sábado, 27 de novembro de 2010

Justificação – Estudo intensivo


(estudo completo de Louis Berkhof )
A. Termos Bíblicos Para Justificação e Seus Significados.
1. O TERMO DO VELHO TESTAMENTO. O termo hebraico para “justificar” é hitsdik, que, na grande maioria dos casos, significa “declarar judicialmente que o estado de uma pessoa está na harmonia com as exigências da lei”, Êx 23.7; Dt 25.1; Pv 17.5; Is 5.23. O piel tsiddek ocasionalmente tem o mesmo significado, Jr 3.11; Ez 16.50, 51. O sentido destas palavras é, pois, estritamente forense ou legal. Desde que os católicos romanos, certos representantes da teoria da influência moral da expiação, como John Young, de Edimburgo, e Horace Buschnell, e também os unitários e os teólogos “liberais” modernos negam o significado legal do termo “justificar” e lhe atribuem o sentido moral de “tornar justo ou reto”, é importante observar cuidadosamente as considerações que podem ser induzidas a favor do significado legal. Que esta é a denotação certa vê (a) pelos termos postos em contraste com ele, como, por exemplo, “condenação”, Dt 25.1; Pv 17.15; Is 5.23; (b) pelos termos correlatos colocados em justaposição com ele e que muitas vezes implicam um processo de julgamento, Gn 18.25; Sl 143.2; (c) pelas expressões equivalentes às vezes empregadas, Gn 15.6; Sl 32.1, 2; e (d) pelo fato de que passagens como a de Pv 17.15 redundariam num sentido impossível, se a palavra significasse “tornar justo”. Sim, pois, nesta passagem, o sentido seria então: Aquele que melhora moralmente a vida dos ímpios é abominação para o Senhor. Há porém, um par de passagens em qua palavra significa mais que simplesmente “declarar justo”, quais sejam, Is 53.11 e Dn 12.3. Mas mesmo nestes casos, o sentido não é “tornar bom ou santo”, mas sim, “alterar a condição de modo que o homem possa ser considerado justo”.
2. OS TERMOS DO NOVO TESTAMENTO E O SEU EMPREGO. Temos aqui:
a. O verbo diakaioo. Este verbo significa, em geral, “declarar que uma pessoa é justa”. Ocasionalmente se refere a uma declaração pessoal de que o caráter moral da pessoa está em conformidade com a lei, Mt 12.37; Lc 7.29; Rm 3.4. Nas epístolas de Paulo, é evidente que o significado soteriológico do termo ocupa o primeiro plano. É, “declarar em termos forenses que as exigências da lei, como condição de vida, estão plenamente satisfeitas com relação a uma pessoa”, At 13.39; Rm 5.1, 9; 8.30-33; 1 Co 6.11; Gl 2.16; 3.11. No caso desta palavra, exatamente como no hitsdik, o sentido forense do termo é comprovado pelos seguintes fatos: (a) em muitos casos ela não se presta para outro sentido, Rm 3.20-28; 4.5-7; 5.1; Gl 2.16; 3.11; 5.4; (b) é posta em relação antiética com o termo “condenação” em Rm 8.33, 34; (c) expressões equivalentes e intercambiáveis veiculam uma idéia judicial ou legal, Jo 3.18; 5.24; Rm 4.6,7; 2 Co 5.19; e (d) se não tivesse este sentido, não haveria distinção entre justificação e santificação.
b. A palavra dikaios. Esta palavra, ligada ao verbo que acabamos de comentar, é peculiar em que nunca expressa o que uma coisa é em si mesma, mas sempre o que é em relação a alguma outra coisa, a algum padrão que está fora dela, ao qual ela deveria corresponder. Nesse aspecto, difere de agathos. No grego clássico, por exemplo, o termo dikaios é aplicado a um carro, a um cavalo ou a qualquer outra coisa, com o fim de indicar que a coisa referida é própria para o uso pretendido. Agathos expressa a idéia de que uma coisa corresponde em si mesma ao ideal. Na Escritura, um homem pode ser chamado dikaios quando, no juízo de Deus, a sua relação com a lei é o que deve ser, ou quando a sua vida é tal como se requer que sejam por sua relação judicial com Deus. Isto pode incluir a idéia de que ele é bom, mas somente de um certo ponto de vista, a saber, o da sua relação judicial com Deus.*
c. O substantivo dikaios, justificação. Vê-se apenas em dois lugares do Novo Testamento, a saber, Rm 4.25 e 5.18. Denota o ato de Deus pelo qual Ele declara os homens livres da culpa e aceitáveis a Ele. O estado resultante é indicado pela palavra dikaiosyne.
