, patriarca de Alexandria, e condenado pelo Terceiro Concílio de Éfeso, em 431.

O movimento nestoriano sobreviveu até o século quatorze. Adotaram o nome de cristãos caldeus. A Igreja persa aceitou claramente a cristologia nestoriana. Atingiu expressão culminante no décimo terceiro século, quando dispunha de vinte e cinco arcebispos e cerca de duzentos bispos. Nos séculos doze e treze, formou-se a Igreja Nestoriana Unida e, atualmente, seus membros são conhecidos como Caldeus Uniatos. Na Índia, são conhecidos como cristãos de São Tomé. Hoje, esse movimento está em declínio.

Pelágio (360-420)
Teólogo britânico. Teve uma vida piedosa e exemplar. Baseado exatamente nessa questão, desenvolveu conceitos sobre a hamartiologia (doutrina que estuda o pecado). Sofreu resistência e, finalmente, foi excluído por diversos sínodos (Mileve e Catargo), sendo, ainda, condenado no Concílio de Éfeso, em 431 d.C.

Seus ensinos afirmavam que o homem poderia viver isento do pecado. Que o homem fora criado a imagem de Deus e, apesar da queda, essa imagem é real e viva. Do contrário, o homem não seria aquele homem criado por Deus. No pelagianismo a morte é uma companheira do homem, querendo dizer que, pecando ou não, Adão finalmente morreria, ainda que não pecasse. O ideal do homem é viver obedecendo.

O pecado original é uma impossibilidade, pois o pecado depende de uma ação voluntária do pecador. Afirma ainda que, por uma vida digna, os homens podem atingir o céu, mesmo desconhecendo o evangelho. Todos serão julgados segundo o que conheciam e o que praticavam. O livre-arbítrio era enfatizado em todas as suas afirmações, excluindo a eleição. Um século depois, desenvolveu-se o semipelagianismo, que amortecia alguns ensinos extravagantes de Pelágio.

Eutíquio (410-470)
Viveu em um mosteiro fora de Constantinopla durante a primeira metade do quinto século. Discípulo de Cirilo de Alexandria, teve grande influência e chefiava mosteiros na Igreja oriental. Oponente do nestorianismo, afirmava que, por ocasião da encarnação, a natureza humana de Cristo foi totalmente absorvida pela natureza divina.

Era de opinião de que os atributos humanos em Cristo haviam sido assimilados pelo divino, pelo que seu corpo não seria consubstancial como o nosso, que Cristo não seria humano no sentido restrito da palavra.

Esse extremo doutrinário contou com o apoio temporário do chamado Sínodo dos Ladrões (em 449 d.C.). Essa decisão foi anulada mais tarde pelo Concílio de Calcedônia, em 451 depois de Cristo.

O Sínodo dos Ladrões recebeu esse nome porque seus participantes roubavam características da doutrina cristocêntrica. Por esse motivo, Eutíquio foi afastado de suas atividades eclesiásticas. Mas a Igreja egípcia continuou apoiando a doutrina de Eutíquio e manteve seus ensinos por algum tempo. Então, o eutiquianismo surge novamente no movimento monofisista.

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O QUE É RELIGIÃO?




“Nem só de pão viverá o homem, mas de toda a palavra que sai da boca de Deus” (Mt 4.4)

No texto bíblico em referência, Jesus nos remete à consideração de que os homens não têm apenas de alimentar o corpo físico.

Há o clamor da alma, que não se contenta somente com o trigo; ou seja, com o alimento material. Existem perguntas que insistem em atravessar os séculos em busca de respostas. É o lado espiritual do homem reivindicando o seu espaço no tempo, em meio às diversas culturas e sociedades. A história da religião acompanha a história da sociedade. Onde estiver o ser humano, aí estará, igualmente, a religião.

O sentido da vida e da morte está relacionado a indagações religiosas antigas que, em nossa época, se mostram influentes e vigorosas, ainda que se apresentem por meio de símbolos secularizados. Em verdade, a religião é constituída de símbolos utilizados pelos homens, mas os homens são diferentes e, conseqüentemente, seus mundos sagrados também, e, por conta disso, suas religiões são distintas. Os símbolos são variados: altares, santuários, comidas, perfumes, amuletos, colares, livros... E todos eles inspiram alguma forma de sagrado, um sagrado que não se reflete apenas nas coisas, mas também em gestos, expressões e ações, como, por exemplo, o silêncio, os olhares, as renúncias, as canções, as romarias, as procissões, as peregrinações, os milagres, as celebrações, as adorações e, até mesmo, o suicídio. Edmund Burke chegou a dizer que o homem, em sua constituição, é “um animal essencialmente religioso”.

