sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Expiação Limitada


Mt 1.21; Jo 3.16; Jo 10.27-30; Jo 17.9-12; At 20.28; Rm 8.30
Ás vezes, as doutrinas distintivas da teologia reformada são resumidas em inglês pelo uso de acróstico T.U.L.I.P. [em Português seria D.E.E.G.P.]:

Total depravity = Depravação total
Unconditional election = Eleição incondicional
Limited atonement = Expiação limitada
Irresistible grace = Graça irresistível
Perseverance of the saints = Perseverança dos santos

Embora o acróstico seja útil para ajudar na memorização, também pode gerar confusão com respeito as doutrinas por causa da maneira como foi organizado para formar o acróstico "TULIP" [em inglês]. Isso é especialmente verdadeiro com referência ao terceiro ponto, ou seja, expiação limitada. Muitos, que se consideram calvinistas "de quatro pontos", estão dispostos a confirmar todos os pontos, menos a expiação limitada. Tiram o L do "TULIP".
Prefiro o termo expiação definida ao termo expiação limitada (embora tenha que converter tulip em tudip). A doutrina da expiação definida focaliza a questão no desígnio de Cristo. Isso tem a ver com o propósito de Deus em enviar Jesus à cruz.
Qualquer um que não seja universalista[aqueles que crêem que todos os homens do universo podem ser salvos] está disposto a concordar que o efeito da obra de Cristo na cruz é limitado aos que crêem. Isso é, a expiação de Cristo não tem validade para os não crentes. Nem todas as pessoas são salvas através de sua morte. Todos também concordam que o mérito de morte de Cristo é suficiente para pagar pelos pecados de toda a humanidade. Alguns colocam desta maneira: a expiação de Cristo é suficiente para todos, mas é eficiente somente para alguns.
Isso, entretanto, não é o âmago da questão da expiação definida. Os que negam a expiação definida insistem em que a obra expiatória de Cristo foi destinada por Deus para expiar os pecados de todo mundo. Tomou possível a salvação de todas as pessoas, mas não tomou certa a salvação de ninguém. Este desígnio, portanto, é ilimitado e indefinido.
A visão reformada sustenta que a expiação de Cristo foi destinada e tencionada só para eleitos. Cristo deu sua vida por sua ovelhas - é só por suas ovelhas. Além disso, a expiação garantiu a salvação para todos os eleitos. A expiação foi uma obra real de redenção e não simplesmente potencial. Nesta visão, não há possibilidade de que o desígnio e intenção de Deus para a expiação sejam frustrados. O propósito de Deus na salvação é infalível.
Os teólogos reformados diferem na questão da oferta da expiação para a raça humana. Alguns insistem em que a oferta do evangelho é universal. A Cruz e seus benefícios são oferecidos a todo aquele que crê. Outros insistem em que este conceito de uma oferta universal é equivocado e que envolve um tipo de jogo de palavras. Visto que só os eleitos de fato irão crer, na verdade a oferta é voltará só para eles. O beneficio da expiação de Cristo nunca é oferecido por Deus ao impenitente ou incrédulo. Já que fé e arrependimento são condições satisfeitas só pelos eleitos, em última análise a expiação é oferecida só a eles.
O apóstolo João escreve "E ele é a propiciação pelos nossos pecados, e não somente pelos nossos, mas também pelos de todo o mundo." (1 Jo 2.2). Este texto, mais que qualquer outro, é citado como a prova das Escrituras contra a expiação definida [ou também chamada expiação limitada]. à primeira vista, o teto parece argumentar que a morte de Cristo foi destinada a todas as pessoas (o mundo inteiro). Entretanto, se for tomado nesse sentido, o texto prova mais do que os cristãos não reformados querem que ele prove. Torna-se um texto prova para o universalismo. Se Cristo de fato propiciou ou satisfez as exigências de Deus para a punição dos pecados de todas as pessoas, logo fica claro que todas as pessoas seriam salvas. Se Deus punisse pecados que já foram propiciados, então ele seria injusto. Se o texto for interpretado como significado como significando que os pecados de todos foram condicionalmente expiados (dependentes de fé e arrependimento, então voltamos à questão original de que somente os eleitos satisfazem tais condições.
A outra maneira de interpretar este texto é vendo o contraste entre nossos pecados e os do mundo inteiro. Quem são as pessoas incluídas na palavra nossos? Se João está falando somente das pessoas crentes, então a interpretação anterior do texto se aplacaria. Mas esse é o único significado possível de nosso?
No Novo Testamento, com freqüência se faz um contraste entre a salvação experimentada pelos judeus e a experimentada pelos não-judeus. Um ponto crucial do evangelho é que ele não se limita aos judeus, mas se estende às pessoas de todo o mundo, às pessoas de todas as tribos e nações. Deus ama o mundo todo, mas não salva o mundo todos; ele salva pessoas de todas as partes do mundo. Neste texto, não pode estar simplesmente dizendo que Cristo não é a propiciação só pelos nossos pecados (dos crentes judeus), mas pelos eleitos que se encontram também em todas as partes do mundo.
Em qualquer caso, o plano de Deus foi decido antes de qualquer pessoas estivesse no mundo. A expiação de cristo não foi um pensamento divino de última hora. O propósito de Deus na morte de Cristo foi determinado desde a fundação do mundo. O desígnio não foi estabelecido por acaso, mas de acordo com um plano e um propósito específicos, os quais Deus está cumprindo soberanamente. Todo aquele por quem Cristo morreu é redimido por seu ato sacrifical.

Autor: R. C. Sproul
Fonte: 2º Caderno Verdades Essenciais da Fé Cristã – R.C.Sproul. Editora Cultura Cristã.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

O juízo final e a punição eterna


Quem será julgado? Que é inferno?

