quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

O juízo final e a punição eterna


Quem será julgado? Que é inferno?

1. EXPLANAÇÃO E BASE BÍBLICA

A. A realidade do juízo final

A Escritura muitas vezes afirma o fato de que haverá um grande juízo final de crentes e descrentes. Eles comparecerão perante o julgamento de Cristo com seus corpos ressuscitados e ouvirão a proclamação que ele fará do destino eterno deles.
O juízo final é vividamente apresentado na visão de João no Apocalipse:
Depois vi um grande trono branco e aquele que nele estava assentado. A terra e o céu fugiram da sua presença, e não se encontrou lugar para eles.Vi também os mortos, grandes e pequenos, em pé diante do trono, e livros foram abertos. Outro livro foi aberto, o livro da vida. Os mortos foram julgados de acordo com o que tinham feito, segundo o que estava registrado nos livros. O mar entregou os mortos que nele havia, e a morte e o Hades entregaram os mortos que neles havia; e cada um foi julgado de acordo com o que tinha feito. Então a morte e o Hades foram lançados no lago de fogo. O lago de fogo é a segunda morte. Aqueles cujos nomes não foram encontrados no livro da vida foram lançados no lago de fogo (Ap 20.11-15).
Muitas outras passagens ensinam sobre o juízo final. Paulo diz aos filósofos gregos em Atenas: Deus [...] agora ordena que todos, em todo lugar, se arrependam. Pois estabeleceu um dia em que ha de julgar o mundo com justiça, por meio do homem que designou. E deu provas disso a todos, ressuscitando-o dentre os mortos” (At 17.30,31). Semelhantemente, Paulo fala a respeito do “dia da ira de Deus, quando se revelará o seu justo julgamento”(Rm 2.5). Outras passagens falam claramente de um dia de juízo que virá (v. Mt 10.15; 11.22,24; 12.36; 25.31-46; lCo 4.5; Hb 6.2; 2Pe 2.4; Jd 6 etc.).
Esse juízo final é o auge de muitos juízos precursores nos quais Deus recompensou a retidão e puniu a injustiça por toda a história. Ao mesmo tempo em que trouxe bênção e libertação do perigo para os que lhe foram fiéis, incluindo Abel, Noé, Abraão, Isaque, Jacó, Moisés, Davi e os fiéis dentre o povo de Israel, ele também vez por outra trouxe juízo sobre os que persistiram na desobediência e na incredulidade; seus juízos incluíram o Dilúvio, a dispersão do povo na Torre de Babel, os juízos sobre Sodoma e Gomorra e os contínuos julgamentos ao longo de toda a história, tanto sobre indivíduos (Rm 1.18-32) quanto sobre nações (Is 13— 23) que persistiram no pecado. Além disso, na esfera espiritual invisível, ele trouxe juízo sobre os anjos que pecaram (2Pe 2.4). Pedro nos recorda que os juízos de Deus têm sido cumpridos periodicamente e de forma positiva, e isso nos lembra que um juízo final ainda está por vir, pois “o Senhor sabe livrar os piedosos da provação e manter em castigo os ímpios para o dia do juízo, especialmente os que seguem os desejos impuros da carne e desprezam a autoridade” (2Pe 2.9,10).
B. O tempo do juízo final
O juízo final ocorrerá após o milênio e a rebelião que vai ocorrer no final dele. João apresenta o reino milenar e a remoção de Satanás para não influenciar a terra em (Apocalipse 20.1-6) e, então, diz: ‘Quando terminarem os mil anos, Satanás será solto da sua prisão e sairá para enganar as nações que estão nos quatro cantos da terra [...] a fim de reuni-las para a batalha” (Ap 20.7,8). Após Deus derrotar decisivamente essa rebelião final (Ap 20.9,10), João nos diz que o juízo se seguirá: ‘Depois vi um grande trono branco e aquele que nele estava assentado” (v. 11).
C. A natureza do juízo final
1. Jesus Cristo será o juiz.
Paulo fala de “Cristo Jesus, que há de julgar os vivos e os mortos” (2Tm 4.1). Pedro diz que Jesus Cristo é aquele “que Deus constituiu juiz de vivos e de mortos” (At 10.42; cf. 17.3 1; Mt 25.31-33). Esse direito de agir como juiz sobre todo o universo é algo que o Pai deu ao Filho: “o Pai [...J deu-lhe autoridade para julgar, porque é o Filho do homem” (Jo 5.26,27).