3. A IDÉIA DE JUSTIFICAÇÃO RESULTANTE. Nossa palavra justificação (do latim justificare, composta de justus efacere, e, portanto, significando “tornar justo”), precisamente como no termo holandês rechtvaardigmaking, está sujeita a dar a impressão de que a justificação denota uma mudança produzida no homem, o que não é o caso. No uso da palavra inglesa (justification), o perigo não é tão grande, porque o povo em geral não entende a sua derivação,** e no idioma holandês pode-se impedir o risco empregando as palavras correlatas rechtvaardigen e rechtvaardiging. “Justificar”, no sentido escriturístico da palavra, é efetuar uma relação objetiva, o estado da justiça, por uma sentença judicial. Isto pode ser feito de duas maneiras: (a) levando em conta a condição subjetiva real de uma pessoa (justificar o justo, o reto), Tg 2.21; ou (b) imputando a uma pessoa a justiça ou retidão de outra, isto é, considerando-a justa, apesar de ser interiormente injusta. Este último é o sentido usual da justificação no Novo Testamento.
B. A Doutrina da Justificação na História.
A doutrina da justificação pela fé nem sempre foi claramente compreendida. De fato, até à época da Reforma, ela não encontrou sua expressão clássica. Consideremos resumidamente:
1. A DOUTRINA ANTES DA REFORMA. Alguns dos mais antigos pais da igreja, assim chamados, já falavam da justificação pela fé, mas é mais que evidente que não tinham um claro entendimento da justificação e da sua relação com a fé. Além disso, não distinguiam agudamente entre a regeneração e a justificação. Uma apresentação muito comum era que a regeneração tem lugar no batismo e inclui perdão dos pecados. Mesmo Agostinho não parece ter tido uma correta compreensão da justificação como ato legal, distinto do processo moral de santificação, embora seja evidente, pelo teor dos seus ensinos e também por declarações isoladas, que ele considerava a graça de Deus na redenção dos pecadores como livre (gratuita), soberana e eficaz, e de modo nenhum dependente de quaisquer méritos dos homens. Continuou-se a confundir a justificação com a santificação na Idade Média e aos poucos ela foi adquirindo um aspecto mais positivo e doutrinário. De acordo com os ensinos predominantes dos escolásticos, a justificação inclui dois elementos: os pecados do homem são perdoados, e ele é transformado em justo ou reto. Havia diferenças de opinião quanto à ordem lógica destes dois elementos, alguns invertendo a ordem recém-indicada. Isso também foi feito por Tomaz de Aquino, e o seu conceito prevaleceu na Igreja Católica Romana. A graça é infundida no homem, e, por esta graça infusa ele é tornado justo e, em parte com base nela, os seus pecados são perdoados. Isto já foi uma aproximação à daninha doutrina dos méritos humanos, que se desenvolveu gradativamente na Idade Média, em conexão com a doutrina da justificação. Recebeu crescente apoio a doutrina de que, em parte, o homem é justificado com base nas suas boas obras. A confusão da justificação com a santificação levou também a opiniões divergentes sobre outro ponto. Alguns escolásticos falavam da justificação como um ato instantâneo de Deus, enquanto outros a descreviam como um processo. Nos Cânones e Decretos do Concílio de Trento vemos o seguinte, no Capítulo XVI, Cânone IX: “Se alguém disser que somente pela fé o ímpio é justificado em termos tais que signifique que nada mais se requer para cooperar para a obtenção da graça da justificação, e que de modo nenhum é necessário que ele seja preparado e ajustado pelos impulsos da sua própria vontade: seja anátema”. E o Cânone XXIV fala de um aumento da justificação e, portanto, a concebe como um processo: “Se alguém disser que a justiça recebida não é preservada e que também não é aumentada diante de Deus por meio das boas obras, mas que ditas obras são simplesmente frutos e sinais da justificação obtida, e não uma causa do seu aumento: seja anátema”.
2. A DOUTRINA DEPOIS DA REFORMA. A doutrina da justificação foi o grande princípio material da Reforma. Com respeito à natureza da justificação, os Reformadores corrigiram o erro de confundir a justificação com a santificação, salientando o seu caráter legal e descrevendo-a como um ato da livre graça de Deus pelo qual Ele perdoa os nossos pecados e nos aceita como justos aos Seus olhos, mas não nos muda interiormente. No que interessa à base da justificação, eles rejeitaram a idéia de Roma de que ela está, ao menos em parte, na justiça inerente dos regenerados e nas obras, e a substituíram pela doutrina de que o seu fundamento se acha unicamente na justiça do Redentor a nós imputada. E com relação ao meio da justificação, eles davam ênfase ao fato de que o homem é justificado gratuitamente pela fé que recebe a Cristo e nele descansa unicamente para a salvação. Além disso, eles rejeitaram a doutrina de uma justificação progressiva, e afirmavam que ela é instantânea e completa, e não depende para a sua consumação de mais nenhuma satisfação pelo pecado. Eles se opuseram aos socinianos, que sustentavam que os pecadores obtêm perdão e aceitação da parte de Deus, por Sua misericórdia, com base em seu arrependimento e em sua reforma pessoal. Os arminianos não estão todos de acordo sobre o assunto, mas em geral se pode dizer que eles limitam o escopo da justificação de molde a incluir somente o perdão dos pecados, com base da justiça de Cristo imputada ao pecador. Este só é considerado justo com base em sua fé ou em sua vida de obediência. Os neonômios da Inglaterra concordavam em geral com eles sobre este ponto. Para Schleiermacher e Ritschl a justificação significava pouco mais que o fato de tornar-se o pecador cônscio do seu erro em pensar que Deus estava zangado com ele. E na teologia “liberal” moderna, de novo encontramos a idéia de que Deus justifica o pecador mediante o melhoramento moral da sua vida. Este conceito de justificação acha-se por exemplo, na obra de Bushnell, Vicarous Sacrifice (Sacrifício Vicário), e na de Macintosh, Theology as an Empirical Science (Teologia como uma Ciência Empírica).
