sábado, 6 de março de 2010

Porque amei a Jacó, porém, Odiei a Esaú - João Calvino

E as crianças não eram ainda nascidas (Rm 9.11-13). Ele agora começa a pôr-se mais a descoberto, a fim de mostrar a razão desta diferença, a qual, nos informa ele, deve ser encontrada unicamente na eleição divina. Inicialmente notara, de forma sucinta, que havia certa diferença entre os filhos naturais e os de Abraão, ou seja: ainda que, pela circuncisão, todos haviam
sido adotados na participação do pacto, todavia a graça divina não fora eficaz em todos eles. Portanto, aqueles que desfrutam dos benefícios divinos são os filhos da promessa. Paulo, não obstante, ou guardara silêncio, ou no mínimo fizera uma alusão um tanto velada sobre a causa desta ocorrência. Mas agora ele faz uma clara referência a toda a causa da eleição imerecida de Deus, a qual em hipótese alguma depende do homem. Na salvação dos santos não temos que buscar uma causa maior fora da munificência divina, e nenhuma causa maior na destruição dos réprobos além de sua justa severidade.
A primeira proposição de Paulo, pois, é a seguinte: "Como a bênção do pacto separa o povo de Israel de todas as demais nações, assim também a eleição divina faz distinção entre as pessoas desta nação, ao tempo em que predestina alguns para a salvação e outros para a condenação eterna.55 Eis a segunda proposição: "Não há outro fundamento para esta eleição senão unicamente a munificência divina, bem como sua mercê [revelada] desde a queda de Adão, a qual amplexa todos aqueles de quem ele se agrada, sem nenhuma consideração por suas obras, quaisquer que sejam elas.55 Eis a terceira: "O Senhor, em sua eleição totalmente imerecida, é livre e isento da necessidade de conceder igualmente a todos a mesma graça. Ao contrário, ele ignora a quem quer, e escolhe a quem lhe apraz.55 Paulo, sucintamente, enfeixa todas estas proposições numa só cláusula, e em seguida considerará os pontos restantes.
Ao afirmar: E as crianças não eram ainda nascidas, nem tinham praticado o bem ou o mal, está a demonstrar que Deus, ao fazer a diferença entre eles, não poderia ter levado em conta quaisquer obras que não haviam ainda vindo à existência. Os que apresentam um argumento contrário, dizendo que isto não constitui razão para a eleição divina não fazer diferença entre os homens segundo os méritos de suas obras - porquanto Deus prevê as obras futuras, as quais os farão ou não dignos ou merecedores de sua graça -, não conseguem perceber com a mesma lucidez de Paulo, porém se prejudicam pelo primeiro princípio de teologia, o qual deve ser bem mais conhecido dos cristãos, ou seja: que Deus não pode ver nada [de positivo] na natureza corrompida do homem, tal como demonstrado na pessoa de Jacó e Esaú, que o possa induzir a demonstrar seu favor» Quando, pois, Paulo diz que nem um deles, naquele tempo, havia feito qualquer bem ou mal, devemos adicionar, ao mesmo tempo, seu pressuposto de que eram ambos filhos de Adão, pecadores por natureza, sem a posse de uma única fagulha de justiça.
Não insisto na explanação destes pontos, porque o pensamento do apóstolo é obscuro. Entretanto, visto que os sofistas não se mostram satisfeitos com a simples afirmação de Paulo, e intentam escapar com distinções frívolas, então empenhei-me por mostrar que ele não estava de forma alguma desinformado acerca dos argumentos que alegavam, mas que eles mesmos eram cegos em relação aos princípios elementares da fé.
Além disso, ainda quando a corrupção que se difundiu por toda a raça humana é de si mesma suficiente para trazer condenação, mesmo antes de revelar sua natureza em feitos ou atos, segue-se deste fato que Esaú merecia ser rejeitado, porquanto era, por natureza, filho da ira. Não obstante, a fim de evitar ainda alguma sombra de dúvida, como se a condição de Esaú fosse pior em razão de algum vício ou deformação, era conveniente que Paulo excluísse os pecados não menos que as virtudes. E verdade que a causa imediata de reprovação consiste na maldição que todos nós herdamos de Adão. Não obstante, o apóstolo nos dissuade deste conceito, para que aprendamos a descansar exclusiva e simplesmente no beneplácito divino, até que se estabeleça a doutrina de que Deus tem uma causa suficientemente justa para situar a eleição e a reprovação em sua própria vontade.