2. Os descrentes serão julgados.
Está claro que todos os descrentes comparecerão perante o tribunal de Cristo para julgamento, pois esse julgamento inclui “os mortos, grandes e pequenos (Ap 20.12), e Paulo fala do “dia da ira de Deus, quando se revelará o seu justo julgamento” e que “Deus ‘retribuirá a cada um conforme o seu procedimento’. [...] haverá ira e indignação para os que são egoístas, que rejeitam a verdade e seguem a injustiça” (Rm 2.5,6,8).
Esse juízo dos descrentes incluirá graus de punição, pois lemos que os mortos “foram julgados de acordo com o que tinham feito” (Ap 20.12,13); esse julgamento de acordo com o que as pessoas tiverem feito, portanto, deve envolver a avaliação das obras que as pessoas fizeram. Semelhantemente, Jesus diz: “Aquele servo que conhece a vontade de seu senhor e não prepara o que ele deseja, nem o realiza, receberá muitos açoites. Mas aquele que não a conhece e pratica coisas merecedoras de castigo, receberá poucos açoites. A quem muito foi dado, muito será exigido; e a quem muito foi confiado, muito mais será pedido” (Lc 12.47,48). Quando Jesus diz às [‘O fato de que haverá graus de punição para os descrentes de acordo com suas obras não significa que os descrentes venham a fazer coisas boas para merecer a aprovação de Deus ou ganhar a salvação, pois a salvação vem somente como dom gratuito para os que confiam em Cristo: ”Quem nele crê não é condenado, mas quem não crê já está condenado, por não crer no nome do Filho Unigênito de Deus” (Jo 3.18). Para a discussão do fato de que não haverá “outra oportunidade” para as pessoas aceitarem Cristo após a morte] cidades de Corazim e Betsaida: “Mas eu lhes afirmo que no dia do juízo haverá menor rigor para Tiro e Sidom do que para vocês” (Mt 11.22; cf. v. 24), ou quando diz que os escribas “serão punidos com maior rigor” (Lc 20.47), sugere que haverá graus de punição no último dia.
De fato, cada ação errônea será lembrada e levada em conta na punição que se dará naquele dia, porque “ no dia do juízo, os homens haverão de dar conta de toda palavra inútil que tiverem falado” (Mt 12.36). Cada palavra dita, cada ato cometido serão trazidos à luz e receberão julgamento: “Pois Deus trata a julgamento tudo o que foi feito, inclusive tudo o que está escondido, seja bom, seja mau” (Ec 12.14).
Como esses versículos indicam, no dia do juízo os segredos do coração das pessoas serão revelados e tornados públicos. Paulo fala do dia “em que Deus julgar os segredos dos homens, mediante Jesus Cristo, conforme o declara o meu evangelho” (Rm 2.16; cf. Lc 8.17). “Não há nada escondido que não venha a ser descoberto, ou oculto que não venha a ser conhecido. O que vocês disseram nas trevas será ouvido à luz do dia, e o que vocês sussurraram aos ouvidos dentro de casa, será proclamado dos telhados” (Lc 12.2,3).
3. Os crentes serão julgados.
Escrevendo a cristãos, Paulo diz: “Pois todos compareceremos diante do tribunal de Deus. [...] Assim, cada um de nós prestará contas de si mesmo a Deus” (Rm 14.10,12). Ele também diz aos coríntios: “Pois todos nós devemos comparecer perante o tribunal de Cristo, para que cada um receba de acordo com as obras praticadas por meio do corpo, quer sejam boas quer sejam más” (2Co 5.10; cf. Rm 2.6-11; Ap 20.12,15). Além disso, a apresentação do juízo final em Mateus 25.31-46 inclui Cristo separando as ovelhas dos bodes e recompensando os que recebem sua bênção.
É importante perceber que esse julgamento dos crentes será um julgamento para avaliar e conceder vários graus de recompensa (v. a seguir), mas o fato de que eles enfrentarão um julgamento nunca deveria causar nos crentes qualquer temor de serem eternamente condenados. Jesus diz: “Quem ouve a minha palavra e crê naquele que me enviou, tem a vida eterna e não será condenado, mas já passou da morte para a vida” (Jo 5.24). Aqui a condenação deve ser entendida no sentido de morte e condenação eterna, já que é contrastada com o passar da morte para a vida. No dia do juízo final, mais que em outra oportunidade, é de extrema importância o fato de que “agora já não há condenação para os que estão em Cristo Jesus” (Rm 8.1) . Assim, o dia do juízo pode ser descrito como um dia em que os cristãos serão recompensados e os descrentes, punidos: “As nações se iraram; e chegou a tua ira. Chegou o tempo de julgares os mortos e de recompensares os teus servos, os profetas, os teus santos e os que temem o teu nome, tanto pequenos como grandes, e de destruir os que destroem a terra” (Ap 11.18).