C. Natureza e Características da Justificação.
A justificação é um ato judicial de Deus, no qual Ele declara, com base na justiça de Jesus Cristo, que todas as reivindicações da lei são satisfeitas com vistas ao pecador. Ela é singular, na obra da redenção, em que é um ato judicial de Deus, e não um ato ou processo de renovação, como é o caso da regeneração, da conversão e da santificação. Conquanto diga respeito ao pecador, não muda a sua vida interior. Não afeta a sua condição, mas, sim, o seu estado ou posição, e nesse aspecto difere de todas as outras principais partes da ordem da salvação. Ela envolve o perdão dos pecados e a restauração do pecador ao favor divino. O arminiano sustenta que ela inclui somente aquele, e não esta; mas a Bíblia ensina claramente que o fruto da justificação é muito mais que o perdão. Os que são justificados têm “paz com Deus”, segurança da salvação, Rm 5.1-10, e uma “herança entre os que são santificados”, At 26.18. Devemos observar os seguintes pontos de diferença entre a justificação e a santificação.
1. A justificação remove a culpa do pecado e restaura o pecador a todos os direitos filiais envolvidos em seu estado de filho de Deus, incluindo uma herança eterna. A santificação remove a corrupção do pecado e renova o pecador constante e crescentemente, em conformidade com a imagem de Deus.
2. A justificação dá-se fora do pecador, no tribunal de Deus, e não muda a sua vida interior, embora a sentença lhe seja dada a conhecer na vida interna do homem e gradativamente afete todo o seu ser.
3. A justificação acontece uma vez por todas. Não se repete, e não é um processo; é imediatamente completa e para sempre. Não existe isso, de mais ou menos justificação; ou o homem é plenamente justificado, ou absolutamente não é justificado. Em distinção disto, a santificação é um processo contínuo, que jamais se completa nesta existência.
4. Enquanto que a causa meritória de ambas está nos méritos de Cristo, há uma diferença na causa eficiente. Falando em termos de economia, Deus o Pai declara justo o pecador, e Deus o Espírito o santifica.
D. Elementos da Justificação.
Distinguimos dois elementos na justificação, um negativo e o outro positivo.
1. O ELEMENTO NEGATIVO. Há primeiramente um elemento negativo na justificação, qual seja, a remissão dos pecados com base na obra expiatória de Jesus Cristo. Este elemento se baseia mais particularmente, embora não exclusivamente, na obediência passiva do Salvador. Calvino e alguns dos teólogos reformados mais antigos falam ocasionalmente como se este elemento constituísse a justificação completa. Isto se deve, em parte, à descrição veterotestamentária, na qual este lado da justificação está decisivamente no primeiro plano, Sl 32.1; Is 43.25; 44.22; Jr 31.34, e em parte à sua reação contra Roma que não faz justiça ao elemento da graça e do perdão gratuito. Contudo, em reação ao arminianismo, a teologia reformada sempre sustentou que a justificação é mais que perdão. Tanto o Velho Testamento como o Novo dão prova de que o perdão dos pecados é um elemento importante da justificação, como se vê em passagens como Rm 4.5-8; 5.18, 19; Gl 2.17.