1. EXPLANAÇÃO E BASE BÍBLICA

A. A realidade do juízo final

A Escritura muitas vezes afirma o fato de que haverá um grande juízo final de crentes e descrentes. Eles comparecerão perante o julgamento de Cristo com seus corpos ressuscitados e ouvirão a proclamação que ele fará do destino eterno deles.
O juízo final é vividamente apresentado na visão de João no Apocalipse:
Depois vi um grande trono branco e aquele que nele estava assentado. A terra e o céu fugiram da sua presença, e não se encontrou lugar para eles.Vi também os mortos, grandes e pequenos, em pé diante do trono, e livros foram abertos. Outro livro foi aberto, o livro da vida. Os mortos foram julgados de acordo com o que tinham feito, segundo o que estava registrado nos livros. O mar entregou os mortos que nele havia, e a morte e o Hades entregaram os mortos que neles havia; e cada um foi julgado de acordo com o que tinha feito. Então a morte e o Hades foram lançados no lago de fogo. O lago de fogo é a segunda morte. Aqueles cujos nomes não foram encontrados no livro da vida foram lançados no lago de fogo (Ap 20.11-15).
Muitas outras passagens ensinam sobre o juízo final. Paulo diz aos filósofos gregos em Atenas: Deus [...] agora ordena que todos, em todo lugar, se arrependam. Pois estabeleceu um dia em que ha de julgar o mundo com justiça, por meio do homem que designou. E deu provas disso a todos, ressuscitando-o dentre os mortos” (At 17.30,31). Semelhantemente, Paulo fala a respeito do “dia da ira de Deus, quando se revelará o seu justo julgamento”(Rm 2.5). Outras passagens falam claramente de um dia de juízo que virá (v. Mt 10.15; 11.22,24; 12.36; 25.31-46; lCo 4.5; Hb 6.2; 2Pe 2.4; Jd 6 etc.).
Esse juízo final é o auge de muitos juízos precursores nos quais Deus recompensou a retidão e puniu a injustiça por toda a história. Ao mesmo tempo em que trouxe bênção e libertação do perigo para os que lhe foram fiéis, incluindo Abel, Noé, Abraão, Isaque, Jacó, Moisés, Davi e os fiéis dentre o povo de Israel, ele também vez por outra trouxe juízo sobre os que persistiram na desobediência e na incredulidade; seus juízos incluíram o Dilúvio, a dispersão do povo na Torre de Babel, os juízos sobre Sodoma e Gomorra e os contínuos julgamentos ao longo de toda a história, tanto sobre indivíduos (Rm 1.18-32) quanto sobre nações (Is 13— 23) que persistiram no pecado. Além disso, na esfera espiritual invisível, ele trouxe juízo sobre os anjos que pecaram (2Pe 2.4). Pedro nos recorda que os juízos de Deus têm sido cumpridos periodicamente e de forma positiva, e isso nos lembra que um juízo final ainda está por vir, pois “o Senhor sabe livrar os piedosos da provação e manter em castigo os ímpios para o dia do juízo, especialmente os que seguem os desejos impuros da carne e desprezam a autoridade” (2Pe 2.9,10).
B. O tempo do juízo final
O juízo final ocorrerá após o milênio e a rebelião que vai ocorrer no final dele. João apresenta o reino milenar e a remoção de Satanás para não influenciar a terra em (Apocalipse 20.1-6) e, então, diz: ‘Quando terminarem os mil anos, Satanás será solto da sua prisão e sairá para enganar as nações que estão nos quatro cantos da terra [...] a fim de reuni-las para a batalha” (Ap 20.7,8). Após Deus derrotar decisivamente essa rebelião final (Ap 20.9,10), João nos diz que o juízo se seguirá: ‘Depois vi um grande trono branco e aquele que nele estava assentado” (v. 11).
C. A natureza do juízo final
1. Jesus Cristo será o juiz.
Paulo fala de “Cristo Jesus, que há de julgar os vivos e os mortos” (2Tm 4.1). Pedro diz que Jesus Cristo é aquele “que Deus constituiu juiz de vivos e de mortos” (At 10.42; cf. 17.3 1; Mt 25.31-33). Esse direito de agir como juiz sobre todo o universo é algo que o Pai deu ao Filho: “o Pai [...J deu-lhe autoridade para julgar, porque é o Filho do homem” (Jo 5.26,27).
2. Os descrentes serão julgados.
Está claro que todos os descrentes comparecerão perante o tribunal de Cristo para julgamento, pois esse julgamento inclui “os mortos, grandes e pequenos (Ap 20.12), e Paulo fala do “dia da ira de Deus, quando se revelará o seu justo julgamento” e que “Deus ‘retribuirá a cada um conforme o seu procedimento’. [...] haverá ira e indignação para os que são egoístas, que rejeitam a verdade e seguem a injustiça” (Rm 2.5,6,8).
Esse juízo dos descrentes incluirá graus de punição, pois lemos que os mortos “foram julgados de acordo com o que tinham feito” (Ap 20.12,13); esse julgamento de acordo com o que as pessoas tiverem feito, portanto, deve envolver a avaliação das obras que as pessoas fizeram. Semelhantemente, Jesus diz: “Aquele servo que conhece a vontade de seu senhor e não prepara o que ele deseja, nem o realiza, receberá muitos açoites. Mas aquele que não a conhece e pratica coisas merecedoras de castigo, receberá poucos açoites. A quem muito foi dado, muito será exigido; e a quem muito foi confiado, muito mais será pedido” (Lc 12.47,48). Quando Jesus diz às [‘O fato de que haverá graus de punição para os descrentes de acordo com suas obras não significa que os descrentes venham a fazer coisas boas para merecer a aprovação de Deus ou ganhar a salvação, pois a salvação vem somente como dom gratuito para os que confiam em Cristo: ”Quem nele crê não é condenado, mas quem não crê já está condenado, por não crer no nome do Filho Unigênito de Deus” (Jo 3.18). Para a discussão do fato de que não haverá “outra oportunidade” para as pessoas aceitarem Cristo após a morte] cidades de Corazim e Betsaida: “Mas eu lhes afirmo que no dia do juízo haverá menor rigor para Tiro e Sidom do que para vocês” (Mt 11.22; cf. v. 24), ou quando diz que os escribas “serão punidos com maior rigor” (Lc 20.47), sugere que haverá graus de punição no último dia.
De fato, cada ação errônea será lembrada e levada em conta na punição que se dará naquele dia, porque “ no dia do juízo, os homens haverão de dar conta de toda palavra inútil que tiverem falado” (Mt 12.36). Cada palavra dita, cada ato cometido serão trazidos à luz e receberão julgamento: “Pois Deus trata a julgamento tudo o que foi feito, inclusive tudo o que está escondido, seja bom, seja mau” (Ec 12.14).
Como esses versículos indicam, no dia do juízo os segredos do coração das pessoas serão revelados e tornados públicos. Paulo fala do dia “em que Deus julgar os segredos dos homens, mediante Jesus Cristo, conforme o declara o meu evangelho” (Rm 2.16; cf. Lc 8.17). “Não há nada escondido que não venha a ser descoberto, ou oculto que não venha a ser conhecido. O que vocês disseram nas trevas será ouvido à luz do dia, e o que vocês sussurraram aos ouvidos dentro de casa, será proclamado dos telhados” (Lc 12.2,3).
3. Os crentes serão julgados.
Escrevendo a cristãos, Paulo diz: “Pois todos compareceremos diante do tribunal de Deus. [...] Assim, cada um de nós prestará contas de si mesmo a Deus” (Rm 14.10,12). Ele também diz aos coríntios: “Pois todos nós devemos comparecer perante o tribunal de Cristo, para que cada um receba de acordo com as obras praticadas por meio do corpo, quer sejam boas quer sejam más” (2Co 5.10; cf. Rm 2.6-11; Ap 20.12,15). Além disso, a apresentação do juízo final em Mateus 25.31-46 inclui Cristo separando as ovelhas dos bodes e recompensando os que recebem sua bênção.
É importante perceber que esse julgamento dos crentes será um julgamento para avaliar e conceder vários graus de recompensa (v. a seguir), mas o fato de que eles enfrentarão um julgamento nunca deveria causar nos crentes qualquer temor de serem eternamente condenados. Jesus diz: “Quem ouve a minha palavra e crê naquele que me enviou, tem a vida eterna e não será condenado, mas já passou da morte para a vida” (Jo 5.24). Aqui a condenação deve ser entendida no sentido de morte e condenação eterna, já que é contrastada com o passar da morte para a vida. No dia do juízo final, mais que em outra oportunidade, é de extrema importância o fato de que “agora já não há condenação para os que estão em Cristo Jesus” (Rm 8.1) . Assim, o dia do juízo pode ser descrito como um dia em que os cristãos serão recompensados e os descrentes, punidos: “As nações se iraram; e chegou a tua ira. Chegou o tempo de julgares os mortos e de recompensares os teus servos, os profetas, os teus santos e os que temem o teu nome, tanto pequenos como grandes, e de destruir os que destroem a terra” (Ap 11.18).
Todas as palavras secretas, todos os atos dos crentes e todos os seus pecados serão revelados no último dia? Poderíamos pensar no princípio assim, porque, escrevendo aos crentes a respeito do dia do juízo, Paulo diz que, quando o Senhor voltar, “ele trará à luz o que está oculto nas trevas e manifestará as intenções dos corações. Nessa ocasião, cada um receberá de Deus a sua aprovação” (lCo 4.5; cf. Cl 3.25). Todavia, esse é um contexto que fala a respeito da recomendação ou louvor (gr., epainos) que vem de Deus, podendo não se referir aos pecados. E outros versículos sugerem que Deus nunca mais chamará nossos pecados à lembrança: “atirarás todos os nossos pecados nas profundezas do mal” (Mq 7.19); “e como o Oriente está longe do Ocidente, assim ele afasta para longe de nós as nossas transgressões” (Sl 103.12); “Sou eu, eu mesmo, aquele que apaga suas transgressões, por amor de mim, e que não se lembra mais de seus pecados” (Is 43.25); “Porque eu lhes perdoarei a maldade e não me lembrarei mais dos seus pecados” (Hb 8.12; cf. 10.17).
De qualquer forma, o fato de que compareceremos perante Deus para que nossa vida seja avaliada será um motivo para vivermos piedosamente, e Paulo usa-o desse modo em 2Coríntios 5.9,10: “Por isso, temos o propósito de lhe agradar, quer estejamos no corpo, quer o deixemos. Pois todos nós devemos comparecer perante o tribunal de Cristo, para que cada um receba de acordo com as obras praticadas por meio do corpo, quer sejam boas quer sejam más”. Mas essa perspectiva não deve jamais causar terror ou alarme na vida dos crentes, porque mesmo os pecados que serão tornados públicos naquele dia já foram perdoados, e por isso eles serão uma oportunidade para dar glória a Deus pela riqueza de sua graça.
A Escritura também ensina que haverá graus de recompensa para os crentes. Paulo encoraja os coríntios a ser cuidadosos quanto a edificar a igreja sobre o fundamento que já havia sido lançado — o próprio Jesus Cristo.
Se alguém constrói sobre esse alicerce usando ouro, prata, pedras preciosas, madeira, feno ou palha, sua obra será mostrada, porque o Dia a trará à luz; pois será revelada pelo fogo, que provará a qualidade da obra de cada um. Se o que alguém construiu permanecer, esse receberá recompensa. Se o que alguém construiu se queimar, esse sofrerá prejuízo; contudo, será salvo como alguém que escapa através do fogo ( lCo 3.12-15).
Semelhantemente, Paulo diz dos cristãos: “Pois todos nós devemos comparecer perante o tribunal de Cristo, para que cada um receba de acordo com as obras praticadas por meio do corpo, quer sejam boas quer sejam más” (2Co 5.10), sugerindo novamente a idéia de graus de recompensa pelo que fizemos nesta vida. Igualmente, na parábola das minas, foi dito ao que fez render dez minas: “Muito bem, meu bom servo! [...] Por ter sido confiável no pouco, governe sobre dez cidades”. Ao que fez render cinco minas, foi dito: ”Também você, encarregue-se de cinco cidades” (Lc 19.17,19). Muitas outras passagens igualmente ensinam ou sugerem graus de recompensa para os crentes no juízo final.
Mas devemos nos precaver contra qualquer entendimento errôneo neste ponto. Embora saibamos que haverá graus de recompensa nos céus, a alegria de cada pessoa será plena e completa pela eternidade. Se perguntarmos como isso pode acontecer, quando há diferentes graus de [O ensino da Bíblia sobre os graus de recompensa no céu é mais amplo do que os cristãos normalmente percebem: Dn 12.2; Mt 6.20,21; 19.21; Lc 6.22,23; 12.18-21,32,42-48; 14.13,14; lCo 3.8; 9.18; 13.3; 15.19,29-32,58; Gl 6.9,10; Ef 6.7,8; Cl 3.23,24; lTm 6.18; Hb 10.34,35; 11.10,14-16,26,35; lPe 1.4; 2João 8; Ap 11.18; 22.12; cf. tb. Mt 5.46; 6.2-6,16-18,24; Lc 6.35.] recompensa, tal fato demonstrará que nossa percepção de alegria é baseada na suposição de que a alegria depende do que possuímos, ou da posição ou poder que temos. Na realidade, contudo, nossa verdadeira alegria consiste em ter prazer em Deus e em regozijar-nos na posição e no reconhecimento que ele nos deu. A tolice de pensar que somente os que foram altamente recompensados e que receberam posição elevada é que serão plenamente felizes no céu é vista quando percebemos que, não importa quão grande seja a recompensa que nos for dada, haverá sempre aqueles com recompensas maiores ou que possuem posição e autoridade maiores, incluindo os apóstolos, as criaturas celestiais, Jesus Cristo e o próprio Deus. Portanto, se a posição mais elevada fosse essencial para as pessoas serem felizes, ninguém seria mais feliz que Deus no céu, o que é certamente uma idéia incorreta. Além disso, aqueles com recompensa e honra maiores no céu, os mais próximos do trono de Deus, teriam prazer não na posição, mas somente no privilégio de se prostrarem diante do trono de Deus para adorá-lo (v.Ap 4.10,11).
Seria moral e espiritualmente benéfico que adquiríssemos uma consciência maior desse ensino claro do NT sobre os graus de recompensa celestial. Ao invés de nos tornar competitivos uns com os outros, ele despertaria em nós o senso de ajudar e de encorajar uns aos outros para que todos pudéssemos aumentar nossa recompensa celestial, pois Deus tem capacidade infinita de trazer bênçãos a nós todos, e todos nós somos membros uns dos outros (v. lCo 12.26,27). Devemos atentar com fervor à admoestação do autor de Hebreus: “E consideremos uns aos Outros para nos incentivarmos ao amor e às boas obras. Não deixemos de reunir-nos como igreja, segundo o costume de alguns, mas procuremos encorajar-nos uns aos outros, ainda mais quando vocês vêem que se aproxima o Dia” (Hb I0.24,25). Ademais, o coração sincero ansiando por recompensa celestial nos motivaria ao trabalho muito sincero para o Senhor em qualquer tarefa para a qual ele nos chamasse, seja grande seja pequena, recebendo salário ou não. Isso também nos faria desejosos de sua aprovação antes que de riqueza ou sucesso e nos motivaria a trabalhar na edificação da igreja sobre o único fundamento, Jesus Cristo (lCo 3.10-15).
4. Os anjos serão julgados.
Pedro diz que os anjos rebeldes foram lançados no inferno ,”a fim de serem reservados para o juízo” (2Pe 2.4) , e Judas diz que os anjos rebeldes foram guardados por Deus sob trevas “para o juízo do grande Dia” (Jd 6). Isso significa que ao menos os anjos rebeldes ou demônios também estarão sujeitos ao juízo no último dia.
A Escritura não indica claramente se os anjos santos também estarão sob uma espécie de avaliação por seus serviços, mas é possível que estejam incluídos na afirmação de Paulo : “Vocês não sabem que havemos de julgar os anjos?’ (lCo 6.3) . É provável que isso inclua anjos santos, porque não há nenhuma indicação no contexto de que Paulo esteja falando de demônios ou anjos caídos, e a palavra anjos sem qualquer qualificação adicional no NT deve ser normalmente entendida como referência aos anjos santos. Mas o texto não é explícito o suficiente para que tenhamos certeza do que afirmamos.
D. A necessidade do juízo final
Desde que os crentes passam imediatamente para a presença de Deus quando morrem e que os descrentes passam para o estado de separação de Deus, suportando a punição quando morrem, podemos nos espantar pelo fato de Deus ter um tempo de juízo final estabelecido. Berkhof sabiamente assinala que o juízo final não tem o propósito de permitir que Deus conheça a condição de nosso coração ou o padrão de conduta de nossa vida, pois ele já sabe tudo isso em todos os detalhes. Em vez disso, Berkhof comenta, sobre o juízo final:
Seu propósito é, antes, expor diante de todas as criaturas racionais a glória declarativa de Deus num ato formal e forense que, por um lado, engrandecerá a Sua santidade e justiça, e, por outro lado, engrandecerá a Sua graça e misericórdia. Ademais, devemos ter em mente que o juízo do último dia será diferente daquele que ocorre na morte de cada indivíduo em mais de um aspecto. Não será secreto, mas público; não terá referência a um só indivíduo, mas a todos os homens.
E. A justiça de Deus no juízo final
A Escritura afirma claramente que Deus será totalmente justo no seu juízo e ninguém será capaz de reclamar qualquer coisa perante ele naquele dia. Deus é aquele que “julga imparcialmente as obras de cada um’ (lPe 1.17), e “em Deus não há parcialidade” (Rm 2.11; cf. Cl 3.25). Por essa razão, no último dia, que “toda boca se cale e todo o mundo esteja sob o juízo de Deus” (Rm 3.19), sendo que ninguém será capaz de reclamar que Deus o tratou com injustiça. De fato, uma das grandes bênçãos do juízo final será que os santos e anjos verão a justiça pura de Deus sendo absolutamente demonstrada, e isso será uma fonte de louvor a ele por toda a eternidade. No tempo do juízo, haverá grande louvor no céu, pois João diz: “Depois disso ouvi nos céus algo semelhante à voz de uma grande multidão, que exclamava: ‘Aleluia! A salvação, a glória e o poder pertencem ao nosso Deus, pois verdadeiros e justos são os seus juízos”’ (Ap 19.1,2).
F. Aplicação moral do juízo final
A doutrina do juízo final tem diversas influências morais positivas em nossa vida.
1. A doutrina do juízo final satisfaz nosso senso interior de necessidade de justiça no mundo.
O fato de que haverá o juízo final assegura-nos de que o universo de Deus em última
análise é justo, pois Deus está no controle e mantém os registros exatos, tornando justo o juízo. Quando Paulo admoesta os escravos para que sejam submissos aos senhores, lhes assegura: “Quem cometer injustiça receberá de volta injustiça, e não haverá exceção para ninguém” (Cl 3.25). Quando o quadro do juízo final menciona o fato de que ”livros foram abertos” (Ap 20.12; cf. Ml 3.16), isso nos lembra (sejam os livros literais ou simbólicos) que o registro permanente e exato de todos os nossos atos foi guardado por Deus, e finalmente todas as contas serão acertadas e todos serão tornados justos.
2. A doutrina do juízo final capacita-nos a perdoar a outros livremente.
Percebemos que não cabe a nós vingar-nos dos que erraram contra nós, ou mesmo querer fazê-lo, porque Deus reservou esse direito para si próprio.”Amados, nunca procurem vingar-se, mas deixem com Deus a ira, pois está escrito : ’Minha é a vingança; eu retribuirei’, diz o Senhor” (Rm 12.19). Desse modo, sempre que alguém nos prejudicar, devemos deixar nas mãos de Deus o desejo de dar o troco à pessoa que errou contra nós, sabendo que cada erro no universo será finalmente cobrado — será eliminado por ter sido pago por Cristo quando ele morreu na cruz (se o malfeitor se torna cristão), ou será cobrado no juízo final (pago por quem não confiou em Cristo para ser salvo). Mas, em qualquer um dos casos, podemos entregar a situação nas mãos de Deus e então orar para que o malfeitor venha a confiar em Cristo e, desse modo, receba perdão de seus pecados. Esse pensamento deveria guardar-nos de armazenar amarguras ou ressentimentos em nosso coração por injustiças que sofremos quando as coisas não foram feitas corretamente: Deus é justo, e podemos deixar essas situações nas suas mãos, sabendo que algum dia ele corrigirá todos os erros e dará recompensas e punições justas. Desse modo, estamos seguindo o exemplo de Cristo: “Quando insultado, não revidava; quando sofria, não fazia ameaças, mas entregava-se àquele que julga com justiça” (lPe 2.23). Ele também orou: “Pai, perdoa-lhes, pois não sabem o que estão fazendo” (Lc 23.34; cf.At 7.60, quando Estêvão seguiu o exemplo de Jesus orando por aqueles que o matavam).
3. A doutrina do juízo final motiva-nos a viver retamente.
Para os crentes, o juízo final é um incentivo à fidelidade e boas obras; não serve como um meio para obter perdão de pecados, mas como meio de ganhar recompensa eterna maior. Esse é um motivo saudável e positivo para nós — Jesus nos diz: “acumulem para vocês tesouros nos céus” (Mt 6.20) —, embora essa idéia bata de frente com o conceito popular de nossa cultura secular, uma cultura que realmente não crê de forma nenhuma no céu ou nas recompensas eternas.
Para os descrentes, a doutrina do juízo final ainda proporciona algum refreamento moral em suas vidas. Se na sociedade há reconhecimento geral e difundido de que todos algum dia darão contas ao Criador do universo de suas vidas, algum “temor de Deus” vai caracterizar a vida de muitas pessoas. Ao contrário, os que não possuem nenhuma consciência profunda do juízo final se entregarão à pratica do mal em escala cada vez maior, demonstrando que aos “seus olhos é inútil temer a Deus” (Rm 3.18). Sobre os que negam o juízo final, Pedro diz que são “escarnecedores”: “Antes de tudo saibam que, nos últimos dias, surgirão escarnecedores zombando e seguindo suas próprias paixões. Eles dirão: ‘O que houve com a promessa da sua vinda?”’ (2Pe 3.3,4). A consciência do juízo final é conforto para os crentes e advertência aos descrentes para não continuarem em seus maus caminhos.
4. A doutrina do juízo final proporciona grande motivo para a evangelização.