Todas as palavras secretas, todos os atos dos crentes e todos os seus pecados serão revelados no último dia? Poderíamos pensar no princípio assim, porque, escrevendo aos crentes a respeito do dia do juízo, Paulo diz que, quando o Senhor voltar, “ele trará à luz o que está oculto nas trevas e manifestará as intenções dos corações. Nessa ocasião, cada um receberá de Deus a sua aprovação” (lCo 4.5; cf. Cl 3.25). Todavia, esse é um contexto que fala a respeito da recomendação ou louvor (gr., epainos) que vem de Deus, podendo não se referir aos pecados. E outros versículos sugerem que Deus nunca mais chamará nossos pecados à lembrança: “atirarás todos os nossos pecados nas profundezas do mal” (Mq 7.19); “e como o Oriente está longe do Ocidente, assim ele afasta para longe de nós as nossas transgressões” (Sl 103.12); “Sou eu, eu mesmo, aquele que apaga suas transgressões, por amor de mim, e que não se lembra mais de seus pecados” (Is 43.25); “Porque eu lhes perdoarei a maldade e não me lembrarei mais dos seus pecados” (Hb 8.12; cf. 10.17).
De qualquer forma, o fato de que compareceremos perante Deus para que nossa vida seja avaliada será um motivo para vivermos piedosamente, e Paulo usa-o desse modo em 2Coríntios 5.9,10: “Por isso, temos o propósito de lhe agradar, quer estejamos no corpo, quer o deixemos. Pois todos nós devemos comparecer perante o tribunal de Cristo, para que cada um receba de acordo com as obras praticadas por meio do corpo, quer sejam boas quer sejam más”. Mas essa perspectiva não deve jamais causar terror ou alarme na vida dos crentes, porque mesmo os pecados que serão tornados públicos naquele dia já foram perdoados, e por isso eles serão uma oportunidade para dar glória a Deus pela riqueza de sua graça.
A Escritura também ensina que haverá graus de recompensa para os crentes. Paulo encoraja os coríntios a ser cuidadosos quanto a edificar a igreja sobre o fundamento que já havia sido lançado — o próprio Jesus Cristo.
Se alguém constrói sobre esse alicerce usando ouro, prata, pedras preciosas, madeira, feno ou palha, sua obra será mostrada, porque o Dia a trará à luz; pois será revelada pelo fogo, que provará a qualidade da obra de cada um. Se o que alguém construiu permanecer, esse receberá recompensa. Se o que alguém construiu se queimar, esse sofrerá prejuízo; contudo, será salvo como alguém que escapa através do fogo ( lCo 3.12-15).
Semelhantemente, Paulo diz dos cristãos: “Pois todos nós devemos comparecer perante o tribunal de Cristo, para que cada um receba de acordo com as obras praticadas por meio do corpo, quer sejam boas quer sejam más” (2Co 5.10), sugerindo novamente a idéia de graus de recompensa pelo que fizemos nesta vida. Igualmente, na parábola das minas, foi dito ao que fez render dez minas: “Muito bem, meu bom servo! [...] Por ter sido confiável no pouco, governe sobre dez cidades”. Ao que fez render cinco minas, foi dito: ”Também você, encarregue-se de cinco cidades” (Lc 19.17,19). Muitas outras passagens igualmente ensinam ou sugerem graus de recompensa para os crentes no juízo final.
Mas devemos nos precaver contra qualquer entendimento errôneo neste ponto. Embora saibamos que haverá graus de recompensa nos céus, a alegria de cada pessoa será plena e completa pela eternidade. Se perguntarmos como isso pode acontecer, quando há diferentes graus de [O ensino da Bíblia sobre os graus de recompensa no céu é mais amplo do que os cristãos normalmente percebem: Dn 12.2; Mt 6.20,21; 19.21; Lc 6.22,23; 12.18-21,32,42-48; 14.13,14; lCo 3.8; 9.18; 13.3; 15.19,29-32,58; Gl 6.9,10; Ef 6.7,8; Cl 3.23,24; lTm 6.18; Hb 10.34,35; 11.10,14-16,26,35; lPe 1.4; 2João 8; Ap 11.18; 22.12; cf. tb. Mt 5.46; 6.2-6,16-18,24; Lc 6.35.] recompensa, tal fato demonstrará que nossa percepção de alegria é baseada na suposição de que a alegria depende do que possuímos, ou da posição ou poder que temos. Na realidade, contudo, nossa verdadeira alegria consiste em ter prazer em Deus e em regozijar-nos na posição e no reconhecimento que ele nos deu. A tolice de pensar que somente os que foram altamente recompensados e que receberam posição elevada é que serão plenamente felizes no céu é vista quando percebemos que, não importa quão grande seja a recompensa que nos for dada, haverá sempre aqueles com recompensas maiores ou que possuem posição e autoridade maiores, incluindo os apóstolos, as criaturas celestiais, Jesus Cristo e o próprio Deus. Portanto, se a posição mais elevada fosse essencial para as pessoas serem felizes, ninguém seria mais feliz que Deus no céu, o que é certamente uma idéia incorreta. Além disso, aqueles com recompensa e honra maiores no céu, os mais próximos do trono de Deus, teriam prazer não na posição, mas somente no privilégio de se prostrarem diante do trono de Deus para adorá-lo (v.Ap 4.10,11).
