quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Por onde andam os puritanos?


Renata Oliveira
Em suas duas últimas edições, Enfoque vem tratando dos movimentos reformadores do século 16. A reportagem de capa de outubro discutiu a herança das idéias de Lutero e da repercussão dos movimentos calvinista e arminiano. Em novembro, a revista falou sobre os anabatistas e, agora, aborda a contribuição puritana. Muitos cristãos não fazem justiça ao conceito de puritano, normalmente associado àqueles tidos como santarrões, legalistas e intransigentes. A visão puritana nasceu na Inglaterra com o movimento reformador e tinha o objetivo de purificar à luz da Palavra de Deus todas as instâncias da vida do indivíduo, fosse no âmbito religioso, social, profissional ou familiar.
Os puritanos não eram uma igreja, mas se autodenominavam pastores e líderes protestantes preocupados com o resultado da Reforma. “Eles estavam apreensivos com o fato que várias igrejas, especialmente a Anglicana, não haviam se reformado completamente e mantinham no culto e nos costumes práticas católicas”, explica Augustus Nicodemos, chanceler da Universidade Presbiteriana Mackenzie, em São Paulo, e pastor presbiteriano. Uma bandeira pela qual os puritanos muito lutaram foi o acesso à Bíblia — a tradução que eles fizeram da Bíblia ficou conhecida como King James Version. A ação foi considerada subversiva, e muitos puritanos tiveram de fugir, indo especialmente para a América do Norte.
A visão puritana discordava da dicotomia sagrado/profano, ou seja, sua vida religiosa era manifesta em qualquer lugar ou momento, não havendo diferenciação. Por isso, empreenderam mudanças tão profundas nas mais diferentes esferas da sociedade. De acordo com a tese de mestrado de Franklin Ferreira, professor no Seminário Teológico Batista do Sul do Brasil, o número de escolas primárias dobrou na Inglaterra enquanto os puritanos estiveram no poder. Oliver Cromwell, o grande líder inglês puritano estudado nas escolas sob uma visão desvinculada de sua verdadeira fé, fundou ou reabriu inúmeras escolas primárias. Também foram os puritanos que, em 1636, fundaram a Universidade de Harvard, em Massachusetts, Estados Unidos. Para eles, espiritualidade e erudição andavam juntas e se completavam.

PEREGRINOS
Outra prática nesse movimento foi a realização de ação social. Os puritanos organizaram muitas sociedades para que pudessem ajudar as pessoas a aprender uma vocação. “Diziam que quando alguém está varrendo um quarto, está ajudando o Reino de Deus, tanto quanto um grande pregador. Desta forma, os pobres começaram a sentir um novo senso de dignidade e a desenvolver os talentos que Deus havia lhes concedido”, explica Ferreira. Ele acrescenta ainda que os crimes praticados caíram tremendamente no período em que os puritanos estavam no poder. “Eles reestruturaram a economia de tal forma que a partir de então o pobre poderia participar”, completa.
Augustus Nicodemos acredita que, embora o movimento puritano não possa ser reproduzido, ainda influencia muitos líderes e denominações

Doutrinariamente, os puritanos mantinham a fé reformada, sobretudo no que diz respeito aos conceitos desenvolvidos por João Calvino e ao entendimento de que a Bíblia é o norteador da vida cristã. Segundo J. I. Parker, um dos maiores teólogos puritanos, “nenhum indivíduo devia fazer alguma coisa que a sua consciência, orientada pela Bíblia, não pudesse aprovar”.
A vida puritana consistia em ser alguém de um mundo vindouro enfrentando os desafios de um mundo presente. Essa visão está impressa no livro O peregrino (Mundo Cristão), de John Bunyon, que foi por muito tempo o livro cristão de ficção mais vendido em todo o mundo. Foram milhões de exemplares que chegaram a dezenas de nações, contando a história de Cristão, um homem temente a Deus que deixa tudo para seguir uma jornada com destino à Cidade Celestial. No caminho, ele encontra personagens com os sugestivos nomes de Evangelista, Adulação, Malícia e Vigilância, dentre outros.

HERANÇA
No Brasil, o movimento puritano chegou sobretudo assim, por meio de literatura. “Não creio que haja herdeiros do movimento puritano no Brasil, até porque o movimento estava ligado inseparavelmente a uma época, a uma cultura e a um lugar. Não há como reproduzir o movimento puritano dos séculos 16 e 17 no Brasil, embora tenha havido algumas tentativas. Contudo, podemos identificar um interesse crescente dentro do evangelicalismo brasileiro pela literatura produzida pelos puritanos, tanto antigos quanto mais recentes, como Martyn Lloyd-Jones, R. C. Sproul, John MacArthur, J. I. Packer”, explica Nicodemos. Ele ressalta a ocorrência crescente de encontros e congressos sobre a fé reformada em todo o Brasil como um indício de proximidade com a visão puritana.

O peregrino, de John Bunyon, é uma obra baseada nos princípios e valores defendidos pelos puritanos

A herança puritana, portanto, não está ligada a uma denominação, mas a um modo de viver o cristianismo. E essa influência atinge diferentes comunidades, sejam elas tradicionais ou pentecostais. Para Nicodemos, há quatro principais contribuições puritanas. A primeira seria um modelo histórico de um grupo cristão que “soube combinar piedade e erudição, coração e mente, cultura e devoção”. Em segundo lugar, eles mostraram a necessidade de insistir na renovação da Igreja, à luz da Palavra de Deus. O terceiro ponto diz respeito a uma espiritualidade sólida, que não despreza a mente e nem a intelectualidade, “uma excelente alternativa para o misticismo neopentecostal e para a espiritualidade católica que estão disseminadas no evangelicalismo brasileiro”, sugere Nicodemos. E, por fim, a capacidade de apresentar de maneira prática e popular os grandes pontos teológicos das Escrituras.

www.revistaenfoque.com.br

2 comentários:

  1. Queria saber se há algum seminário Batista Reformado aqui no Brasil... :(

    Parece que não há nenhum!

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  2. voces são todos loucos

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