As decisões feitas pelas pessoas nesta vida afetarão o destino delas por toda a eternidade, e é correto que nosso coração sinta e que nossa boca ecoe o mesmo sentimento de apelo a Deus que vemos em Ezequiel: “Voltem-se dos seus maus caminhos! Por que o seu povo haveria de morrer, ó nação de Israel?” (Ez 33.11). De fato, Pedro salienta que o retardamento do retorno do Senhor é devido ao fato de que Deus “é paciente com vocês, não querendo que ninguém pereça, mas que todos cheguem ao arrependimento” (2Pe 3.9).
G. Inferno
É oportuno discutir a doutrina do inferno em conexão com a doutrina do juízo final. Podemos definir o inferno da seguinte maneira: Inferno é o lugar de punição eterna e consciente destinado ao ímpio. A Escritura ensina em diversas passagens que tal lugar existe. No final da parábola dos talentos, o senhor diz: “E lancem fora o servo inútil, nas trevas, onde haverá choro e ranger de dentes” (Mt 25.30). Essa é uma entre as diversas indicações de que haverá consciência de punição após o julgamento final. Semelhantemente, no juízo o rei dirá a alguns: “Malditos, apartem-se de mim para o fogo eterno, preparado para o Diabo e os seus anjos” (Mt 25.41), e Jesus diz que esses assim condenados “irão para o castigo eterno, mas os justos para a vida eterna” (Mt 25.46). Nesse texto, o paralelo entre “vida eterna” e “castigo eterno” indica que ambos os estados são eternos.
Jesus refere-se ao inferno como “fogo que nunca se apaga” (Mc 9.43) e diz que o inferno é o lugar onde “o seu verme não morre, e o fogo não se apaga” (Mc 9.48). A história do rico e de Lázaro também indica uma consciência horrível da punição: ”Chegou o dia em que o mendigo morreu, e os anjos o levaram para junto de Abraão. O rico também morreu e foi sepultado. No Hades, onde estava sendo atormentado, ele olhou para cima e viu Abraão de longe, com Lázaro ao seu lado. Então, chamou-o: ‘Pai Abraão, tem misericórdia de mim e manda que Lázaro molhe a ponta do dedo na água e refresque a minha língua, porque estou sofrendo muito neste fogo”’ (Lc 16.22-24). Então ele suplica a Abraão: “manda Lázaro ir à casa de meu pai, pois tenho cinco irmãos. Deixa que ele os avise, a fim de que eles não venham também para este lugar de tormento” (Lc 16.28).
Quando nos voltamos para o Apocalipse, as descrições da punição eterna são também muito
explícitas: Um terceiro anjo os seguiu, dizendo em alta voz: “Se alguém adorar a besta e a sua imagem e receber a sua marca na testa ou na mão, também beberá do vinho do furor de Deus que foi derramado sem mistura no cálice da sua ira. Será ainda atormentado com enxofre ardente na presença dos santos anjos e do Cordeiro, e a fumaça do tormento de tais pessoas sobe para todo o sempre. Para todos os que adoram a besta e a sua imagem, e para quem recebe a marca do seu nome, não há descanso, dia e noite’» (Ap 14.9-11).
Essa passagem afirma claramente a idéia da punição consciente e eterna dos descrentes.
Com respeito ao juízo sobre a cidade ímpia da Babilônia, uma grande multidão no céu grita:
“Aleluia! A fumaça que dela vem, sobe para todo o sempre” (Ap 19.3). Após a rebelião final de Satanás ser esmagada, lemos: “O Diabo, que as enganava, foi lançado no lago de fogo que arde com enxofre, onde já haviam sido lançados a besta e o falso profeta. Eles serão atormentados dia e noite, para todo o sempre” (Ap 20.10). Essa passagem é também importante em associação com Mateus 25.41, na qual os descrentes são enviados “para o fogo eterno, preparado para o Diabo e os seus anjos”. Esses versículos devem fazer-nos perceber a imensidão do mal que é encontrado no pecado e na rebelião contra Deus e também a magnitude da santidade e da justiça de Deus que provoca essa espécie de punição.
A idéia de que haverá a consciência de punição eterna dos descrentes tem sido negada recentemente mesmo por alguns teólogos evangélicos. Ela havia sido negada anteriormente pela Igreja Adventista do Sétimo Dia e por diversos indivíduos por toda a história da igreja. Os que negam a punição eterna consciente muitas vezes advogam o ”aniquilacionismo”, ensino segundo o qual, após os ímpios terem sofrido a penalidade da ira de Deus por algum tempo, Deus os aniquilará, de modo que passarão a não mais existir. Muitos que crêem no aniquilacionismo também sustentam a realidade do juízo final e da punição pelo pecado, mas argumentam que, após os pecadores terem sofrido por certo período de tempo, suportando a ira de Deus contra seus pecados, eles finalmente cessarão de existir. A punição será, portanto, “consciente” mas não “eterna”.
Os argumentos a favor do aniquilacionismo são: 1) as referências bíblicas à destruição do ímpio, que, dizem alguns, sugerem que eles não mais vão existir após serem destruídos (Fp 3.19; lTs 5.3; 2Ts 1.9; 2Pe 3.7); 2) a aparente incompatibilidade entre a punição eterna consciente e o amor de Deus; 3) a aparente injustiça envolvida na desproporção entre os pecados, cometidos no tempo, e a punição, que é eterna; e 4) o fato de que a presença contínua de criaturas más no universo de Deus desfigurará eternamente a perfeição do universo que Deus criou para refletir sua glória.
Em resposta, 1) deve ser dito que as passagens que falam de destruição (como Fp 3.19; lTs 5.3; 2Ts 1.9; 2Pe 3.7) não implicam necessariamente cessação de existência, pois nessas passagens o termo usado para “destruição” não significa necessariamente o fato de cessar de existir ou uma espécie de aniquilação, mas podem simplesmente ser o modo de referir-se aos efeitos danosos e destrutivos do juízo final sobre os descrentes.
2) Com respeito ao argumento do amor de Deus, a mesma dificuldade de conciliar o amor de Deus com a punição eterna parece estar presente também na conciliação do amor de Deus a idéia da punição divina e, ao contrário, se (como a Escritura testifica abundantemente) é coerente Deus punir o ímpio por determinado tempo após o juízo final, parece que não há razão necessária pela qual seja incoerente Deus infligir a mesma punição para um período de tempo sem fim.
Essa espécie de raciocínio pode conduzir certas pessoas a adotar outra espécie de aniquilacionismo, aquele segundo o qual não há sofrimento consciente de forma alguma, nem mesmo por um tempo breve, e a única punição é que os descrentes cessam de existir após a morte. No entanto, em resposta, é questionável se essa espécie de aniquilacionismo imediato e realmente ser chamado punição, desde que não haveria qualquer consciência de dor. De fato, a garantia de haver a cessação de existência poderia apresentar-se a muitos, especialmente que estão sofrendo e em dificuldade nesta vida, como alternativa de alguma forma desejável.
E, se não há punição de descrentes de espécie alguma, mesmo pessoas como Hitler e Stalin não receberiam castigo algum, e não haveria qualquer justiça final no universo. Assim, as pessoas seriam incentivadas a permanecer tão ímpias quanto fosse possível nesta vida.
3) O argumento de que a punição eterna é injusta (porque há uma desproporção entre o pecado temporário e a punição eterna) presume erroneamente que nós conhecemos o grau do mal cometido quando os pecadores se rebelam contra Deus. David Kingdon observa: “... pecado contra o Criador é nefando até ao ponto de estar totalmente além nossa imaginação [capacidade] pervertida pelo pecado poder conceber [...] Quem poderia temerariamente sugerir a Deus como a punição [...] deveria ser?”. Ele também responde a essa indagação propondo que os descrentes no inferno podem continuar a pecar e receber punição por seus pecados, mas nunca se arrependerão, e observa que Apocalipse 22.11 aponta nessa direção: “Continue o injusto a praticar injustiça; continue o imundo na imundícia”.
4. Considerando o quarto argumento, embora o mal que permanece sem punição prejudique a glória de Deus no universo, também devemos perceber que, quando Deus pune o mal e triunfa sobre ele, a glória da sua justiça, retidão e poder de triunfar sobre toda a oposição será vista (v. Rm 9.17,22-24).A profundidade das riquezas da misericórdia de Deus será então revelada, pois todos os pecadores redimidos reconhecerão que eles também merecem tal punição de Deus e a evitaram somente por causa da graça de Deus por meio de Jesus Cristo (cf. Rm 9.23,24).
Todavia, após tudo isso ter sido dito, devemos admitir que a resolução final das profundezas dessa questão repousa muito além de nossa capacidade de entender e permanece escondida nos conselhos de Deus. Se não fosse pelas passagens da Escritura citadas antes que afirmam tão claramente a punição consciente e eterna, o aniquilacionismo poderia parecer a opção bem mais atraente. Embora o aniquilacionismo possa ser contrariado por argumentos teológicos, a clareza e o vigor das passagens em si mesmas é que nos convencem de que o aniquilacionismo é incorreto e que a Escritura de fato ensina sobre a punição eterna que o ímpio sofre conscientemente.
O que devemos pensar a respeito dessa doutrina? É difícil — e deve ser difícil — pensarmos a respeito dessa doutrina hoje. Se nosso coração nunca é tocado com tristeza profunda quando contemplamos essa doutrina, é porque há uma deficiência séria em nossa sensibilidade espiritual e emocional. Quando Paulo pensa a respeito da perdição de seus concidadãos, os judeus, ele diz: “tenho grande tristeza e constante angustia em meu coração” (Rm 9.2). Isso esta de acordo com o que Deus nos diz de sua tristeza com respeito à morte do ímpio: “Juro pela minha vida, palavra do Soberano, o SENHOR, que não tenho prazer na morte dos ímpios, antes tenho prazer em que eles se desviem dos seus caminhos e vivam. Voltem! Voltem dos seus maus caminhos! Por que o seu povo haveria de morrer, ó nação de Israel?” (Ez 33.11). A agonia de Jesus fica evidente quando ele chora: “Jerusalém, Jerusalém, você, que mata os profetas e apedreja os que lhe são enviados! Quantas vezes eu quis reunir os seus filhos, como a galinha reúne os seus pintinhos debaixo das suas asas, mas vocês não quiseram. Eis que a casa de vocês ficará deserta’ (Mt 23.37,38; cf. Lc 19.41,42).
A razão de ser difícil pensarmos sobre essa doutrina é porque Deus colocou em nosso coração uma porção do próprio amor pelas pessoas criadas à sua imagem, até mesmo o seu amor por pecadores que se rebelam contra ele. Enquanto estivermos nesta vida, quando pensarmos em pessoas que precisam ouvir do evangelho e confiar em Cristo para serem salvas, é natural que cause em nós grande angústia e agonia de espírito só pensarmos a respeito da punição eterna. Todavia, devemos também compreender que qualquer coisa que Deus em sua sabedoria tenha ordenado e ensinado na Escritura está correto. Portanto, devemos ter cuidado para não odiar sua doutrina ou nos rebelarmos contra ela, mas antes procurarmos, tanto quanto formos capazes, chegar ao ponto em que venhamos a reconhecer que a punição eterna é boa e certa, porque em Deus não há injustiça alguma.
Pode ser de ajuda percebermos que, se Deus não exercesse a punição eterna, então certamente sua justiça não seria satisfeita e sua glória não seria promovida da forma que ele julga ser sábio. E talvez seja de maior ajuda ainda percebermos que, da perspectiva do mundo vindouro, há um reconhecimento muito maior da necessidade e do caráter justo da punição eterna. Os crentes martirizados no céu clamam e João registra: “Até quando, ó Soberano, santo e verdadeiro, esperarás para julgar os habitantes da terra e vingar o nosso sangue?” (Ap 6.10). Além disso, na destruição final da Babilônia, a voz audível da grande multidão no céu clama com louvor a Deus pela retidão de seus juízos quando a multidão percebe finalmente a natureza hedionda do mal como ele realmente é:
“Aleluia! A salvação, a glória e o poder pertencem ao nosso Deus, pois verdadeiros e justos são os seus juízos. Ele condenou a grande prostituta que corrompia a terra com a sua prostituição. Ele cobrou dela o sangue dos seus servos’. [...] Aleluia! A fumaça que dela vem, sobe para todo o sempre” (Ap 19.1-3). Tão logo isso aconteceu, os “vinte e quatro anciãos e os quatro seres viventes prostraram-se e adoraram a Deus, que estava assentado no trono, e exclamaram: ‘Amém, Aleluia!’’ (Ap 19.4). Não podemos dizer que essa grande multidão de redimidos e de criaturas viventes no céu fazem um julgamento moral errado quando louvam a Deus por exercer a sua justiça sobre o mal, porque eles estão livres de qualquer pecado e os seus juízos morais são agradáveis a Deus. Eles sem dúvida vêem muito mais claramente que nós quão terrível o pecado realmente é.
Nesta presente era, contudo, somente devemos abordar tal celebração da punição do mal quando meditamos na punição eterna dada a Satanás e seus demônios. Quando pensamos neles, instintivamente não os amamos, embora eles também tenham sido criados por Deus. Mas agora eles são plenamente dedicados ao mal e estão além da possibilidade de redenção. Assim, não podemos ansiar pela salvação deles como ansiamos pela redenção da humanidade. Devemos crer que a punição eterna é verdadeira e justa, todavia devemos também desejar que mesmo os que perseguem a igreja mais severamente se cheguem com fé a Cristo e, dessa forma, escapem da condenação eterna.