O perdão concedido na justificação aplica-se a todos os pecados, passados, presentes e futuros, e, desse modo, envolve a remoção de toda culpa e de toda penalidade. Isto decorre do fato de que a justificação não admite repetição, e de passagens como Rm 5.21; 8.1, 32-34; Hb 10.14; Sl 103.12; Is 44.22, que nos asseguram que ninguém pode lançar nada na conta do homem justificado, que isento da condenação, e que é constituído da vida eterna. Também está implícito na resposta à pergunta n.º 60 do Catecismo de Heidelberg. Esta concepção de justificação, embora eminentemente escriturística, não está livre de dificuldade. Os crentes continuam a pecar depois de justificados, Tg 3.2; 1 Jo 1.8, e, como os exemplos bíblicos mostram claramente, muitas vezes caem em pecados graves. Daí, não admira que Barth goste de acentuar o fato de que o homem justificado continua sendo um pecador, se bem que um pecador justificado. Cristo ensinou os Seus discípulos a orar diariamente pelo perdão dos pecados, Mt 6.12, e os santos da Bíblia estão freqüentemente suplicando e obtendo perdão, Sl 32.5; 51.1-4; 130.3, 4. Conseqüentemente, não é surpreendente que alguns se sintam constrangidos a falar de uma justificação repetida. Dos dados para os quais chamamos a atenção, a igreja de Roma infere que os crentes precisam, de algum modo, expiar os pecados cometidos depois do batismo, e, daí, crê também numa justificação crescente. Por outro lado, os antinomianos, desejando honrar a ilimitada graça perdoadora de Deus, afirmam que os pecados dos crentes não são atribuídos como tais ao novo homem, mas unicamente ao velho homem, e que lhes é completamente desnecessário orar pelo perdão dos pecados. Por temor desta posição, até alguns teólogos reformados sentiam escrúpulos quanto a ensinar que os futuros pecados dos crentes também são perdoados na justificação, e falavam de uma justificação repetida, e mesmo de uma justificação diária.[1] Contudo, a posição usual da teologia reformada (calvinista) é que, na justificação, Deus deveras remove a culpa, mas não a culpabilidade do pecado, isto é, Ele remove a justa sujeição do pecador à punição, mas não a culpabilidade inerente de quaisquer pecados que ele continue praticando. Esta permanece e, portanto, produz sempre nos crentes um sentimento de culpa, de separação de Deus, de tristeza, de arrependimento, e assim por diante. Daí, eles sentem a necessidade de confessar os seus pecados, mesmo os pecados da sua mocidade, Sl 25.7; 51.5-9. O crente que está realmente cônscio do seu pecado, sente no íntimo uma compulsão que o impele a confessa-lo e a buscar a consoladora segurança do perdão. Alem disso, tal confissão e oração não é apenas uma necessidade sentida subjetivamente, mas também uma necessidade objetiva. A justificação e, essencialmente, uma declaração acerca do pecador no tribunal de Deus, mas não é meramente isso; é também um actus transiens (ato em transição) que penetra a consciência do crente. A sentença divina de absolvição é dada a conhecer ao pecador e desperta a jubilosa consciência do crente. A sentença divina de absolvição é dada a conhecer ao pecador e desperta a jubilosa consciência do perdão dos pecados e do favor de Deus. Ora, esta consciência do perdão e de um renovado relacionamento filial muitas vezes é perturbada e obscurecida pelo pecado, e de novo é despertada e fortalecida pela confissão e oração, e por um renovado exercício da fé.
2. O ELEMENTO POSITIVO. Há também um elemento positivo na justificação, o qual se baseia mais particularmente na obediência ativa de Cristo. Naturalmente, aqueles que, como Piscator e os arminianos, negam a imputação da obediência ativa de Cristo ao pecador, com isso negam também o elemento positivo da justificação. De acordo com eles, a justificação deixa o homem sem nenhum direito à vida eterna, coloca-o simplesmente na situação de Adão antes da Queda, embora, segundo os arminianos, debaixo de uma lei diferente, a lei da obediência evangélica, e deixa a cargo do homem fazer por merecer a aceitação da parte de Deus e a vida eterna, pela fé e obediência. Mas é evidente, na Escritura, que a justificação é mais que o perdão puro e simples. A Josué, o sumo sacerdote, que, como representante de Israel, estava perante o Senhor usando vestes sujas, disse Jeová: “Eis que tenho feito que passe de ti a tua iniqüidade (elemento negativo), e te vestirei de finos trajes” (elemento positivo), Zc 3.4. Segundo At 26.18, obtemos pela fé “remissão de pecados e herança entre os que são santificados”. Romanos 5.1, 2 nos ensina que a fé nos traz não somente paz com Deus, mas também acesso a Deus e alegria na esperança da glória. E segundo Gl 4.5, Cristo nasceu sob a lei também “a fim de que recebêssemos a adoção de filhos”. Neste elemento positivo podemos distinguir duas partes:
a. A adoção de filhos. Os crentes são, antes de tudo, filhos de Deus por adoção. Isto implica, naturalmente, que eles não são filhos de Deus por natureza, como os “liberais” modernos gostariam de fazer-nos acreditar, pois ninguém iria adotar os seus próprios filhos. Esta adoção é um ato legal, pelo qual Deus coloca o pecador no estado de filho, mas não o transforma interiormente, como tampouco os pais mudam, pelo mero ato de adoção, a vida interior de um filho adotado. A mudança efetuada tem que ver com a relação em que o homem se acha com Deus. Em virtude da sua adoção, os crentes são, por assim dizer, iniciados na própria família de Deus, ficam sob a lei da obediência filial e, ao mesmo tempo, passam a ter direito a todos os privilégios da filiação. Devemos distinguir cuidadosamente a doação da filiação moral dos crentes, filiação resultante da regeneração e da santificação. Eles não são somente adotados por Deus para serem Seus filhos, mas também são nascidos de Deus. Naturalmente, as duas coisas não podem separar-se. São mencionadas juntas em Jo 1.12; Rm 8.15, 16; Gl 3.26, 27; 4.5, 6. Em Rm 8.15 é empregado o termo hyothesia (de hyios e tithenai), que significa “colocar ou posicionar como filho”, e no grego clássico é sempre empregado para denotar uma colocação objetiva na posição de filho. O versículo subseqüente contém a palavra tekna (de tikto, “gerar”), que qualifica os crentes como gerados por Deus. Em Jo1.12 a idéia de adoção é expressa pelas palavras: “Mas, a todos quantos o receberam, deu-lhes o poder (exousian edoken) de serem feitos filhos de Deus”. A expressão aí empregada significa “dar direito legal”. Imediatamente após, no versículo 13, o escritor fala da filiação ética, devida à regeneração. A conexão entre ambas é exposta claramente em Gl 4.5, 6...”a fim de que recebêssemos a adoção de filhos. E, porque vós sois filhos (por adoção), enviou Deus aos nossos corações o Espírito de seu Filho, que clama: Aba, Pai”. O Espírito de Cristo nos regenera e nos santifica e nos move a dirigir-nos a Deus cheios de confiança, vendo-o como o Pai que é.
b. O direito à vida eterna. Este elemento está virtualmente incluído no anterior. Quando os pecadores são adotados para serem filhos de Deus, são revestidos de todos os direitos filiais legais e se tornam herdeiros de Deus e co-herdeiros com Cristo, Rm 8.17. Isto significa, antes de tudo, que eles se tornam herdeiros de todas as bênçãos da salvação na presente vida, sendo que a mais fundamental delas é descrita com as palavras, “o Espírito prometido”, isto é, a bênção é oferecida na forma do Espírito, Gl 3.14; e, numa frase um pouco diferente, “o Espírito de seu Filho”, Gl 4.6. E no Espírito e com Ele, recebem todos os dons de Cristo. Mas isto não é tudo; sua herança inclui também as bênçãos eternas da vida futura. A glória de que Paulo fala em Rm 8.17 vem em seguida aos sofrimentos do tempo presente. De acordo com Rm 8.23, a redenção do corpo, que ali é chamada “adoção”, também pertence à herança futura. E na ordo salutis de Rm 8.29, 30, aglorificação está ligada imediatamente à justificação. Sendo justificados pela fé, os crentes são herdeiros da vida eterna.
E. Esfera em Que Ocorre a Justificação.
A questão quanto à esfera em que ocorre em que ocorre a justificação deve ser respondida com discriminação. É costume distinguir entre uma justificação ativa e uma passiva, também denominadas objetiva e subjetiva, cada qual com a sua própria esfera.
1. JUSTIFICAÇÃO ATIVA OU OBJETIVA. Esta é a justificação no sentido mais fundamental da palavra. É básica em relação ao que se chama justificação subjetiva, e consiste numa declaração que Deus faz a respeito do pecador, declaração feita no tribunal de Deus. Não se trata de uma declaração de que Deus simplesmente absolve o pecador, sem levar em conta as reivindicações da justiça, mas, sim, de uma declaração divina de que, no caso do pecador em foco, as exigências da lei são satisfeitas. O pecador é declarado justo em vista do fato de que a justiça de Cristo lhe é imputada. Nesta transação Deus comparece, não como um Soberano absoluto que simplesmente põe de lado a lei, mas como um Juiz justo, que reconhece os méritos infinitos de Cristo como uma base suficiente para a justificação, e como um Pai misericordioso, que perdoa e aceita graciosamente o pecador. Esta justificação ativa antecede logicamente à fé e a justificação passiva.Cremos no perdão dos pecados.
2. JUSTIFICAÇÃO PASSIVA OU SUBJETIVA. A justificação passiva ou subjetiva tem lugar no coração ou na consciência do pecador. Uma justificação puramente objetiva, que não fosse dada a conhecer ao pecador, não corresponderia ao propósito colimado. A concessão de perdão a um prisioneiro não significaria nada, se as alegres novas não lhe fossem comunicadas e as portas da prisão não fossem abertas. Ale´m disso, é exatamente neste ponto, melhor do que noutro qualquer, que o pecador aprende a entender que a salvação é inteiramente de graça. Quando a Bíblia fala de justificação, normalmente se refere àquilo que é conhecido como justificação passiva. Deve-se ter em mente, porem, que as duas são inseparáveis. Uma se baseia na outra. Faz-se a distinção simplesmente para facilitar a correta compreensão do ato de justificação. Logicamente, a justificação passiva vem em seguida à fé; somos justificados pela fé.