Seria moral e espiritualmente benéfico que adquiríssemos uma consciência maior desse ensino claro do NT sobre os graus de recompensa celestial. Ao invés de nos tornar competitivos uns com os outros, ele despertaria em nós o senso de ajudar e de encorajar uns aos outros para que todos pudéssemos aumentar nossa recompensa celestial, pois Deus tem capacidade infinita de trazer bênçãos a nós todos, e todos nós somos membros uns dos outros (v. lCo 12.26,27). Devemos atentar com fervor à admoestação do autor de Hebreus: “E consideremos uns aos Outros para nos incentivarmos ao amor e às boas obras. Não deixemos de reunir-nos como igreja, segundo o costume de alguns, mas procuremos encorajar-nos uns aos outros, ainda mais quando vocês vêem que se aproxima o Dia” (Hb I0.24,25). Ademais, o coração sincero ansiando por recompensa celestial nos motivaria ao trabalho muito sincero para o Senhor em qualquer tarefa para a qual ele nos chamasse, seja grande seja pequena, recebendo salário ou não. Isso também nos faria desejosos de sua aprovação antes que de riqueza ou sucesso e nos motivaria a trabalhar na edificação da igreja sobre o único fundamento, Jesus Cristo (lCo 3.10-15).
4. Os anjos serão julgados.
Pedro diz que os anjos rebeldes foram lançados no inferno ,”a fim de serem reservados para o juízo” (2Pe 2.4) , e Judas diz que os anjos rebeldes foram guardados por Deus sob trevas “para o juízo do grande Dia” (Jd 6). Isso significa que ao menos os anjos rebeldes ou demônios também estarão sujeitos ao juízo no último dia.
A Escritura não indica claramente se os anjos santos também estarão sob uma espécie de avaliação por seus serviços, mas é possível que estejam incluídos na afirmação de Paulo : “Vocês não sabem que havemos de julgar os anjos?’ (lCo 6.3) . É provável que isso inclua anjos santos, porque não há nenhuma indicação no contexto de que Paulo esteja falando de demônios ou anjos caídos, e a palavra anjos sem qualquer qualificação adicional no NT deve ser normalmente entendida como referência aos anjos santos. Mas o texto não é explícito o suficiente para que tenhamos certeza do que afirmamos.
D. A necessidade do juízo final
Desde que os crentes passam imediatamente para a presença de Deus quando morrem e que os descrentes passam para o estado de separação de Deus, suportando a punição quando morrem, podemos nos espantar pelo fato de Deus ter um tempo de juízo final estabelecido. Berkhof sabiamente assinala que o juízo final não tem o propósito de permitir que Deus conheça a condição de nosso coração ou o padrão de conduta de nossa vida, pois ele já sabe tudo isso em todos os detalhes. Em vez disso, Berkhof comenta, sobre o juízo final:
Seu propósito é, antes, expor diante de todas as criaturas racionais a glória declarativa de Deus num ato formal e forense que, por um lado, engrandecerá a Sua santidade e justiça, e, por outro lado, engrandecerá a Sua graça e misericórdia. Ademais, devemos ter em mente que o juízo do último dia será diferente daquele que ocorre na morte de cada indivíduo em mais de um aspecto. Não será secreto, mas público; não terá referência a um só indivíduo, mas a todos os homens.
E. A justiça de Deus no juízo final
A Escritura afirma claramente que Deus será totalmente justo no seu juízo e ninguém será capaz de reclamar qualquer coisa perante ele naquele dia. Deus é aquele que “julga imparcialmente as obras de cada um’ (lPe 1.17), e “em Deus não há parcialidade” (Rm 2.11; cf. Cl 3.25). Por essa razão, no último dia, que “toda boca se cale e todo o mundo esteja sob o juízo de Deus” (Rm 3.19), sendo que ninguém será capaz de reclamar que Deus o tratou com injustiça. De fato, uma das grandes bênçãos do juízo final será que os santos e anjos verão a justiça pura de Deus sendo absolutamente demonstrada, e isso será uma fonte de louvor a ele por toda a eternidade. No tempo do juízo, haverá grande louvor no céu, pois João diz: “Depois disso ouvi nos céus algo semelhante à voz de uma grande multidão, que exclamava: ‘Aleluia! A salvação, a glória e o poder pertencem ao nosso Deus, pois verdadeiros e justos são os seus juízos”’ (Ap 19.1,2).