Autor: Wayne Grudem
Fonte: Teologia Sistemática do autor, Ed. Vida Nova
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sábado, 27 de novembro de 2010

Justificação – Estudo intensivo


(estudo completo de Louis Berkhof )
A. Termos Bíblicos Para Justificação e Seus Significados.
1. O TERMO DO VELHO TESTAMENTO. O termo hebraico para “justificar” é hitsdik, que, na grande maioria dos casos, significa “declarar judicialmente que o estado de uma pessoa está na harmonia com as exigências da lei”, Êx 23.7; Dt 25.1; Pv 17.5; Is 5.23. O piel tsiddek ocasionalmente tem o mesmo significado, Jr 3.11; Ez 16.50, 51. O sentido destas palavras é, pois, estritamente forense ou legal. Desde que os católicos romanos, certos representantes da teoria da influência moral da expiação, como John Young, de Edimburgo, e Horace Buschnell, e também os unitários e os teólogos “liberais” modernos negam o significado legal do termo “justificar” e lhe atribuem o sentido moral de “tornar justo ou reto”, é importante observar cuidadosamente as considerações que podem ser induzidas a favor do significado legal. Que esta é a denotação certa vê (a) pelos termos postos em contraste com ele, como, por exemplo, “condenação”, Dt 25.1; Pv 17.15; Is 5.23; (b) pelos termos correlatos colocados em justaposição com ele e que muitas vezes implicam um processo de julgamento, Gn 18.25; Sl 143.2; (c) pelas expressões equivalentes às vezes empregadas, Gn 15.6; Sl 32.1, 2; e (d) pelo fato de que passagens como a de Pv 17.15 redundariam num sentido impossível, se a palavra significasse “tornar justo”. Sim, pois, nesta passagem, o sentido seria então: Aquele que melhora moralmente a vida dos ímpios é abominação para o Senhor. Há porém, um par de passagens em qua palavra significa mais que simplesmente “declarar justo”, quais sejam, Is 53.11 e Dn 12.3. Mas mesmo nestes casos, o sentido não é “tornar bom ou santo”, mas sim, “alterar a condição de modo que o homem possa ser considerado justo”.
2. OS TERMOS DO NOVO TESTAMENTO E O SEU EMPREGO. Temos aqui:
a. O verbo diakaioo. Este verbo significa, em geral, “declarar que uma pessoa é justa”. Ocasionalmente se refere a uma declaração pessoal de que o caráter moral da pessoa está em conformidade com a lei, Mt 12.37; Lc 7.29; Rm 3.4. Nas epístolas de Paulo, é evidente que o significado soteriológico do termo ocupa o primeiro plano. É, “declarar em termos forenses que as exigências da lei, como condição de vida, estão plenamente satisfeitas com relação a uma pessoa”, At 13.39; Rm 5.1, 9; 8.30-33; 1 Co 6.11; Gl 2.16; 3.11. No caso desta palavra, exatamente como no hitsdik, o sentido forense do termo é comprovado pelos seguintes fatos: (a) em muitos casos ela não se presta para outro sentido, Rm 3.20-28; 4.5-7; 5.1; Gl 2.16; 3.11; 5.4; (b) é posta em relação antiética com o termo “condenação” em Rm 8.33, 34; (c) expressões equivalentes e intercambiáveis veiculam uma idéia judicial ou legal, Jo 3.18; 5.24; Rm 4.6,7; 2 Co 5.19; e (d) se não tivesse este sentido, não haveria distinção entre justificação e santificação.
b. A palavra dikaios. Esta palavra, ligada ao verbo que acabamos de comentar, é peculiar em que nunca expressa o que uma coisa é em si mesma, mas sempre o que é em relação a alguma outra coisa, a algum padrão que está fora dela, ao qual ela deveria corresponder. Nesse aspecto, difere de agathos. No grego clássico, por exemplo, o termo dikaios é aplicado a um carro, a um cavalo ou a qualquer outra coisa, com o fim de indicar que a coisa referida é própria para o uso pretendido. Agathos expressa a idéia de que uma coisa corresponde em si mesma ao ideal. Na Escritura, um homem pode ser chamado dikaios quando, no juízo de Deus, a sua relação com a lei é o que deve ser, ou quando a sua vida é tal como se requer que sejam por sua relação judicial com Deus. Isto pode incluir a idéia de que ele é bom, mas somente de um certo ponto de vista, a saber, o da sua relação judicial com Deus.*
c. O substantivo dikaios, justificação. Vê-se apenas em dois lugares do Novo Testamento, a saber, Rm 4.25 e 5.18. Denota o ato de Deus pelo qual Ele declara os homens livres da culpa e aceitáveis a Ele. O estado resultante é indicado pela palavra dikaiosyne.
3. A IDÉIA DE JUSTIFICAÇÃO RESULTANTE. Nossa palavra justificação (do latim justificare, composta de justus efacere, e, portanto, significando “tornar justo”), precisamente como no termo holandês rechtvaardigmaking, está sujeita a dar a impressão de que a justificação denota uma mudança produzida no homem, o que não é o caso. No uso da palavra inglesa (justification), o perigo não é tão grande, porque o povo em geral não entende a sua derivação,** e no idioma holandês pode-se impedir o risco empregando as palavras correlatas rechtvaardigen e rechtvaardiging. “Justificar”, no sentido escriturístico da palavra, é efetuar uma relação objetiva, o estado da justiça, por uma sentença judicial. Isto pode ser feito de duas maneiras: (a) levando em conta a condição subjetiva real de uma pessoa (justificar o justo, o reto), Tg 2.21; ou (b) imputando a uma pessoa a justiça ou retidão de outra, isto é, considerando-a justa, apesar de ser interiormente injusta. Este último é o sentido usual da justificação no Novo Testamento.
B. A Doutrina da Justificação na História.
A doutrina da justificação pela fé nem sempre foi claramente compreendida. De fato, até à época da Reforma, ela não encontrou sua expressão clássica. Consideremos resumidamente:
1. A DOUTRINA ANTES DA REFORMA. Alguns dos mais antigos pais da igreja, assim chamados, já falavam da justificação pela fé, mas é mais que evidente que não tinham um claro entendimento da justificação e da sua relação com a fé. Além disso, não distinguiam agudamente entre a regeneração e a justificação. Uma apresentação muito comum era que a regeneração tem lugar no batismo e inclui perdão dos pecados. Mesmo Agostinho não parece ter tido uma correta compreensão da justificação como ato legal, distinto do processo moral de santificação, embora seja evidente, pelo teor dos seus ensinos e também por declarações isoladas, que ele considerava a graça de Deus na redenção dos pecadores como livre (gratuita), soberana e eficaz, e de modo nenhum dependente de quaisquer méritos dos homens. Continuou-se a confundir a justificação com a santificação na Idade Média e aos poucos ela foi adquirindo um aspecto mais positivo e doutrinário. De acordo com os ensinos predominantes dos escolásticos, a justificação inclui dois elementos: os pecados do homem são perdoados, e ele é transformado em justo ou reto. Havia diferenças de opinião quanto à ordem lógica destes dois elementos, alguns invertendo a ordem recém-indicada. Isso também foi feito por Tomaz de Aquino, e o seu conceito prevaleceu na Igreja Católica Romana. A graça é infundida no homem, e, por esta graça infusa ele é tornado justo e, em parte com base nela, os seus pecados são perdoados. Isto já foi uma aproximação à daninha doutrina dos méritos humanos, que se desenvolveu gradativamente na Idade Média, em conexão com a doutrina da justificação. Recebeu crescente apoio a doutrina de que, em parte, o homem é justificado com base nas suas boas obras. A confusão da justificação com a santificação levou também a opiniões divergentes sobre outro ponto. Alguns escolásticos falavam da justificação como um ato instantâneo de Deus, enquanto outros a descreviam como um processo. Nos Cânones e Decretos do Concílio de Trento vemos o seguinte, no Capítulo XVI, Cânone IX: “Se alguém disser que somente pela fé o ímpio é justificado em termos tais que signifique que nada mais se requer para cooperar para a obtenção da graça da justificação, e que de modo nenhum é necessário que ele seja preparado e ajustado pelos impulsos da sua própria vontade: seja anátema”. E o Cânone XXIV fala de um aumento da justificação e, portanto, a concebe como um processo: “Se alguém disser que a justiça recebida não é preservada e que também não é aumentada diante de Deus por meio das boas obras, mas que ditas obras são simplesmente frutos e sinais da justificação obtida, e não uma causa do seu aumento: seja anátema”.
2. A DOUTRINA DEPOIS DA REFORMA. A doutrina da justificação foi o grande princípio material da Reforma. Com respeito à natureza da justificação, os Reformadores corrigiram o erro de confundir a justificação com a santificação, salientando o seu caráter legal e descrevendo-a como um ato da livre graça de Deus pelo qual Ele perdoa os nossos pecados e nos aceita como justos aos Seus olhos, mas não nos muda interiormente. No que interessa à base da justificação, eles rejeitaram a idéia de Roma de que ela está, ao menos em parte, na justiça inerente dos regenerados e nas obras, e a substituíram pela doutrina de que o seu fundamento se acha unicamente na justiça do Redentor a nós imputada. E com relação ao meio da justificação, eles davam ênfase ao fato de que o homem é justificado gratuitamente pela fé que recebe a Cristo e nele descansa unicamente para a salvação. Além disso, eles rejeitaram a doutrina de uma justificação progressiva, e afirmavam que ela é instantânea e completa, e não depende para a sua consumação de mais nenhuma satisfação pelo pecado. Eles se opuseram aos socinianos, que sustentavam que os pecadores obtêm perdão e aceitação da parte de Deus, por Sua misericórdia, com base em seu arrependimento e em sua reforma pessoal. Os arminianos não estão todos de acordo sobre o assunto, mas em geral se pode dizer que eles limitam o escopo da justificação de molde a incluir somente o perdão dos pecados, com base da justiça de Cristo imputada ao pecador. Este só é considerado justo com base em sua fé ou em sua vida de obediência. Os neonômios da Inglaterra concordavam em geral com eles sobre este ponto. Para Schleiermacher e Ritschl a justificação significava pouco mais que o fato de tornar-se o pecador cônscio do seu erro em pensar que Deus estava zangado com ele. E na teologia “liberal” moderna, de novo encontramos a idéia de que Deus justifica o pecador mediante o melhoramento moral da sua vida. Este conceito de justificação acha-se por exemplo, na obra de Bushnell, Vicarous Sacrifice (Sacrifício Vicário), e na de Macintosh, Theology as an Empirical Science (Teologia como uma Ciência Empírica).
C. Natureza e Características da Justificação.
A justificação é um ato judicial de Deus, no qual Ele declara, com base na justiça de Jesus Cristo, que todas as reivindicações da lei são satisfeitas com vistas ao pecador. Ela é singular, na obra da redenção, em que é um ato judicial de Deus, e não um ato ou processo de renovação, como é o caso da regeneração, da conversão e da santificação. Conquanto diga respeito ao pecador, não muda a sua vida interior. Não afeta a sua condição, mas, sim, o seu estado ou posição, e nesse aspecto difere de todas as outras principais partes da ordem da salvação. Ela envolve o perdão dos pecados e a restauração do pecador ao favor divino. O arminiano sustenta que ela inclui somente aquele, e não esta; mas a Bíblia ensina claramente que o fruto da justificação é muito mais que o perdão. Os que são justificados têm “paz com Deus”, segurança da salvação, Rm 5.1-10, e uma “herança entre os que são santificados”, At 26.18. Devemos observar os seguintes pontos de diferença entre a justificação e a santificação.
1. A justificação remove a culpa do pecado e restaura o pecador a todos os direitos filiais envolvidos em seu estado de filho de Deus, incluindo uma herança eterna. A santificação remove a corrupção do pecado e renova o pecador constante e crescentemente, em conformidade com a imagem de Deus.
2. A justificação dá-se fora do pecador, no tribunal de Deus, e não muda a sua vida interior, embora a sentença lhe seja dada a conhecer na vida interna do homem e gradativamente afete todo o seu ser.
3. A justificação acontece uma vez por todas. Não se repete, e não é um processo; é imediatamente completa e para sempre. Não existe isso, de mais ou menos justificação; ou o homem é plenamente justificado, ou absolutamente não é justificado. Em distinção disto, a santificação é um processo contínuo, que jamais se completa nesta existência.
4. Enquanto que a causa meritória de ambas está nos méritos de Cristo, há uma diferença na causa eficiente. Falando em termos de economia, Deus o Pai declara justo o pecador, e Deus o Espírito o santifica.
D. Elementos da Justificação.
Distinguimos dois elementos na justificação, um negativo e o outro positivo.