Apesar disso, como sabemos, não foram poucos os que profetizaram a decadência e a extinção do sagrado entre os homens. Que crente jamais se indignou com a famosa declaração de Karl Marx: “O sofrimento religioso é, ao mesmo tempo, expressão de um sofrimento real e protesto contra um sofrimento real. Suspiro da criatura oprimida, coração de um mundo sem coração, espírito de uma situação sem espírito: a religião é o ópio do povo”. Esta é uma das definições de religião, mas foi assiduamente combatida, e não é a única. Vejamos outras.

Definições e classificações da religião

O vocábulo português “religião” é oriundo do latim religare, que significa “religar”, “atar”. Alguns cristãos se opõem frontalmente à classificação do cristianismo como religião baseando-se em sua supremacia e distinção em relação às demais crenças. Mas, ao agirmos desta forma, estamos, na verdade, criando a nossa própria definição do termo, cujo significado é inaceitável para os dicionaristas e enciclopedistas, pois acabamos apresentando definições incompletas em si mesmas. Assim sendo, independente desta discussão filosófica e do posicionamento que o leitor defende, é válido considerarmos alguns conceitos do que seria uma religião. A saber:

• Religião é um sistema qualquer de idéias, de fé e de culto, como é o caso da fé cristã.

• Religião é um conjunto de crenças e práticas organizadas, formando algum sistema privado ou coletivo, mediante o qual uma pessoa ou um grupo de pessoas é influenciado.

• Religião é um corpo autorizado de comungantes que se reúnem periodicamente para prestar culto a um deus, aceitando um conjunto de doutrinas que oferece algum meio de relacionar o indivíduo àquilo que é considerado ser a natureza última da realidade.

• Religião é qualquer coisa que ocupa o tempo e as devoções de alguém. Há, nessa definição, um quê de verdade, já que aquilo que ocupa o tempo de uma pessoa é geralmente algo a que ela se devota, mesmo que não envolva diretamente a afirmação da existência de algum ser supremo ou seres superiores. E a devoção encontra-se na raiz de toda religião.

• Religião é o reconhecimento da existência de algum poder superior, invisível; é uma atitude de reverente dependência a esse poder na conduta da vida; e manifesta-se por meio de atos especiais, como ritos, orações, atos de misericórdia, etc.

A partir destas tentativas de definição, podemos nos atrever a classificar as religiões em tipos de acordo com a similaridade de suas crenças. Especialistas no assunto destacam pelo menos dez classes de religiões. Mas, como o leitor perceberá, há casos em que a distinção é mantida por uma linha muito tênue, o que faz que surja certa mistura de conceitos (tipos) em uma única religião. De fato, os tipos de religiões mesclam-se em qualquer fé que queiramos considerar, e, geralmente, as religiões progridem de um tipo a outro ao longo de sua trajetória. Assim, os vários tipos de religiões alistados a seguir não são necessariamente contraditórios ou excludentes entre si. Acompanhe:

Religiões animistas. Sistemas de crenças em que entidades naturais e objetos inanimados são tidos como dotados de um princípio vital impessoal ou uma força sobrenatural que lhes confere vida e atividade.

Religiões naturais. Pregam a manifestação de Deus na natureza, e, geralmente, rejeitam a revelação divina e os livros sagrados. Segundo seu pensamento, toda e qualquer revelação à parte da natureza não é digna de confiança.

Religiões ritualistas. Enfatizam as cerimônias e os rituais por acreditar que estes agradariam as divindades. Tais ritos e encantamentos teriam o poder de controlar os espíritos, levando-os a atuar para o bem ou mal das pessoas.

Religiões místicas. São também revelatórias, porém, seus adeptos acreditam na necessidade de contínuas experiências místicas como meio de informação e crescimento espiritual. Os místicos regem sua fé pela constante e diligente busca da iluminação.

Religiões revelatórias. Na verdade, seriam uma espécie de subcategoria das religiões místicas. Este grupo de religiões fundamenta-se nas supostas revelações da parte de deuses, de Deus, do Espírito, ou de espíritos desencarnados que compartilham mistérios que acabam cristalizados em livros sagrados.