F. Ocasião em que se da a Justificação.
Alguns teólogos separam cronologicamente a justificação ativa e passiva. Neste caso, dizem que a justificação ativa deu-se na eternidade, ou quando da ressurreição de Cristo, ao passo que a justificação passiva realiza-se pela fé, e, portanto, assim se diz, segue-se à outra, no sentido cronológico. Consideremos sucessivamente a justificação desde a eternidade, a justificação na ressurreição de Cristo e a justificação pela fé.
1. JUSTIFICAÇÃO DESDE A ETERNIDADE. Os antinomianos afirmavam que a justificação do pecador aconteceu na eternidade ou na ressurreição de Cristo. Eles a confundiam, quer com o decreto eterno de eleição, quer com a justificação objetiva de Cristo., quando Ele ressurgiu dos mortos. Eles não distinguiam acertadamente entre o propósito divino na eternidade e sua execução no tempo, nem entre a obra de Cristo, em que Ele obteve as bênçãos da redenção, e a do Espírito Santo, na aplicação delas. Segundo esta posição, somos justificados antes de crermos, embora inconscientes disto, e a fé apenas nos transmite a declaração deste fato. Além disso, o fato de que os nossos pecados foram imputados a Cristo faz dele pessoalmente um pecador, e a imputação da Sua justiça a nós faz-nos pessoalmente justos, de modo que Deus não pode ver absolutamente nenhum pecado nos crentes. Alguns teólogos reformados também falam de uma justificação desde a eternidade, mas, ao mesmo tempo, recusam-se a subscrever a elaboração antinomiana desta doutrina. As bases sobre as quais eles acreditam numa justificação desde a eternidade merecem breve consideração.
a. Bases da doutrina da justificação desde a eternidade.
(1) A Escritura fala de uma graça ou misericórdia de Deus que é desde a eternidade, Sl 25:6; 103.17. Ora, toda graça ou misericórdia que seja desde a eternidade tem que ter como sua base judicial uma justificação que seja também desde a eternidade. Mas, em resposta a isto, pode-se dizer que existem misericórdias e bondades eterna de Deus que não são baseadas em nenhuma justificação do pecador, como, por exemplo, o Seu plano de redenção, a dádiva de Seu Filho e a voluntária função de penhor exercida por Cristo no pactum salutis.
(2) No pactum salutis a culpa dos pecados dos eleitos foi transferida para Cristo, e a justiça de Cristo lhes foi imputada. Quer dizer que o fardo do pecado foi retirado dos ombros deles e que eles foram justificados. Pois bem, não há dúvida de que houve certa imputação da justiça de Cristo ao pecador no conselho de redenção, mas nem toda imputação pode ser chamada justificação, no sentido escriturístico do termo. Devemos distinguir entre o que teve apenas um caráter ideal no conselho de Deus e aquilo que se concretiza no transcurso da historia.
(3) O pecador recebe a graça inicial da regeneração sobre a base da justiça de Cristo a ele imputada. Conseqüentemente, os méritos de Cristo têm que lhe ser imputados antes da sua regeneração. Mas apesar desta consideração levar à conclusão de que a justificação precede logicamente à regeneração, isto não prova a prioridade cronológica da justificação. O pecador não pode receber a graça da regeneração com base numa justificação existente idealmente no conselho de Deus e que conta com a certeza de que se concretizará na vida do pecador.
(4) As crianças também precisam da justificação, para serem salvos, e, todavia, é-lhes totalmente impossível experimentar a justificação pela fé. Mas, embora seja mais que certo que as crianças que ainda não atingiram a maturidade não podem ter experiência da justificação passiva, podem ser justificados ativamente no tribunal de Deus e, assim, podem ter posse daquilo que é absolutamente essencial.
(5) A justificação é um ato imanente de Deus e, como tal, só pode ser oriundo da eternidade. Não é bem correto, porém, falar da justificação como um actus immanens (ato imanente) em Deus; é, antes, um actus transiens (ato transitivo), exatamente como a criação a encarnação e outros mais. Os defensores da justificação desde a eternidade vêem o peso desta consideração e, daí, apressam-se a garantir-nos que eles não pretendem ensinar que os eleitos são justificados desde a eternidade actualiter (em termos de ação concretizada), mas unicamente na intenção de Deus, no decreto divino. Isto nos leva de volta à distinção usual entre o conselho de Deus e sua e sua execução. Se esta justificação presente na intenção de Deus nos permite falar de uma justificação desde a eternidade, então não há absolutamente nenhum motivo pelo qual não devamos falar também de uma criação desde a eternidade.
b. Objeções à doutrina da justificação desde a eternidade.