F. Aplicação moral do juízo final
A doutrina do juízo final tem diversas influências morais positivas em nossa vida.
1. A doutrina do juízo final satisfaz nosso senso interior de necessidade de justiça no mundo.
O fato de que haverá o juízo final assegura-nos de que o universo de Deus em última
análise é justo, pois Deus está no controle e mantém os registros exatos, tornando justo o juízo. Quando Paulo admoesta os escravos para que sejam submissos aos senhores, lhes assegura: “Quem cometer injustiça receberá de volta injustiça, e não haverá exceção para ninguém” (Cl 3.25). Quando o quadro do juízo final menciona o fato de que ”livros foram abertos” (Ap 20.12; cf. Ml 3.16), isso nos lembra (sejam os livros literais ou simbólicos) que o registro permanente e exato de todos os nossos atos foi guardado por Deus, e finalmente todas as contas serão acertadas e todos serão tornados justos.
2. A doutrina do juízo final capacita-nos a perdoar a outros livremente.
Percebemos que não cabe a nós vingar-nos dos que erraram contra nós, ou mesmo querer fazê-lo, porque Deus reservou esse direito para si próprio.”Amados, nunca procurem vingar-se, mas deixem com Deus a ira, pois está escrito : ’Minha é a vingança; eu retribuirei’, diz o Senhor” (Rm 12.19). Desse modo, sempre que alguém nos prejudicar, devemos deixar nas mãos de Deus o desejo de dar o troco à pessoa que errou contra nós, sabendo que cada erro no universo será finalmente cobrado — será eliminado por ter sido pago por Cristo quando ele morreu na cruz (se o malfeitor se torna cristão), ou será cobrado no juízo final (pago por quem não confiou em Cristo para ser salvo). Mas, em qualquer um dos casos, podemos entregar a situação nas mãos de Deus e então orar para que o malfeitor venha a confiar em Cristo e, desse modo, receba perdão de seus pecados. Esse pensamento deveria guardar-nos de armazenar amarguras ou ressentimentos em nosso coração por injustiças que sofremos quando as coisas não foram feitas corretamente: Deus é justo, e podemos deixar essas situações nas suas mãos, sabendo que algum dia ele corrigirá todos os erros e dará recompensas e punições justas. Desse modo, estamos seguindo o exemplo de Cristo: “Quando insultado, não revidava; quando sofria, não fazia ameaças, mas entregava-se àquele que julga com justiça” (lPe 2.23). Ele também orou: “Pai, perdoa-lhes, pois não sabem o que estão fazendo” (Lc 23.34; cf.At 7.60, quando Estêvão seguiu o exemplo de Jesus orando por aqueles que o matavam).
3. A doutrina do juízo final motiva-nos a viver retamente.
Para os crentes, o juízo final é um incentivo à fidelidade e boas obras; não serve como um meio para obter perdão de pecados, mas como meio de ganhar recompensa eterna maior. Esse é um motivo saudável e positivo para nós — Jesus nos diz: “acumulem para vocês tesouros nos céus” (Mt 6.20) —, embora essa idéia bata de frente com o conceito popular de nossa cultura secular, uma cultura que realmente não crê de forma nenhuma no céu ou nas recompensas eternas.
Para os descrentes, a doutrina do juízo final ainda proporciona algum refreamento moral em suas vidas. Se na sociedade há reconhecimento geral e difundido de que todos algum dia darão contas ao Criador do universo de suas vidas, algum “temor de Deus” vai caracterizar a vida de muitas pessoas. Ao contrário, os que não possuem nenhuma consciência profunda do juízo final se entregarão à pratica do mal em escala cada vez maior, demonstrando que aos “seus olhos é inútil temer a Deus” (Rm 3.18). Sobre os que negam o juízo final, Pedro diz que são “escarnecedores”: “Antes de tudo saibam que, nos últimos dias, surgirão escarnecedores zombando e seguindo suas próprias paixões. Eles dirão: ‘O que houve com a promessa da sua vinda?”’ (2Pe 3.3,4). A consciência do juízo final é conforto para os crentes e advertência aos descrentes para não continuarem em seus maus caminhos.