Religiões sacramentalistas. São grupos que têm nos sacramentos meios de transmissão da graça divina e da atuação do Espírito de Deus. Estas religiões, geralmente, acreditam que o uso dos sacramentos por meio de pessoas “desqualificadas” impede a atuação do Espírito de Deus. Os sacramentos constituem-se em veículo para promoção do exclusivismo.

Religiões legalistas. São construídas sob preceitos normativos, algum código legal que deve governar todos os aspectos da vida de um indivíduo. Este código é usualmente concebido como divinamente inspirado. O bem é prometido aos obedientes e a punição aos desobedientes.

Religiões racionais. Neste grupo, a razão recebe ênfase proeminente e a filosofia é supervalorizada. A razão, segundo acreditam, seria algo tão poderoso que nada mais se faria necessário além de seu cultivo bem treinado e disciplinado.

Religiões sacrificiais. Pregam a salvação por meio de sacrifícios apropriados. O cristianismo é uma religião sacrificial, no sentido de que Jesus Cristo é reputado como o autor do sacrifício supremo necessário à salvação. A suprema palavra do Senhor declara: “E quase todas as coisas, segundo a lei, se purificam com sangue; e sem derramamento de sangue não há remissão” (Hb 9.22).

"Nem só de pão viverá o homem"

Todos estes princípios de crenças sustentam, cada qual à sua maneira, a religiosidade do mundo em que vivemos. Não foram poucas as declarações de filósofos e intelectuais que vislumbraram o desaparecimento destes sistemas. Mas eis que a religião ainda persiste, manifestando-se de diversas formas, em todos os lugares e coisas, em pleno século XXI, tão forte e influente quanto a mais recente descoberta científica. Por quê? Porque o homem não vive só de pão, mas também de religião. É justamente ela (a religião) quem se candidata a responder ao “drama da alma humana”, o traço magno de todo interesse espiritual. Um mundo caído sem religião não é concebível.

Em sua famosa canção, “Imagine”, o célebre cantor e compositor John Lennon nos convida a imaginar um mundo ideal, sem coisas ruins (entre as quais ele destaca as religiões), propõe um mundo em que as pessoas pudessem viver em paz e sugere a religião como fonte incentivadora das guerras. Em verdade, não há como negar que o abuso das atitudes religiosas produziu sangrentas guerras entre nós. Entretanto, temos de ponderar que as guerras não nasceram das convicções religiosas, mas, sim, do comportamento errado diante delas, o que é diferente.

Se os homens são tão ímpios com religião, o que seriam sem ela?

Não é possível desfazer-se das religiões simplesmente tentando ignorá-las. É por isso que, nas matérias que seguem, convidamos os leitores a um passeio panorâmico pelo mundo das religiões.

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quarta-feira, 15 de setembro de 2010

IMPOSSIBILIDADE DE ATEÍSMO REAL - JOÃO CALVINO


Isto, sem dúvida, será sempre evidente aos que julgam com acerto, ou, seja, que está gravado na mente humana um senso da divindade que jamais se pode apagar. Mais: esta convicção de que há algum Deus não só é a todos ingênita por natureza, mas ainda que lhes está encravada no íntimo, como que na própria medula, que a contumácia dos ímpios é testemunha qualificada, a saber, lutando furiosamente, contudo não conseguem desvencilhar-se do medo de Deus. Ainda que Diágoras, e tantos como ele, através de todos os séculos, zombeteiramente motejem de tudo quanto diz respeito à religião, e como Dionísio tem ridicularizado o juízo celeste, esse não passa de um riso sardônico, pois que em seu interior o verme da consciência rói mais pungente que todos os autérios. Não digo o que Cícero dizia, que com o correr do tempo os erros se tornam obsoletos; enquanto que, com o passar dos dias, mais cresce e melhor se faz a religião.

Ora, o mundo, como pouco adiante se haverá de dizer, tenta quanto está em seu poder alijar para bem longe o conhecimento de Deus, e de todos os modos corrompe-lhe o culto. Afirmo simplesmente isto: enquanto na mente se lhes enlanguesce essa obstinada dureza que os ímpios avidamente evocam para repudiarem a Deus, no entanto cobra viço, e por vezes medra vigoroso, esse senso da divindade que, tão ardentemente, desejariam fosse ele extinto. Donde concluímos que esta não é uma doutrina que se aprende na escola, mas que cada um, desde o ventre materno, deve ser mestre dela para si próprio, e da qual a própria natureza não permite que alguém esqueça, ainda que muitos há que põem todo seu empenho nessa tarefa.1