Para que o propósito de Deus quanto à eleição prevalecesse. Em quase cada palavra ele insiste com seus leitores sobre a soberania da eleição divina. Se porventura as obras tivessem algum espaço, então teria dito: "para que a remuneração esteja relacionada com as obras". Não obstante, ele põe em confronto as obras [humanas] e o propósito divino^ o qual se acha contido tão-somente em seu próprio beneplácito. E para que nenhuma base para contenda sobre o tema viesse a lograr êxito, ele removeu toda e qualquer dúvida ao acrescentar outra cláusula, a saber: segundo a eleição, e então uma terceira: não por obras, mas por aquele que chama. Portanto, consideremos o contexto mais detidamente. Se porventura o propósito divino segundo a eleição é estabelecido em razão de mesmo antes que os irmãos houvessem nascido e pudessem praticar o bem ou o mal, um é rejeitado e o outro, eleito, então querer atribuir a causa da diferença entre ambos às suas obras é subverter o propósito divino. Ao adicionar, não por obras, mas por aquele que chama, sua intenção não era levar em conta as obras, e, sim, unicamente a vocação [divina]. O que Paulo pretende é excluir toda e qualquer consideração pelas obras. A perseverança de nossa eleição se acha total e exclusivamente compreendida no propósito divino. Os méritos [humanos] não são de nenhum proveito aqui, pois eles resultam somente em morte. A dignidade [humana] é desconsiderada, porque não existe nenhuma, senão que reina unicamente a munificência divina. Portanto, é falsa e contrária à Palavra de Deus a doutrina de que Deus ou elege ou reprova com base em sua previsão, se cada um é ou não digno de seu favor.
12. O mais velho será servo do mais moço. Observe-se bem como o Senhor faz distinção entre os filhos de Isaque, quando ainda se acham no ventre de sua mãe. O oráculo divino então aponta para Jaco. Segue-se disto que a vontade divina era mostrar ao filho mais jovem um favor particular, o qual negou ao mais velho. Ainda que esta promessa tivesse a ver com o direito de primogenitura, não obstante Deus declara sua vontade nele como um tipo de algo maior. Podemos ver isto mais claramente se levarmos em conta quão pouca vantagem, em relação à carne, Jacó obteve de sua primogenitura. Por causa dela, ele se viu exposto a um grande perigo. A fim de escapar do perigo, se viu obrigado a deixar seu lar e seu país, bem como se viu ameaçado, em seu exílio, a viver de uma forma desumana. Em seu retorno, cheio de tremores e de incertezas no tocante à sua vida, prostrou-se aos pés de seu irmão, humildemente rogou perdão para suas ofensas, e só escapou da morte porque seu irmão, Esaú, lhe ofereceu o perdão. Onde vamos encontrar o domínio de Jacó sobre seu irmão, de quem se viu obrigado a buscar sobrevivência agora tão ameaçada? Há, portanto, na resposta apresentada pelo Senhor, algo muito maior do que a primogenitura prometida.
13. Como está escrito: Amei a Jacó. O apóstolo confirma, usando um testemunho ainda mais forte, o quanto a promessa feita a Rebeca se relaciona com seu presente tema. A condição espiritual de Jacó era testemunhada por seu domínio, e a de Esaú, por sua servidão. Jacó também obteve este favor pela munificência divina, e não por seu próprio mérito. Esta declaração do profeta, portanto, revela por que o Senhor conferiu a primogenitura a Jacó. Ela é extraída de Malaquias 1, onde o Senhor declara sua benevolência para com os judeus, antes de reprová-los por sua ingratidão. "Eu vos amei, diz ele. E então acrescenta a fonte da qual seu amor fluía. "Não era Esaú irmão de Jacó? - como a dizer: "Que privilégio tinha ele [Jacó] para que eu lhe preferisse a seu irmão? Nenhum! Seus direitos eram iguais, exceto que o mais jovem devia, por direito natural, estar sujeito ao mais velho. No entanto, escolhi a Jacó e rejeitei a Esaú, movido a proceder assim unicamente pela minha misericórdia, e não por alguma dignidade que porventura houvesse em suas obras. E então vos adotei para que fosseis o meu povo, e assim pudesse mostrar-vos a mesma benevolência que revelei a Jacó. Contudo rejeitei os edomitas, descendentes de Esaú. Portanto, sois muitíssimo piores, visto que a lembrança deste grande favor nao pôde motivar-vos a adorar minha majestade.55 Ainda quando Malaquias menciona também as bênçãos terrenas que Deus derramara sobre os israelitas, não devem ser consideradas em nenhum outro sentido senão como sinais de sua munificência. Onde a ira divina for encontrada, a morte também estará presente. Mas onde o amor divino é encontrado, a vida igualmente se faz presente.

http://www.ocalvinista.com/2010/03/porque-amei-jaco-porem-odiei-esau-joao.html

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