1. O ELEMENTO NEGATIVO. Há primeiramente um elemento negativo na justificação, qual seja, a remissão dos pecados com base na obra expiatória de Jesus Cristo. Este elemento se baseia mais particularmente, embora não exclusivamente, na obediência passiva do Salvador. Calvino e alguns dos teólogos reformados mais antigos falam ocasionalmente como se este elemento constituísse a justificação completa. Isto se deve, em parte, à descrição veterotestamentária, na qual este lado da justificação está decisivamente no primeiro plano, Sl 32.1; Is 43.25; 44.22; Jr 31.34, e em parte à sua reação contra Roma que não faz justiça ao elemento da graça e do perdão gratuito. Contudo, em reação ao arminianismo, a teologia reformada sempre sustentou que a justificação é mais que perdão. Tanto o Velho Testamento como o Novo dão prova de que o perdão dos pecados é um elemento importante da justificação, como se vê em passagens como Rm 4.5-8; 5.18, 19; Gl 2.17.
O perdão concedido na justificação aplica-se a todos os pecados, passados, presentes e futuros, e, desse modo, envolve a remoção de toda culpa e de toda penalidade. Isto decorre do fato de que a justificação não admite repetição, e de passagens como Rm 5.21; 8.1, 32-34; Hb 10.14; Sl 103.12; Is 44.22, que nos asseguram que ninguém pode lançar nada na conta do homem justificado, que isento da condenação, e que é constituído da vida eterna. Também está implícito na resposta à pergunta n.º 60 do Catecismo de Heidelberg. Esta concepção de justificação, embora eminentemente escriturística, não está livre de dificuldade. Os crentes continuam a pecar depois de justificados, Tg 3.2; 1 Jo 1.8, e, como os exemplos bíblicos mostram claramente, muitas vezes caem em pecados graves. Daí, não admira que Barth goste de acentuar o fato de que o homem justificado continua sendo um pecador, se bem que um pecador justificado. Cristo ensinou os Seus discípulos a orar diariamente pelo perdão dos pecados, Mt 6.12, e os santos da Bíblia estão freqüentemente suplicando e obtendo perdão, Sl 32.5; 51.1-4; 130.3, 4. Conseqüentemente, não é surpreendente que alguns se sintam constrangidos a falar de uma justificação repetida. Dos dados para os quais chamamos a atenção, a igreja de Roma infere que os crentes precisam, de algum modo, expiar os pecados cometidos depois do batismo, e, daí, crê também numa justificação crescente. Por outro lado, os antinomianos, desejando honrar a ilimitada graça perdoadora de Deus, afirmam que os pecados dos crentes não são atribuídos como tais ao novo homem, mas unicamente ao velho homem, e que lhes é completamente desnecessário orar pelo perdão dos pecados. Por temor desta posição, até alguns teólogos reformados sentiam escrúpulos quanto a ensinar que os futuros pecados dos crentes também são perdoados na justificação, e falavam de uma justificação repetida, e mesmo de uma justificação diária.[1] Contudo, a posição usual da teologia reformada (calvinista) é que, na justificação, Deus deveras remove a culpa, mas não a culpabilidade do pecado, isto é, Ele remove a justa sujeição do pecador à punição, mas não a culpabilidade inerente de quaisquer pecados que ele continue praticando. Esta permanece e, portanto, produz sempre nos crentes um sentimento de culpa, de separação de Deus, de tristeza, de arrependimento, e assim por diante. Daí, eles sentem a necessidade de confessar os seus pecados, mesmo os pecados da sua mocidade, Sl 25.7; 51.5-9. O crente que está realmente cônscio do seu pecado, sente no íntimo uma compulsão que o impele a confessa-lo e a buscar a consoladora segurança do perdão. Alem disso, tal confissão e oração não é apenas uma necessidade sentida subjetivamente, mas também uma necessidade objetiva. A justificação e, essencialmente, uma declaração acerca do pecador no tribunal de Deus, mas não é meramente isso; é também um actus transiens (ato em transição) que penetra a consciência do crente. A sentença divina de absolvição é dada a conhecer ao pecador e desperta a jubilosa consciência do crente. A sentença divina de absolvição é dada a conhecer ao pecador e desperta a jubilosa consciência do perdão dos pecados e do favor de Deus. Ora, esta consciência do perdão e de um renovado relacionamento filial muitas vezes é perturbada e obscurecida pelo pecado, e de novo é despertada e fortalecida pela confissão e oração, e por um renovado exercício da fé.
2. O ELEMENTO POSITIVO. Há também um elemento positivo na justificação, o qual se baseia mais particularmente na obediência ativa de Cristo. Naturalmente, aqueles que, como Piscator e os arminianos, negam a imputação da obediência ativa de Cristo ao pecador, com isso negam também o elemento positivo da justificação. De acordo com eles, a justificação deixa o homem sem nenhum direito à vida eterna, coloca-o simplesmente na situação de Adão antes da Queda, embora, segundo os arminianos, debaixo de uma lei diferente, a lei da obediência evangélica, e deixa a cargo do homem fazer por merecer a aceitação da parte de Deus e a vida eterna, pela fé e obediência. Mas é evidente, na Escritura, que a justificação é mais que o perdão puro e simples. A Josué, o sumo sacerdote, que, como representante de Israel, estava perante o Senhor usando vestes sujas, disse Jeová: “Eis que tenho feito que passe de ti a tua iniqüidade (elemento negativo), e te vestirei de finos trajes” (elemento positivo), Zc 3.4. Segundo At 26.18, obtemos pela fé “remissão de pecados e herança entre os que são santificados”. Romanos 5.1, 2 nos ensina que a fé nos traz não somente paz com Deus, mas também acesso a Deus e alegria na esperança da glória. E segundo Gl 4.5, Cristo nasceu sob a lei também “a fim de que recebêssemos a adoção de filhos”. Neste elemento positivo podemos distinguir duas partes:
a. A adoção de filhos. Os crentes são, antes de tudo, filhos de Deus por adoção. Isto implica, naturalmente, que eles não são filhos de Deus por natureza, como os “liberais” modernos gostariam de fazer-nos acreditar, pois ninguém iria adotar os seus próprios filhos. Esta adoção é um ato legal, pelo qual Deus coloca o pecador no estado de filho, mas não o transforma interiormente, como tampouco os pais mudam, pelo mero ato de adoção, a vida interior de um filho adotado. A mudança efetuada tem que ver com a relação em que o homem se acha com Deus. Em virtude da sua adoção, os crentes são, por assim dizer, iniciados na própria família de Deus, ficam sob a lei da obediência filial e, ao mesmo tempo, passam a ter direito a todos os privilégios da filiação. Devemos distinguir cuidadosamente a doação da filiação moral dos crentes, filiação resultante da regeneração e da santificação. Eles não são somente adotados por Deus para serem Seus filhos, mas também são nascidos de Deus. Naturalmente, as duas coisas não podem separar-se. São mencionadas juntas em Jo 1.12; Rm 8.15, 16; Gl 3.26, 27; 4.5, 6. Em Rm 8.15 é empregado o termo hyothesia (de hyios e tithenai), que significa “colocar ou posicionar como filho”, e no grego clássico é sempre empregado para denotar uma colocação objetiva na posição de filho. O versículo subseqüente contém a palavra tekna (de tikto, “gerar”), que qualifica os crentes como gerados por Deus. Em Jo1.12 a idéia de adoção é expressa pelas palavras: “Mas, a todos quantos o receberam, deu-lhes o poder (exousian edoken) de serem feitos filhos de Deus”. A expressão aí empregada significa “dar direito legal”. Imediatamente após, no versículo 13, o escritor fala da filiação ética, devida à regeneração. A conexão entre ambas é exposta claramente em Gl 4.5, 6...”a fim de que recebêssemos a adoção de filhos. E, porque vós sois filhos (por adoção), enviou Deus aos nossos corações o Espírito de seu Filho, que clama: Aba, Pai”. O Espírito de Cristo nos regenera e nos santifica e nos move a dirigir-nos a Deus cheios de confiança, vendo-o como o Pai que é.
b. O direito à vida eterna. Este elemento está virtualmente incluído no anterior. Quando os pecadores são adotados para serem filhos de Deus, são revestidos de todos os direitos filiais legais e se tornam herdeiros de Deus e co-herdeiros com Cristo, Rm 8.17. Isto significa, antes de tudo, que eles se tornam herdeiros de todas as bênçãos da salvação na presente vida, sendo que a mais fundamental delas é descrita com as palavras, “o Espírito prometido”, isto é, a bênção é oferecida na forma do Espírito, Gl 3.14; e, numa frase um pouco diferente, “o Espírito de seu Filho”, Gl 4.6. E no Espírito e com Ele, recebem todos os dons de Cristo. Mas isto não é tudo; sua herança inclui também as bênçãos eternas da vida futura. A glória de que Paulo fala em Rm 8.17 vem em seguida aos sofrimentos do tempo presente. De acordo com Rm 8.23, a redenção do corpo, que ali é chamada “adoção”, também pertence à herança futura. E na ordo salutis de Rm 8.29, 30, aglorificação está ligada imediatamente à justificação. Sendo justificados pela fé, os crentes são herdeiros da vida eterna.
E. Esfera em Que Ocorre a Justificação.
A questão quanto à esfera em que ocorre em que ocorre a justificação deve ser respondida com discriminação. É costume distinguir entre uma justificação ativa e uma passiva, também denominadas objetiva e subjetiva, cada qual com a sua própria esfera.
1. JUSTIFICAÇÃO ATIVA OU OBJETIVA. Esta é a justificação no sentido mais fundamental da palavra. É básica em relação ao que se chama justificação subjetiva, e consiste numa declaração que Deus faz a respeito do pecador, declaração feita no tribunal de Deus. Não se trata de uma declaração de que Deus simplesmente absolve o pecador, sem levar em conta as reivindicações da justiça, mas, sim, de uma declaração divina de que, no caso do pecador em foco, as exigências da lei são satisfeitas. O pecador é declarado justo em vista do fato de que a justiça de Cristo lhe é imputada. Nesta transação Deus comparece, não como um Soberano absoluto que simplesmente põe de lado a lei, mas como um Juiz justo, que reconhece os méritos infinitos de Cristo como uma base suficiente para a justificação, e como um Pai misericordioso, que perdoa e aceita graciosamente o pecador. Esta justificação ativa antecede logicamente à fé e a justificação passiva.Cremos no perdão dos pecados.
2. JUSTIFICAÇÃO PASSIVA OU SUBJETIVA. A justificação passiva ou subjetiva tem lugar no coração ou na consciência do pecador. Uma justificação puramente objetiva, que não fosse dada a conhecer ao pecador, não corresponderia ao propósito colimado. A concessão de perdão a um prisioneiro não significaria nada, se as alegres novas não lhe fossem comunicadas e as portas da prisão não fossem abertas. Ale´m disso, é exatamente neste ponto, melhor do que noutro qualquer, que o pecador aprende a entender que a salvação é inteiramente de graça. Quando a Bíblia fala de justificação, normalmente se refere àquilo que é conhecido como justificação passiva. Deve-se ter em mente, porem, que as duas são inseparáveis. Uma se baseia na outra. Faz-se a distinção simplesmente para facilitar a correta compreensão do ato de justificação. Logicamente, a justificação passiva vem em seguida à fé; somos justificados pela fé.
F. Ocasião em que se da a Justificação.
Alguns teólogos separam cronologicamente a justificação ativa e passiva. Neste caso, dizem que a justificação ativa deu-se na eternidade, ou quando da ressurreição de Cristo, ao passo que a justificação passiva realiza-se pela fé, e, portanto, assim se diz, segue-se à outra, no sentido cronológico. Consideremos sucessivamente a justificação desde a eternidade, a justificação na ressurreição de Cristo e a justificação pela fé.
1. JUSTIFICAÇÃO DESDE A ETERNIDADE. Os antinomianos afirmavam que a justificação do pecador aconteceu na eternidade ou na ressurreição de Cristo. Eles a confundiam, quer com o decreto eterno de eleição, quer com a justificação objetiva de Cristo., quando Ele ressurgiu dos mortos. Eles não distinguiam acertadamente entre o propósito divino na eternidade e sua execução no tempo, nem entre a obra de Cristo, em que Ele obteve as bênçãos da redenção, e a do Espírito Santo, na aplicação delas. Segundo esta posição, somos justificados antes de crermos, embora inconscientes disto, e a fé apenas nos transmite a declaração deste fato. Além disso, o fato de que os nossos pecados foram imputados a Cristo faz dele pessoalmente um pecador, e a imputação da Sua justiça a nós faz-nos pessoalmente justos, de modo que Deus não pode ver absolutamente nenhum pecado nos crentes. Alguns teólogos reformados também falam de uma justificação desde a eternidade, mas, ao mesmo tempo, recusam-se a subscrever a elaboração antinomiana desta doutrina. As bases sobre as quais eles acreditam numa justificação desde a eternidade merecem breve consideração.