Portanto, se todos nascem e vivem com essa disposição de conhecer a Deus, e o conhecimento de Deus, se não chega até onde eu disse, é caduco e fútil, é claro que todos aqueles que não dirigem quanto pensam e fazem a esta meta, degeneram e se apartam do fim para o qual foram criados.2 Isto não foi desconhecido nem aos próprios filósofos. Ora, Platão3 não quis dizer outra coisa, visto que amiúde ensinou que o sumo bem da alma é semelhança com Deus, quando, apreendido o conheci-
mento dele, toda nele se transforma. Daí, muito a propósito, nos escritos de Plutarco arrazoa também Grilo, quando afirma que os homens, uma vez que a religião lhes seja ausente da vida, não só em nada excedem aos animais, mas até em muitos aspectos lhes são muito mais dignos de lástima, porquanto, sujeitos a tantas espécies de males, levam de contínuo uma vida tumultuária e desassossegada. Portanto, o que os faz superiores é tão-somente o culto de Deus, mediante o qual
se aspira à imortalidade.


1. Primeira edição: “Donde concluímos que não é matéria que se haja primeiro de aprender nas escolas,mas de que desde o ventre cada um é mestre a si [próprio] e de que não sofre a própria natureza alguém se esqueça, inda que, com todas as forças, muitos isso intentem.”
2. Primeira edição: “Logo, se todos foram nascidos e vivem nesta condição, [isto é,] para conhecerem a Deus, mas, a não ser que a este ponto hajam [ele] de chegar, difuso e evanescente é o conhecimento de Deus,é evidente que da lei de sua criação aberram todos estes que a este escopo não destinam os pensamentos e ações todos de sua vida.”
3. Fedon e Tecleto.

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

A Fórmula de Concórdia dos Puritanos


O objetivo desta fórmula é apresentar, de forma sucinta, os pontos inegociáveis da Fé Cristã, que distinguem a verdadeira religião das inúmeras falsificações humanas; tanto a fidelidade Doutrinária, quanto a fidelidade Sacramental e a fidelidade moral estão aqui precisamente representadas nestes dezesseis pontos.
1. Que as Escrituras Sagradas são a regra do conhecimento de Deus e da vida vivida para Ele, e que todo aquele que nelas não crer, não poderá ser salvo.
2. Que há um Deus, que é o Criador, o Governador e o Juiz do mundo, e que deve ser recebido pela fé, e todo e qualquer outro meio de conhecê-Lo é insuficiente.
3. Que este Deus, que é o Criador, é eternamente distinto de todas as criaturas em Seu ser e em Sua graça.
4. Que este Deus é um em três Pessoas ou subsistências.
5. Que Jesus Cristo é o único Mediador entre Deus e o homem, sem o conhecimento de quem não há salvação.
6. Que este Jesus Cristo é o verdadeiro Deus.
7. Que este Jesus Cristo é também verdadeiro homem.
8. Que este Jesus Cristo é Deus e homem em uma Pessoa.
9. Que este Jesus Cristo é o nosso Redentor, quem, pagando um resgate pelos nossos pecados e levando-os sobre Si, satisfez a justiça divina quanto a eles.
10. Que este mesmo Senhor Jesus Cristo é Aquele que foi crucificado em Jerusalém, ressuscitou e ascendeu ao céu.
11. Que este mesmo Jesus Cristo, sendo o único Deus e homem em uma Pessoa, continua sendo para sempre uma Pessoa distinta de todos os santos e anjos, não obstante a união e comunhão deles com Ele.
12. Que, por natureza, todos os homens estavam mortos em ofensas e pecados, e nenhum homem pode ser salvo, a menos que nasça de novo, arrependa-se e creia.
13. Que somos justificados e salvos pela graça e pela fé em Jesus Cristo, e não pelas obras.
14. Que continuar nalgum pecado conhecido, com base em seja qual for o pretexto ou princípio, é condenável.
15. Que Deus deve ser cultuado de acordo com a Sua vontade, e todo aquele que abandonar ou desprezar todos os deveres do Seu culto não pode ser salvo.
16. Que os mortos ressuscitarão, e que há um dia de juízo a que todos comparecerão, uns para irem para a vida eterna, e outros para a condenação eterna.
Composição: Dr. John Owen; Pr. Richard Baxter; Dr. Thomas Goodwin; Dr. Cheynel; Sr. Marshall; Sr. Reyner; Sr. Nye; Sr; Sydrach Simpson; Sr. Vines; Sr. Manton; Sr. Jacomb.

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