(1) A Bíblia ensina uniformemente que a justificação se dá pela fé ou é provinda da fé. Naturalmente, isto se aplica à justificação passiva ou subjetiva, que, entretanto, não pode separar-se cronologicamente da justificação ativa ou objetiva, exceto no caso das crianças. Mas, se a justificação se realiza pela fé, certamente não precede à fé, no sentido cronológico. Ora, é certo que os defensores da justificação desde a eternidade também falam da justificação pela fé. Mas, na sua descrição da matéria, isto só pode significar que, pela fé, o homem ganha consciência daquilo que Deus fez na eternidade.
(2) Em Rm 8.29, 30, onde vemos alguns dos degraus (scalae) da ordo salutis (ordem da salvação), a justificação está entre dois atos de Deus realizados no tempo, quais sejam, a vocação e a glorificação, sendo que esta começa no tempo e se completa na eternidade futura. E estes três , juntos, resultam de outros dois que são explicitamente indicados como eternos. O dr. Kuyper não tem base para dizer que Rom 8.30 se refere àquilo que aconteceu com os regenerados antes de nascerem, como até o dr. De Moor, que também acredita numa justificação desde a eternidade, mostra-se disposto a admitir.[2]
(3) Ao ensinar-se a justificação desde a eternidade, o decreto de Deus a respeito da justificação do pecador, que é umactus immanens, é identificado com a própria justificação, que é um actus transiens. Isto só leva a confusão. O que teve lugar no pactum salutis (aliança da salvação) não pode ser identificado com o que disso resulta. Toda imputação ainda não é justificação. A justificação é um dos frutos da obra redentora de Cristo aplicada aos crentes pelo Espírito Santo. Mas o Espírito não aplicou, nem poderia aplicar, este ou qualquer outro fruto da obra de Cristo desde a eternidade.
2. JUSTIFICAÇÃO NA RESSURREIÇÃO DE CRISTO. A idéia de que, nalgum sentido da expressão, os pecadores são justificados na ressurreição de Cristo, foi apregoada por alguns arminianos, é ensinada por aqueles teólogos reformados (calvinistas) que acreditam numa justificação desde a eternidade, e também é definida por alguns outros eruditos reformados. Este conceito se funda nas seguintes base:
a. Com Sua obra expiatória, Cristo satisfez todas as exigências da lei pelo Seu povo. Na ressurreição de Cristo dentre os mortos, o Pai declarou publicamente que todas as condições da lei foram preenchidas para todos os eleitos e, com isso, eles foram justificados. Mas aqui também se requer uma distinção muito cuidadosa. Mesmo que seja verdade que houve uma justificação objetiva de Cristo e de todo o corpo de Cristo em Sua ressurreição, não se deve confundir isto com a justificação do pecador a que a Bíblia se refere. Não é verdade que, quando Cristo prestou plena satisfação ao Pai por todos os Seus, a culpa destes acabou naturalmente. O débito penal não é como uma dívida pecuniária, neste sentido. Mesmo depois de pago o resgate, a remoção da culpa pode depender de certas condições, e não ocorre como um resultado liquido e certo. No sentido escriturístico, os eleitos não são justificados enquanto não aceitam a Cristo pela fé, apropriando-se assim dos Seus méritos.
b. Em Rm 4.25 lemos que Cristo “ressuscitou por causa da (dia, causal) nossa justificação”, isto é, para efetuar a nossa justificação. Pois bem, é indubitavelmente certo que dia com o acusativo é causal nesta passagem. Ao mesmo tempo, não é necessariamente retrospectiva, mas também pode ser retrospectiva e, daí, pode significar “com vistas à nossa justificação”, o que equivale dizer: “ a fim de que pudéssemos ser justificados”. A interpretação retrospectiva entraria em conflito com o contexto imediatamente subseqüente, que mostra claramente: (1) que Paulo não está pensando na justificação objetiva de todo o corpo de Cristo, mas na justificação pessoal dos pecadores; e (2) que ele entende que isto se dá por meio da fé.
c. Em 2 Co 5.19 lemos: “Deus estava em Cristo, reconciliando consigo o mundo, não imputando aos homens as suas transgressões”. Desta passagem se deduz a inferência de que a reconciliação do mundo com Cristo envolve a não imputação do pecado ao pecador. Mas esta interpretação não é correta. O que o apostolo que dizer é, evidentemente: Deus estava em Cristo reconciliando Consigo o mundo, como transparece no fato de que Ele não imputa aos homens os seus pecados, e de que Ele confiou aos Seus servos a palavra da reconciliação. Observe-se que me logizomenos (tempo presente) refere-se a algo que está indo avante constantemente. Não se pode conceber que isto faz parte da reconciliação objetiva, pois, neste caso, a clausula seguinte, “e nos confiou a palavra da reconciliação”, também teria que ser interpretada assim, o que é inteiramente impossível.