a. Bases da doutrina da justificação desde a eternidade.
(1) A Escritura fala de uma graça ou misericórdia de Deus que é desde a eternidade, Sl 25:6; 103.17. Ora, toda graça ou misericórdia que seja desde a eternidade tem que ter como sua base judicial uma justificação que seja também desde a eternidade. Mas, em resposta a isto, pode-se dizer que existem misericórdias e bondades eterna de Deus que não são baseadas em nenhuma justificação do pecador, como, por exemplo, o Seu plano de redenção, a dádiva de Seu Filho e a voluntária função de penhor exercida por Cristo no pactum salutis.
(2) No pactum salutis a culpa dos pecados dos eleitos foi transferida para Cristo, e a justiça de Cristo lhes foi imputada. Quer dizer que o fardo do pecado foi retirado dos ombros deles e que eles foram justificados. Pois bem, não há dúvida de que houve certa imputação da justiça de Cristo ao pecador no conselho de redenção, mas nem toda imputação pode ser chamada justificação, no sentido escriturístico do termo. Devemos distinguir entre o que teve apenas um caráter ideal no conselho de Deus e aquilo que se concretiza no transcurso da historia.
(3) O pecador recebe a graça inicial da regeneração sobre a base da justiça de Cristo a ele imputada. Conseqüentemente, os méritos de Cristo têm que lhe ser imputados antes da sua regeneração. Mas apesar desta consideração levar à conclusão de que a justificação precede logicamente à regeneração, isto não prova a prioridade cronológica da justificação. O pecador não pode receber a graça da regeneração com base numa justificação existente idealmente no conselho de Deus e que conta com a certeza de que se concretizará na vida do pecador.
(4) As crianças também precisam da justificação, para serem salvos, e, todavia, é-lhes totalmente impossível experimentar a justificação pela fé. Mas, embora seja mais que certo que as crianças que ainda não atingiram a maturidade não podem ter experiência da justificação passiva, podem ser justificados ativamente no tribunal de Deus e, assim, podem ter posse daquilo que é absolutamente essencial.
(5) A justificação é um ato imanente de Deus e, como tal, só pode ser oriundo da eternidade. Não é bem correto, porém, falar da justificação como um actus immanens (ato imanente) em Deus; é, antes, um actus transiens (ato transitivo), exatamente como a criação a encarnação e outros mais. Os defensores da justificação desde a eternidade vêem o peso desta consideração e, daí, apressam-se a garantir-nos que eles não pretendem ensinar que os eleitos são justificados desde a eternidade actualiter (em termos de ação concretizada), mas unicamente na intenção de Deus, no decreto divino. Isto nos leva de volta à distinção usual entre o conselho de Deus e sua e sua execução. Se esta justificação presente na intenção de Deus nos permite falar de uma justificação desde a eternidade, então não há absolutamente nenhum motivo pelo qual não devamos falar também de uma criação desde a eternidade.
b. Objeções à doutrina da justificação desde a eternidade.
(1) A Bíblia ensina uniformemente que a justificação se dá pela fé ou é provinda da fé. Naturalmente, isto se aplica à justificação passiva ou subjetiva, que, entretanto, não pode separar-se cronologicamente da justificação ativa ou objetiva, exceto no caso das crianças. Mas, se a justificação se realiza pela fé, certamente não precede à fé, no sentido cronológico. Ora, é certo que os defensores da justificação desde a eternidade também falam da justificação pela fé. Mas, na sua descrição da matéria, isto só pode significar que, pela fé, o homem ganha consciência daquilo que Deus fez na eternidade.
(2) Em Rm 8.29, 30, onde vemos alguns dos degraus (scalae) da ordo salutis (ordem da salvação), a justificação está entre dois atos de Deus realizados no tempo, quais sejam, a vocação e a glorificação, sendo que esta começa no tempo e se completa na eternidade futura. E estes três , juntos, resultam de outros dois que são explicitamente indicados como eternos. O dr. Kuyper não tem base para dizer que Rom 8.30 se refere àquilo que aconteceu com os regenerados antes de nascerem, como até o dr. De Moor, que também acredita numa justificação desde a eternidade, mostra-se disposto a admitir.[2]
(3) Ao ensinar-se a justificação desde a eternidade, o decreto de Deus a respeito da justificação do pecador, que é umactus immanens, é identificado com a própria justificação, que é um actus transiens. Isto só leva a confusão. O que teve lugar no pactum salutis (aliança da salvação) não pode ser identificado com o que disso resulta. Toda imputação ainda não é justificação. A justificação é um dos frutos da obra redentora de Cristo aplicada aos crentes pelo Espírito Santo. Mas o Espírito não aplicou, nem poderia aplicar, este ou qualquer outro fruto da obra de Cristo desde a eternidade.
2. JUSTIFICAÇÃO NA RESSURREIÇÃO DE CRISTO. A idéia de que, nalgum sentido da expressão, os pecadores são justificados na ressurreição de Cristo, foi apregoada por alguns arminianos, é ensinada por aqueles teólogos reformados (calvinistas) que acreditam numa justificação desde a eternidade, e também é definida por alguns outros eruditos reformados. Este conceito se funda nas seguintes base:
a. Com Sua obra expiatória, Cristo satisfez todas as exigências da lei pelo Seu povo. Na ressurreição de Cristo dentre os mortos, o Pai declarou publicamente que todas as condições da lei foram preenchidas para todos os eleitos e, com isso, eles foram justificados. Mas aqui também se requer uma distinção muito cuidadosa. Mesmo que seja verdade que houve uma justificação objetiva de Cristo e de todo o corpo de Cristo em Sua ressurreição, não se deve confundir isto com a justificação do pecador a que a Bíblia se refere. Não é verdade que, quando Cristo prestou plena satisfação ao Pai por todos os Seus, a culpa destes acabou naturalmente. O débito penal não é como uma dívida pecuniária, neste sentido. Mesmo depois de pago o resgate, a remoção da culpa pode depender de certas condições, e não ocorre como um resultado liquido e certo. No sentido escriturístico, os eleitos não são justificados enquanto não aceitam a Cristo pela fé, apropriando-se assim dos Seus méritos.
b. Em Rm 4.25 lemos que Cristo “ressuscitou por causa da (dia, causal) nossa justificação”, isto é, para efetuar a nossa justificação. Pois bem, é indubitavelmente certo que dia com o acusativo é causal nesta passagem. Ao mesmo tempo, não é necessariamente retrospectiva, mas também pode ser retrospectiva e, daí, pode significar “com vistas à nossa justificação”, o que equivale dizer: “ a fim de que pudéssemos ser justificados”. A interpretação retrospectiva entraria em conflito com o contexto imediatamente subseqüente, que mostra claramente: (1) que Paulo não está pensando na justificação objetiva de todo o corpo de Cristo, mas na justificação pessoal dos pecadores; e (2) que ele entende que isto se dá por meio da fé.
c. Em 2 Co 5.19 lemos: “Deus estava em Cristo, reconciliando consigo o mundo, não imputando aos homens as suas transgressões”. Desta passagem se deduz a inferência de que a reconciliação do mundo com Cristo envolve a não imputação do pecado ao pecador. Mas esta interpretação não é correta. O que o apostolo que dizer é, evidentemente: Deus estava em Cristo reconciliando Consigo o mundo, como transparece no fato de que Ele não imputa aos homens os seus pecados, e de que Ele confiou aos Seus servos a palavra da reconciliação. Observe-se que me logizomenos (tempo presente) refere-se a algo que está indo avante constantemente. Não se pode conceber que isto faz parte da reconciliação objetiva, pois, neste caso, a clausula seguinte, “e nos confiou a palavra da reconciliação”, também teria que ser interpretada assim, o que é inteiramente impossível.
Com relação a esta matéria, pode-se dizer que podemos falar de uma justificação do corpo global de Cristo em Sua ressurreição, mas esta justificação é puramente objetiva, e não deve ser confundida com a justificação pessoal do pecador.
3. JUSTIFICAÇÃO PELA FÉ.
a. Relação da fé com a justificação. Diz a Escritura que somos justificados dia pisteos, ek pisteos, ou pistei (dativo), Rm 3.25, 28, 30; Gl 2.16; Fp 3.9. A preposição dia salienta o fato de que a fé é o instrumento pelo qual nos apropriamos de Cristo e Sua justiça. A preposição ek indica que a fé precede logicamente à nossa justificação pessoal, de sorte que, por assim dizer, esta tem sua origem na fé. O dativo é empregado no sentido instrumental. A Escritura nunca diz que justificadosdia tem pistin, por causa da fé. Quer dizer que a fé nunca é apresentada como a base da nossa justificação. Se fosse, a fé teria que ser considerada como uma obra meritória do homem. E isto seria a introdução da doutrina da justificação pelas obras, à qual o apostolo coerente e consistentemente se opõe, Rm 3.21, 27, 28; 4.3, 4; Gl 2.16, 21; 3.11. Na verdade se nos diz que a fé que Abraão tinha lhe foi imputada para justiça, Rm 4.3, 9, 22; Gl. 3.6, mas, em vista da argumentação completa, isto certamente não pode significar que, no caso dele, a fé propriamente dita, como obra, tomou o lugar da justiça de Deusem Cristo. O apostolo não deixa lugar a dúvida quanto ao fato de que, estritamente falando, unicamente a justiça de Cristo, a nós imputada, é a base da nossa justificação. Mas a fé é tão absolutamente receptiva, na apropriação dos méritos de Cristo, que pode ser colocada figuradamente no lugar dos méritos de Cristo, que ela recebe. A “fé”, então, fica equivalendo ao conteúdo da fé, sito é, aos méritos da justiça de Cristo.
Muitas vezes se diz, porém que os ensinamentos de Tiago conflitam com os de Paulo sobre este ponto, dando claro apoio à doutrina da justificação pelas obras em Tg 2.14-26. Várias tentativas têm sido feitas para harmonizar os dois. Alguns partem do pressuposto de que tanto Paulo como Tiago falam da justificação do pecador, mas que Tiago acentua o fato de que a fé que não se manifesta em boas obras não é a fé verdadeira, e, portanto, não é a fé que justifica o pecador. Isto, sem dúvida, é certo. A diferença entre as exposições de Paulo e Tiago inquestionavelmente se deve, em parte, à natureza dos adversários que tiveram que defrontar. Paulo teve que combater os legalistas, que procuravam basear a sua justificação, ao menos em parte, nas obras da lei. Tiago, por outro lado, mediu forças com os antinomianos, que alegavam ter fé, mas cuja fé era um simples assentimento intelectual à verdade (2.19), e negavam a necessidade da prática de boas obras. Portanto, ele dá ênfase ao fato de que a fé sem obras é uma fé morta, e, conseqüentemente, não é, de modo algum, a fé que justifica. A fé que justifica é frutífera, produzindo boas obras. Mas, pode ser que se objete que isto não explica a dificuldade da toda, visto que Tiago diz explicitamente no versículo 24 que o homem é justificado pelas obras, e não somente pela fé, e o ilustra com o exemplo de Abraão, que “foi justificado, quando ofereceu sobre o altar o próprio filho Isaque” (versículo 21). “Vês”, diz Tiago no vers. 22, “como a fé opera juntamente com as suas obras; com efeito, foi pelas obras que a fé se consumou”. Contudo, é mais que evidente que, neste caso, o escritor não está falando da justificação do pecador, pois o pecador Abraão fora justificado muito antes de oferecer Isaque em sacrifício (cf. Gn 15), mas sim, de uma ulterior justificação do crente Abraão. A fé verdadeira se manifestará nas boas obras, e estas darão testemunho diante dos homens da justiça (isto é, da retidão no viver) daquele que possui tal fé. A justificação do justo pelas obras confirma a justificação pela fé. Se Tiago quisesse de fato dizer, neste trecho da carta, que Abraão e Raabe foram justificados com a justificatio peccatoris (justificação do pecador) com base em suas obras, não somente estaria em conflito com Paulo, mas também ele próprio seria contraditório, pois ele afirma explicitamente que Abraão foi justificado pela fé (cf. o versículo 23).
b. Expressões teológicas empregadas para descrever a relação da fé com a justificação. Consideraremos aqui especialmente três expressões.