4. A doutrina do juízo final proporciona grande motivo para a evangelização.

As decisões feitas pelas pessoas nesta vida afetarão o destino delas por toda a eternidade, e é correto que nosso coração sinta e que nossa boca ecoe o mesmo sentimento de apelo a Deus que vemos em Ezequiel: “Voltem-se dos seus maus caminhos! Por que o seu povo haveria de morrer, ó nação de Israel?” (Ez 33.11). De fato, Pedro salienta que o retardamento do retorno do Senhor é devido ao fato de que Deus “é paciente com vocês, não querendo que ninguém pereça, mas que todos cheguem ao arrependimento” (2Pe 3.9).
G. Inferno
É oportuno discutir a doutrina do inferno em conexão com a doutrina do juízo final. Podemos definir o inferno da seguinte maneira: Inferno é o lugar de punição eterna e consciente destinado ao ímpio. A Escritura ensina em diversas passagens que tal lugar existe. No final da parábola dos talentos, o senhor diz: “E lancem fora o servo inútil, nas trevas, onde haverá choro e ranger de dentes” (Mt 25.30). Essa é uma entre as diversas indicações de que haverá consciência de punição após o julgamento final. Semelhantemente, no juízo o rei dirá a alguns: “Malditos, apartem-se de mim para o fogo eterno, preparado para o Diabo e os seus anjos” (Mt 25.41), e Jesus diz que esses assim condenados “irão para o castigo eterno, mas os justos para a vida eterna” (Mt 25.46). Nesse texto, o paralelo entre “vida eterna” e “castigo eterno” indica que ambos os estados são eternos.
Jesus refere-se ao inferno como “fogo que nunca se apaga” (Mc 9.43) e diz que o inferno é o lugar onde “o seu verme não morre, e o fogo não se apaga” (Mc 9.48). A história do rico e de Lázaro também indica uma consciência horrível da punição: ”Chegou o dia em que o mendigo morreu, e os anjos o levaram para junto de Abraão. O rico também morreu e foi sepultado. No Hades, onde estava sendo atormentado, ele olhou para cima e viu Abraão de longe, com Lázaro ao seu lado. Então, chamou-o: ‘Pai Abraão, tem misericórdia de mim e manda que Lázaro molhe a ponta do dedo na água e refresque a minha língua, porque estou sofrendo muito neste fogo”’ (Lc 16.22-24). Então ele suplica a Abraão: “manda Lázaro ir à casa de meu pai, pois tenho cinco irmãos. Deixa que ele os avise, a fim de que eles não venham também para este lugar de tormento” (Lc 16.28).
Quando nos voltamos para o Apocalipse, as descrições da punição eterna são também muito
explícitas: Um terceiro anjo os seguiu, dizendo em alta voz: “Se alguém adorar a besta e a sua imagem e receber a sua marca na testa ou na mão, também beberá do vinho do furor de Deus que foi derramado sem mistura no cálice da sua ira. Será ainda atormentado com enxofre ardente na presença dos santos anjos e do Cordeiro, e a fumaça do tormento de tais pessoas sobe para todo o sempre. Para todos os que adoram a besta e a sua imagem, e para quem recebe a marca do seu nome, não há descanso, dia e noite’» (Ap 14.9-11).
Essa passagem afirma claramente a idéia da punição consciente e eterna dos descrentes.
Com respeito ao juízo sobre a cidade ímpia da Babilônia, uma grande multidão no céu grita:
“Aleluia! A fumaça que dela vem, sobe para todo o sempre” (Ap 19.3). Após a rebelião final de Satanás ser esmagada, lemos: “O Diabo, que as enganava, foi lançado no lago de fogo que arde com enxofre, onde já haviam sido lançados a besta e o falso profeta. Eles serão atormentados dia e noite, para todo o sempre” (Ap 20.10). Essa passagem é também importante em associação com Mateus 25.41, na qual os descrentes são enviados “para o fogo eterno, preparado para o Diabo e os seus anjos”. Esses versículos devem fazer-nos perceber a imensidão do mal que é encontrado no pecado e na rebelião contra Deus e também a magnitude da santidade e da justiça de Deus que provoca essa espécie de punição.
A idéia de que haverá a consciência de punição eterna dos descrentes tem sido negada recentemente mesmo por alguns teólogos evangélicos. Ela havia sido negada anteriormente pela Igreja Adventista do Sétimo Dia e por diversos indivíduos por toda a história da igreja. Os que negam a punição eterna consciente muitas vezes advogam o ”aniquilacionismo”, ensino segundo o qual, após os ímpios terem sofrido a penalidade da ira de Deus por algum tempo, Deus os aniquilará, de modo que passarão a não mais existir. Muitos que crêem no aniquilacionismo também sustentam a realidade do juízo final e da punição pelo pecado, mas argumentam que, após os pecadores terem sofrido por certo período de tempo, suportando a ira de Deus contra seus pecados, eles finalmente cessarão de existir. A punição será, portanto, “consciente” mas não “eterna”.
Os argumentos a favor do aniquilacionismo são: 1) as referências bíblicas à destruição do ímpio, que, dizem alguns, sugerem que eles não mais vão existir após serem destruídos (Fp 3.19; lTs 5.3; 2Ts 1.9; 2Pe 3.7); 2) a aparente incompatibilidade entre a punição eterna consciente e o amor de Deus; 3) a aparente injustiça envolvida na desproporção entre os pecados, cometidos no tempo, e a punição, que é eterna; e 4) o fato de que a presença contínua de criaturas más no universo de Deus desfigurará eternamente a perfeição do universo que Deus criou para refletir sua glória.
Em resposta, 1) deve ser dito que as passagens que falam de destruição (como Fp 3.19; lTs 5.3; 2Ts 1.9; 2Pe 3.7) não implicam necessariamente cessação de existência, pois nessas passagens o termo usado para “destruição” não significa necessariamente o fato de cessar de existir ou uma espécie de aniquilação, mas podem simplesmente ser o modo de referir-se aos efeitos danosos e destrutivos do juízo final sobre os descrentes.
2) Com respeito ao argumento do amor de Deus, a mesma dificuldade de conciliar o amor de Deus com a punição eterna parece estar presente também na conciliação do amor de Deus a idéia da punição divina e, ao contrário, se (como a Escritura testifica abundantemente) é coerente Deus punir o ímpio por determinado tempo após o juízo final, parece que não há razão necessária pela qual seja incoerente Deus infligir a mesma punição para um período de tempo sem fim.
Essa espécie de raciocínio pode conduzir certas pessoas a adotar outra espécie de aniquilacionismo, aquele segundo o qual não há sofrimento consciente de forma alguma, nem mesmo por um tempo breve, e a única punição é que os descrentes cessam de existir após a morte. No entanto, em resposta, é questionável se essa espécie de aniquilacionismo imediato e realmente ser chamado punição, desde que não haveria qualquer consciência de dor. De fato, a garantia de haver a cessação de existência poderia apresentar-se a muitos, especialmente que estão sofrendo e em dificuldade nesta vida, como alternativa de alguma forma desejável.
E, se não há punição de descrentes de espécie alguma, mesmo pessoas como Hitler e Stalin não receberiam castigo algum, e não haveria qualquer justiça final no universo. Assim, as pessoas seriam incentivadas a permanecer tão ímpias quanto fosse possível nesta vida.
3) O argumento de que a punição eterna é injusta (porque há uma desproporção entre o pecado temporário e a punição eterna) presume erroneamente que nós conhecemos o grau do mal cometido quando os pecadores se rebelam contra Deus. David Kingdon observa: “... pecado contra o Criador é nefando até ao ponto de estar totalmente além nossa imaginação [capacidade] pervertida pelo pecado poder conceber [...] Quem poderia temerariamente sugerir a Deus como a punição [...] deveria ser?”. Ele também responde a essa indagação propondo que os descrentes no inferno podem continuar a pecar e receber punição por seus pecados, mas nunca se arrependerão, e observa que Apocalipse 22.11 aponta nessa direção: “Continue o injusto a praticar injustiça; continue o imundo na imundícia”.
4. Considerando o quarto argumento, embora o mal que permanece sem punição prejudique a glória de Deus no universo, também devemos perceber que, quando Deus pune o mal e triunfa sobre ele, a glória da sua justiça, retidão e poder de triunfar sobre toda a oposição será vista (v. Rm 9.17,22-24).A profundidade das riquezas da misericórdia de Deus será então revelada, pois todos os pecadores redimidos reconhecerão que eles também merecem tal punição de Deus e a evitaram somente por causa da graça de Deus por meio de Jesus Cristo (cf. Rm 9.23,24).
Todavia, após tudo isso ter sido dito, devemos admitir que a resolução final das profundezas dessa questão repousa muito além de nossa capacidade de entender e permanece escondida nos conselhos de Deus. Se não fosse pelas passagens da Escritura citadas antes que afirmam tão claramente a punição consciente e eterna, o aniquilacionismo poderia parecer a opção bem mais atraente. Embora o aniquilacionismo possa ser contrariado por argumentos teológicos, a clareza e o vigor das passagens em si mesmas é que nos convencem de que o aniquilacionismo é incorreto e que a Escritura de fato ensina sobre a punição eterna que o ímpio sofre conscientemente.