(1) Causa instrumental. A princípio este nome foi usado de maneira muito generalizada, mas posteriormente encontrou considerável oposição. Foi levantada a questão sobre a fé é instrumento de Deus ou do homem. E se dizia: De Deus não pode ser, desde que a fé referida não é de Deus,; tampouco pode ser do homem, pois a justificação não é um feito do homem, mas de Deus. Todavia, devemos ter em mente, (a) que, de acordo com o claro ensino da Bíblia, somos justificados pela fé, dia pisteos, e que esta preposição (dia) só pode ser entendida no sentido instrumental, Rm 3.28; Gl 3.8; (b) que a Bíblia diz explicitamente que Deus justifica o pecador pela fé, e, portanto, apresenta a fé como instrumento de Deus, Rm 3.30; e (c) que a fé também é apresentada como instrumento do homem, como o meio pelo qual ele recebe a justificação, Gl 2.16. A fé pode ser considerada como instrumento de Deus num sentido duplo. É um dom de Deus, sendo produzida no pecador para a justificação. Além disso, produzindo a fé no pecador, Deus leva a declaração do perdão ao seu coração ou à sua consciência. Mas a fé é também um instrumento do homem, pelo qual ele se apropria de Cristo e de todos os Seus preciosos dons, Rm 4.5; Gl 2.16. Esta é também a descrição da matéria que encontramos na Confissão Belga,[3] e no catecismo de Heidelberg.[4] Pela fé abraçamos a Cristo e ficamos em contato com Ele, que é a nossa justiça. O nome “causa instrumental” é normalmente utilizado nas confissões protestantes.* Todavia, os teólogos reformados (calvinistas) preferem evitá-lo, para proteger-se do risco de darem a impressão de que a justificação depende de algum modo da fé como obra do homem.
(2) Órgão de apropriação. Este nome expressa a idéia de que, pela fé, o pecador se apropria da justiça de Cristo e estabelece uma união consciente entre ele e Cristo. Os méritos de Cristo constituem o dikaioma, a base legal sobre a qual a declaração formal de Deus na justificação repousa. Pela fé o pecador se apropria da justiça do Mediador já imputada idealmente a ele no pactum salutis; e, com base nisto, ele agora é justificado formalmente perante Deus. A fé justificada na medida em que toma posse de Cristo. O nome “órgão de apropriação” inclui a idéia instrumental e, portanto, está em perfeita harmonia com as declarações que se acham em nossos padrões confessionais. Tem uma vantagem sobre o nome mais comum em que exclui a idéia de que a fé é, nalgum sentido, a base da justificação. Pode-se-lhe chamar de órgão de apropriação em dois sentidos: (a) É o órgão pelo qual tomamos os méritos de Cristo, deles nos apropriamos, e os aceitamos como a base meritória da nossa justificação. Como tal, ela precede logicamente à justificação. (b) É também o órgão pelo qual percebemos conscientemente a nossa justificação e passamos a ter posse da justificação subjetiva. De modo geral, este nome merece preferência, embora devamos ter em mente que, estritamente falando, a fé é o órgão pelo qual nos apropriamos da justiça de Cristo como base da nossa justificação, e não o órgão pelo qual nos apropriamos da justificação propriamente dita.
(3) Conditio sine qua non (condição indispensável). Este nome, sugerido por alguns teólogos reformados (calvinistas), não teve muito apoio. Expressa a idéia, que em si mesma é perfeitamente verdadeira, de que o homem não é justificado sem a fé, e de que a fé é uma condição indispensável para a justificação. O nome nada expressa de positivo e, ademais, está sujeito a mal-entendidos.
G. Base da Justificação.
Um dos pontos mais importantes da controvérsia entre a igreja de Roma e os Reformadores, e entre a teologia reformada (calvinista) e os arminianos, tem que ver com a base da justificação. Com respeito a isto, os Reformadores ensinavam:
1. Negativamente, que esta não pode achar-se nalguma virtude do homem, nem em suas boas obras. Deve-se também sustentar esta posição na atualidade contra Roma e contra as tendências pelagianizantes de várias igrejas. Roma ensina que o pecador é justificado com base na justiça inerente que foi infundida em seu coração e que, por sua vez, é fruto da cooperação à chamada primeira justificação; em toda justificação subseqüente, as boas obras do homem entram em consideração como a causa ou base formal da justificação. Contudo, é impossível que a justiça inerente infusa no regenerado e suas obras constituam a base da sua justificação, pois (a) esta justiça é e continua sendo durante a sua vida inteira uma justiça muito imperfeita; (b) ela própria já é fruto da justiça de Cristo e da graça de Deus; e (c) até mesmo as melhores obras praticadas pelos crentes estão contaminadas pelo pecado. Ademais, a Escritura nos ensina com muita clareza que o homem é justificado gratuitamente pela graça de Deus, Rm 3.24, e que não tem nenhuma possibilidade de ser justificado pelas obras da lei, Rm 3.28; Gl 2.16; 3.11.
2. Positivamente, que a base da justificação só se pode achar a justiça perfeita de Jesus Cristo, justiça imputada ao pecador a justificação. Isto é ensinado claramente em diversas passagens da Escritura, tais como Rm 3.24; 5.9, 19; 1 Co 1.30; 6.11; 2 Co 5.21; Fp 3.9. Na obediência passiva de Cristo, que se fez maldição por nós(Gl 3.13), vemos a base para o perdão dos pecados; e em sua obediência ativa, pela qual Ele mereceu todos os dons da graça, incluindo a vida eterna, veremos a base para a adoção de filhos, pela qual os pecadores são constituídos herdeiros da vida eterna. O arminiano vai contra a Escritura quando afirma que somos aceitos pelo favor de Deus somente com base em nossa fé ou em nossa obediência evangélica.
H. Objeções à Doutrina da Justificação.
A teologia “liberal”, com suas tendências racionalizantes, faz várias objeções à doutrina da justificação como tal, as quais merecem breve consideração.
1. Alguns, que ainda crêem na salvação pela graça, opõem-se ostensivamente à justificação no interesse do reconhecimento da graça de Deus. A justificação, dizem, é uma transação legal e, nesta qualidade, exclui a graça, enquanto que a Bíblia ensina claramente que o pecador é salvo pela graça. Facilmente se pode demonstrar, porém, que a justificação, com todos os seus antecedentes e conseqüentes, é obra da graça de Deus. O substituto concedido em lugar dos pecadores culpados, os sofrimentos e a obediência vicários de Cristo, a imputação da Sua justiça a transgressores indignos, e o fato de Deus tratar os crentes como justos – do começo ao fim, tudo é graça de Deus.
2. Às vezes a justificação é tida como um procedimento ímpio, porque declara, contrariamente aos fatos, que os pecadores são justos. Mas esta objeção não pega, porque a declaração divina não é no sentido de que estes pecadores são justos em si mesmos, mas que são revestidos da justiça perfeita de Jesus Cristo. Esta justiça acionada por Cristo é-lhes imputada gratuitamente. Mas não é a justiça subjetiva e pessoal de Cristo, e, sim, a Sua justiça vicária e pactual, que é imputada a pessoas que em si mesmas são injustas, e tudo para a glória de Deus.
3. Muitas vezes se diz que esta doutrina é eticamente subversiva, porque leva à licenciosidade. Mas não há verdade nisso, de modo nenhum, como as vidas dos próprios justificados mostram claramente. Na justificação, lançam-se os firmes alicerces de daquela união vital e espiritual com Cristo que assegura a nossa santificação. Ela realmente conduz às únicas condições nas quais podemos ser verdadeiramente santos, em princípio. O homem que é justificado recebe também o espírito da santificação, e é o único tipo de homem que pode transbordar de boas obras que glorificam a Deus.
I. Conceitos Divergentes de Justificação.
1. O CONCEITO CATÓLICO ROMANO. O conceito católico romano se confunde coma a santificação. Inclui os seguintes elementos na justificação: (a) a expulsão do pecado que há no homem; (b) a infusão positiva da graça divina; e (c) o perdão dos pecados. O pecador é preparado para a justificação pela graça preveniente, sem quaisquer méritos de sua parte. Esta graça preveniente leva o pecador a uma fides informis, à convicção de pecado, ao arrependimento, a uma segura confiança na graça de Deus em Cristo, aos princípios da nova vida, e ao desejo de ser batizado. Realmente, a justificação consiste na infusão de novas virtudes, depois de efetuada a remoção da corrupção do pecado no batismo. Depois da expulsão do pecado que nele há, segue-se necessariamente o perdão do pecado ou a remoção da culpa do pecado. E conforma o cristão avança de virtude em virtude, é capacitado a realizar obras meritórias e recebe como recompensa uma porção maior da graça e uma justificação perfeita. Pode-se perder a graça da justificação, mas também ela pode ser restaurada pelo sacramento da penitência.
2. O CONCEITO DE PISCATOR. Piscator ensinava que somente a obediência passiva de Cristo é imputada ao pecador na justificação, para o perdão dos pecados; e que a Sua obediência ativa não tem nenhuma possibilidade de lhe ser imputada, para a adoção de filhos e para uma herança eterna, porque o homem Cristo devia isto a Deus em Seu próprio benefício. Ademais, se Cristo tivesse cumprido a lei por nós, não poderíamos mais ser responsabilizados pela observância da lei. Piscator considerava a sujeição à penalidade e a guarda da lei como alternativas, uma excluindo a outra. Ele deixou aberta a porta para a consideração da obediência pessoal do pecador como único fundamento da sua esperança futura. Este conceito é muito semelhante ao dos arminianos, e segue de perto a linha da doutrina de Anselmo, na Idade Média.
3. O CONCEITO DE OSIANDER. Osiander revelou a tendência de reviver na Igreja Luterana os pontos essenciais da concepção católica romana da justificação, embora com uma diferença característica. Ele afirmava que a justificação não consiste da imputação da justiça vicária de Cristo ao pecador, mas sim, da implantação de um novo princípio de vida. Segundo ele, a justiça pela qual somos justificados é a justiça eterna de Deus o Pai, em nós infundida por Seu Filho Jesus Cristo.
4. O CONCEITO ARMINIANO. Os arminianos afirmam que Cristo não prestou estrita satisfação à justiça de Deus, mas, todavia, ofereceu uma real propiciação pelo pecado, propiciação que foi graciosamente aceita como satisfatória por Deus e por Ele posta como base para o perdão do pecado e, assim, para a justificação do pecador. Embora isto só sirva para zerar contas passadas, Deus também faz provisão para o futuro. De maneira igualmente graciosa, Ele imputa ao crente a sua fé, para justiça, a fé que inclui toda a vida religiosa do crente – sua obediência evangélica. Neste conceito, a fé não é mais o simples instrumento do elemento positivo da justificação, mas a base graciosamente admitida sobre a qual aquela repousa. Neste caso, a justificação não é um ato judicial, mas, sim um ato soberano de Deus.
5. O CONCEITO BARTIANO. Apesar de Barth falar da justificação como um ato instantâneo, todavia não a considera como um ato realizado uma vez por todas, seguido então pela santificação. Segundo ele, a justificação e a santificação vão de mãos dadas o tempo todo. Diz Pauck que, segundo Barth, a justificação não é um crescimento ou um desenvolvimento ético; ela sempre ocorre de novo, toda vez que homem chega ao ponto do completo desespero quanto às crenças e aos valores sobre os quais edificou a sua vida. Thurneysen também rejeita a idéia de que a justificação se dá uma vez por todas, qualifica-a de pietismo e afirma que ela é fatal para a doutrina da Reforma.
QUESTIONÁRIO PARA PESQUISA: 1. Que significa o verbo dikaioo no grego clássico? 2. A justificação é um ato criador ou declarativo? 3. É possível pensar na justificação quanto aos pecados passados nalgum outro sentido que o de absolvição judicial? 4. Deve-se pensar na justificação exclusivamente como uma coisa objetiva e externa em relação ao homem? 5. Que se quer dizer, na teologia, com a causa formal da justificação? 6. Como os romanistas e os protestantes diferem sobre este ponto? 7. A justificação dos católicos pela fides formata é realmente uma fé, ou uma justificação pelo amor, com a aparência de fé? 8. Em que consiste a doutrina antinomiana da justificação desde a eternidade? 9. É correta ou não a distinção feita por Buchanan e Cunningham entre a justificação ativa e a passiva como sendo justificação fatual e declarativa? 10. Podemos dizer que na justificação declarativa (justificação passiva) Deus simplesmente declara que o pecador é o que é? 11. O que acontece com a doutrina da justificação em Schleiermacher, em Ritschl e na teologia “liberal” moderna?

BIBLIOGRAFIA PARA CONSULTA:

Bavinck, Geref. Dogm. IV, p. 182-245; Kuyper, Dict. Dogm., De Salute, p. 45-69; ibid., Het Werk van den Heiligen Geest II, p. 204-232; Comrie, Brief over de Rechtvaardigmaking; Hodge, Syst. Theol. III, p. 114-212; Shedd, Dogm. Theol. II, p. 538-552; Dick, Theology, Lectures LXXI-LXXIII; Dabney, Syst. And Polem. Theol., p. 618-650; Mastricht, Godgeleerdheit VI. 6 e 7; Buchanan, The Doctrine of Justification; Owen, On Justificatiom; Litton, Introd. To Dogm. Theol., p. 259-313; Girardeau, Calvinism anda Evangelical Arminianism, p. 413-566; Pieper, Christl. Dogm. II, p. 606-672; Vos, Geref. Dogm. IV, p. 154-210; Schmid, Doct. Theol. Of the Ev. Luth. Church, p. 430-448; Valentine, Chr. Theol. II, p. 214-241; Strong, Syst. Theol., p. 849-868; Dorner, Syst. Of Chr. Doct. IV, p. 194-238; Watson, Theological Institutes II, p. 406-475; De Moor, Rechtvaardigmaking van Eeuwigheid.
Autor: Louis Berkhof
Fonte: Teologia Sistemática, pg 514-528, Editora Cultura Cristã.

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* Em Mc 10.18 o termo agathos expressa a idéia de bondade moral absoluta. Nota do tradutor.
** Em português o perigo é um pouco maior, dada a ligação próxima do vernáculo com o latim. Nota do tradutor.
[1] Cf. Brakel, Redelijke Godsdienst I, p. 876 e segtes.
[2] Cf. sua obra, De Rechtvaardigmaking Van Eeuwigheid, p. 20.
[3] Artigo XXII.
[4] Perguntas 60 e 61.
* Não assim, porém, os símbolos da fé da Igreja Presbiteriana (Westminster). Cf. a Confissão de Fé, capítulo XI, Seções I e IIm o Catecismo Maior, perguntas 71 a73, e o Breve Catecismo, Perguntas 33 e 86. Nota do tradutor.
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sexta-feira, 26 de novembro de 2010

A Justificação pela Fé


Rm 3.21-28; 5.12-19; 2 Co 5.16-21; Gl 2.11-21; Ef 2.1-10; Fp 3.7-11
Martinho Lutero declarou que a justificação pela fé somente é o artigo sobre o qual a igreja permanece ou cai. Essa doutrina fundamental da Reforma Protestante tem sido vista como o campo de batalha de nada menos do que o próprio evangelho.
A justificação pode ser definida como o ato pelo qual pecadores injustos são feitos justos aos olhos de um Deus santo e justo. A necessidade suprema das pessoas injusta é a justiça. Esta falta de justiça foi suprimida por Cristo em favor do pecador que crê. Justificação pela fé somente significa justificação pela justiça ou pelo mérito exclusivo de Cristo, e não pela nossa bondade ou pela nossas boas obras.
A questão da justificação se focaliza na questão do mérito e da graça. Justificação pela fé significa que as obras que fazemos não são suficientemente boas para merecer em justificação. Conforme Paulo declara: "ninguém será justificado diante dele por obras da lei" (Rm 3.20). A justificação e forense. Isto é, somos declarados, contados ou considerados como justo quando deus computa a justiça de Cristo em nossa conta. A condição necessária para isso é a fé.
A teologia protestante afirma que a fé é a causa instrumental da justificação no sentido em que a fé é o meio pelo qual os mérito de Cristo são apropriados por nós. A teologia católica romana ensina que o batismo é a causa instrumental primária da justificação, e que o sacramento da penitência é a causa secundária e restauradora. (A teologia católica vê a penitência como o segundo suporte da justificação para aqueles que sofreram naufrágio de suas almas - aqueles que penderam a graça da justificação por terem cometido um pecado mortal.) O sacramento de penitencial requer obras de satisfação, por meio da quais o ser humano conquista um mérito congruente para a justificação. A visão católica afirma que a justificação é pela fé, mas nega que seja somente pela fé, adicionando as boas obras como uma condição necessária.
A fé que justifica é uma fé viva, não uma profissão de fé vazia. A fé é uma confiança pessoal que busca a salvação somente em Cristo. A fé salvadora é também uma fé penitente, que abraça Cristo como Salvador e Senhor.
A Bíblia diz que não somos justificados por nossa próprias boas obras, mas pelo que nos é acrescentado pela fé, ou seja, a justiça de Cristo. Em síntese, algo novo é acrescentado a algo básico. Nossa justificação é operada por imputação. Deus transfere a nós, pela fé, a justiça de Cristo. Isso não é uma "ficção jurídica", porque Deus nos atribui o mérito real de Cristo, a quem agora pertencemos. É uma imputação real.

Autor: R.C. Sproul
Fonte: 2º Caderno Verdades Essenciais da Fé Cristã – R.C.Sproul. Editora Cultura Cristã.

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

ELEIÇÃO INCONDICIONAL


“E os gentios, ouvindo isto, alegraram-se,
e glorificavam a palavra do Senhor; e
Creram todos quantos estavam ordenados
Para a vida eterna.” Atos 13:48.

Muita gente quer que este versículo diga assim: “E tantos quantos creram foram ordenados para a vida eterna”. Mas não é isto o que o versículo diz e devemos deixar que a Bíblia tenha o significado que ela quiser ter. Os homens devem deixar a Bíblia continuar do mesmo jeito como Deus a escreveu. Ser ordenado para a vida eterna vem antes de receber a vida eterna. Deus elegeu certas pessoas na eternidade passada para a salvação. Paulo nos deu a ordem divina das coisas em Romanos 8:28-29: presciência, predestinação, chamado, justificação e glorificação. A salvação começa com Deus, não com o homem. A eleição é a escolha, soberana, livre, eterna, imutável e irresistível, de Deus de certas pessoas para a salvação, antes que o mundo existisse, pelo beneplácito de Sua própria vontade. A ELEIÇÃO É DE GRAÇA (GRATUITA) E INCONDICIONAL Quero dizer por “de graça” que Deus não tinha obrigação de salvar ninguém, mas, por Seu beneplácito e por Sua bondade, de Sua própria vontade.

Ele escolheu, em graça soberana e livre, eleger para a salvação algumas pessoas da raça caída de Adão. “Assim, pois, também agora neste tempo ficou um remanescente, segundo a eleição da graça. Mas se é por graça, já não é pelas obras; de outra maneira, a graça já não é graça. Se, porém, é pelas obras, já não é mais graça; de outra maneira a obra já não é obra.” Romanos 11:5-6. Há quem nos queira fazer acreditar que a eleição é baseada na fé e boas obras que Deus viu de antemão. Supõem que Deus elegeu Seu povo para a salvação porque previu a fé e boas obras que tinham. O Salmo 14:1-4 nos diz que Deus olhou e não viu ninguém que O buscasse. Estas pessoas revertem a ordem das coisas, pois a fé e as boas obras são resultados da eleição, e não vice-versa. Note o que a Bíblia diz: “Não me escolhestes vós a mim, mas eu vos escolhi a vós, e vos nomeei, para que vades e deis fruto, e o vosso fruto permaneça; a fim de que tudo quanto em meu nome pedirdes ao Pai ele vo-lo conceda.” João 15:16; “E sabemos que todas as coisas contribuem juntamente para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito.” Romanos 8:28; “Todavia o fundamento de Deus fica firme, tendo este selo: O Senhor conhece os que são seus, e qualquer que profere o nome de Cristo aparte-se da iniqüidade.” II Timóteo 2:19; “Como também nos elegeu nele antes da fundação do mundo, para que fôssemos santos e irrepreensíveis diante dele em amor” Efésios 1:4. A opinião arminiana não tem alicerce na Palavra de Deus, pois a eleição é a fonte da qual fluem a fé, a santificação e as boas obras. Quer creiamos nesta doutrina ou não, o que unicamente importa é se ela é ensinada ou não na Bíblia. Portanto, vamos examinar o que a Palavra de Deus diz sobre o assunto: “Eu bem sei os que tenho escolhido...” João 13:18; “Não me escolhestes vós a mim, mas eu vos escolhi a vós, e vos nomeei, para que vades e deis fruto, e o fruto permaneça; a fim de que tudo quanto em meu nome pedirdes ao Pai ele vo-lo conceda.” João 15:16; “Quem intentará acusação contra os escolhidos de Deus? É Deus quem os justifica.” Romanos 8:33; “Pois diz a Moisés: Compadecer-me-ei de quem me compadecer, e terei misericórdia de quem eu tiver misericórdia.” Romanos 9:15; “Como também nos elegeu nele antes da fundação do mundo, para que fôssemos santos e irrepreensíveis diante dele em amor.” Efésios 1:4; “Nele, digo, em quem também fomos feitos herança, havendo sido predestinados, conforme o propósito daquele que faz todas as coisas, segundo o conselho da sua vontade.” Efésios 1:11; “Mas devemos sempre dar graças a Deus por vós, irmãos amados do Senhor, por vos ter Deus elegido desde o princípio para a salvação, em santificação do Espírito e fé da verdade.” II Tessalonicenses 2:13.

De acordo com a Bíblia, a eleição é o ato incondicional de Deus ao escolher alguns para a vida eterna, antes da fundação do mundo. Em sentido nenhum resulta da escolha do eleito.

Por Pr. David Alfred Zuhars, Jr.
Extraido do Jornal O Batista Pioneiro Ano I Nº 02
www.pibjo.org.br