O que devemos pensar a respeito dessa doutrina? É difícil — e deve ser difícil — pensarmos a respeito dessa doutrina hoje. Se nosso coração nunca é tocado com tristeza profunda quando contemplamos essa doutrina, é porque há uma deficiência séria em nossa sensibilidade espiritual e emocional. Quando Paulo pensa a respeito da perdição de seus concidadãos, os judeus, ele diz: “tenho grande tristeza e constante angustia em meu coração” (Rm 9.2). Isso esta de acordo com o que Deus nos diz de sua tristeza com respeito à morte do ímpio: “Juro pela minha vida, palavra do Soberano, o SENHOR, que não tenho prazer na morte dos ímpios, antes tenho prazer em que eles se desviem dos seus caminhos e vivam. Voltem! Voltem dos seus maus caminhos! Por que o seu povo haveria de morrer, ó nação de Israel?” (Ez 33.11). A agonia de Jesus fica evidente quando ele chora: “Jerusalém, Jerusalém, você, que mata os profetas e apedreja os que lhe são enviados! Quantas vezes eu quis reunir os seus filhos, como a galinha reúne os seus pintinhos debaixo das suas asas, mas vocês não quiseram. Eis que a casa de vocês ficará deserta’ (Mt 23.37,38; cf. Lc 19.41,42).
A razão de ser difícil pensarmos sobre essa doutrina é porque Deus colocou em nosso coração uma porção do próprio amor pelas pessoas criadas à sua imagem, até mesmo o seu amor por pecadores que se rebelam contra ele. Enquanto estivermos nesta vida, quando pensarmos em pessoas que precisam ouvir do evangelho e confiar em Cristo para serem salvas, é natural que cause em nós grande angústia e agonia de espírito só pensarmos a respeito da punição eterna. Todavia, devemos também compreender que qualquer coisa que Deus em sua sabedoria tenha ordenado e ensinado na Escritura está correto. Portanto, devemos ter cuidado para não odiar sua doutrina ou nos rebelarmos contra ela, mas antes procurarmos, tanto quanto formos capazes, chegar ao ponto em que venhamos a reconhecer que a punição eterna é boa e certa, porque em Deus não há injustiça alguma.
Pode ser de ajuda percebermos que, se Deus não exercesse a punição eterna, então certamente sua justiça não seria satisfeita e sua glória não seria promovida da forma que ele julga ser sábio. E talvez seja de maior ajuda ainda percebermos que, da perspectiva do mundo vindouro, há um reconhecimento muito maior da necessidade e do caráter justo da punição eterna. Os crentes martirizados no céu clamam e João registra: “Até quando, ó Soberano, santo e verdadeiro, esperarás para julgar os habitantes da terra e vingar o nosso sangue?” (Ap 6.10). Além disso, na destruição final da Babilônia, a voz audível da grande multidão no céu clama com louvor a Deus pela retidão de seus juízos quando a multidão percebe finalmente a natureza hedionda do mal como ele realmente é:
“Aleluia! A salvação, a glória e o poder pertencem ao nosso Deus, pois verdadeiros e justos são os seus juízos. Ele condenou a grande prostituta que corrompia a terra com a sua prostituição. Ele cobrou dela o sangue dos seus servos’. [...] Aleluia! A fumaça que dela vem, sobe para todo o sempre” (Ap 19.1-3). Tão logo isso aconteceu, os “vinte e quatro anciãos e os quatro seres viventes prostraram-se e adoraram a Deus, que estava assentado no trono, e exclamaram: ‘Amém, Aleluia!’’ (Ap 19.4). Não podemos dizer que essa grande multidão de redimidos e de criaturas viventes no céu fazem um julgamento moral errado quando louvam a Deus por exercer a sua justiça sobre o mal, porque eles estão livres de qualquer pecado e os seus juízos morais são agradáveis a Deus. Eles sem dúvida vêem muito mais claramente que nós quão terrível o pecado realmente é.
Nesta presente era, contudo, somente devemos abordar tal celebração da punição do mal quando meditamos na punição eterna dada a Satanás e seus demônios. Quando pensamos neles, instintivamente não os amamos, embora eles também tenham sido criados por Deus. Mas agora eles são plenamente dedicados ao mal e estão além da possibilidade de redenção. Assim, não podemos ansiar pela salvação deles como ansiamos pela redenção da humanidade. Devemos crer que a punição eterna é verdadeira e justa, todavia devemos também desejar que mesmo os que perseguem a igreja mais severamente se cheguem com fé a Cristo e, dessa forma, escapem da condenação eterna.

Autor: Wayne Grudem
Fonte: Teologia Sistemática do autor, Ed. Vida Nova
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