Com relação a esta matéria, pode-se dizer que podemos falar de uma justificação do corpo global de Cristo em Sua ressurreição, mas esta justificação é puramente objetiva, e não deve ser confundida com a justificação pessoal do pecador.
3. JUSTIFICAÇÃO PELA FÉ.
a. Relação da fé com a justificação. Diz a Escritura que somos justificados dia pisteos, ek pisteos, ou pistei (dativo), Rm 3.25, 28, 30; Gl 2.16; Fp 3.9. A preposição dia salienta o fato de que a fé é o instrumento pelo qual nos apropriamos de Cristo e Sua justiça. A preposição ek indica que a fé precede logicamente à nossa justificação pessoal, de sorte que, por assim dizer, esta tem sua origem na fé. O dativo é empregado no sentido instrumental. A Escritura nunca diz que justificadosdia tem pistin, por causa da fé. Quer dizer que a fé nunca é apresentada como a base da nossa justificação. Se fosse, a fé teria que ser considerada como uma obra meritória do homem. E isto seria a introdução da doutrina da justificação pelas obras, à qual o apostolo coerente e consistentemente se opõe, Rm 3.21, 27, 28; 4.3, 4; Gl 2.16, 21; 3.11. Na verdade se nos diz que a fé que Abraão tinha lhe foi imputada para justiça, Rm 4.3, 9, 22; Gl. 3.6, mas, em vista da argumentação completa, isto certamente não pode significar que, no caso dele, a fé propriamente dita, como obra, tomou o lugar da justiça de Deusem Cristo. O apostolo não deixa lugar a dúvida quanto ao fato de que, estritamente falando, unicamente a justiça de Cristo, a nós imputada, é a base da nossa justificação. Mas a fé é tão absolutamente receptiva, na apropriação dos méritos de Cristo, que pode ser colocada figuradamente no lugar dos méritos de Cristo, que ela recebe. A “fé”, então, fica equivalendo ao conteúdo da fé, sito é, aos méritos da justiça de Cristo.
Muitas vezes se diz, porém que os ensinamentos de Tiago conflitam com os de Paulo sobre este ponto, dando claro apoio à doutrina da justificação pelas obras em Tg 2.14-26. Várias tentativas têm sido feitas para harmonizar os dois. Alguns partem do pressuposto de que tanto Paulo como Tiago falam da justificação do pecador, mas que Tiago acentua o fato de que a fé que não se manifesta em boas obras não é a fé verdadeira, e, portanto, não é a fé que justifica o pecador. Isto, sem dúvida, é certo. A diferença entre as exposições de Paulo e Tiago inquestionavelmente se deve, em parte, à natureza dos adversários que tiveram que defrontar. Paulo teve que combater os legalistas, que procuravam basear a sua justificação, ao menos em parte, nas obras da lei. Tiago, por outro lado, mediu forças com os antinomianos, que alegavam ter fé, mas cuja fé era um simples assentimento intelectual à verdade (2.19), e negavam a necessidade da prática de boas obras. Portanto, ele dá ênfase ao fato de que a fé sem obras é uma fé morta, e, conseqüentemente, não é, de modo algum, a fé que justifica. A fé que justifica é frutífera, produzindo boas obras. Mas, pode ser que se objete que isto não explica a dificuldade da toda, visto que Tiago diz explicitamente no versículo 24 que o homem é justificado pelas obras, e não somente pela fé, e o ilustra com o exemplo de Abraão, que “foi justificado, quando ofereceu sobre o altar o próprio filho Isaque” (versículo 21). “Vês”, diz Tiago no vers. 22, “como a fé opera juntamente com as suas obras; com efeito, foi pelas obras que a fé se consumou”. Contudo, é mais que evidente que, neste caso, o escritor não está falando da justificação do pecador, pois o pecador Abraão fora justificado muito antes de oferecer Isaque em sacrifício (cf. Gn 15), mas sim, de uma ulterior justificação do crente Abraão. A fé verdadeira se manifestará nas boas obras, e estas darão testemunho diante dos homens da justiça (isto é, da retidão no viver) daquele que possui tal fé. A justificação do justo pelas obras confirma a justificação pela fé. Se Tiago quisesse de fato dizer, neste trecho da carta, que Abraão e Raabe foram justificados com a justificatio peccatoris (justificação do pecador) com base em suas obras, não somente estaria em conflito com Paulo, mas também ele próprio seria contraditório, pois ele afirma explicitamente que Abraão foi justificado pela fé (cf. o versículo 23).
b. Expressões teológicas empregadas para descrever a relação da fé com a justificação. Consideraremos aqui especialmente três expressões.
(1) Causa instrumental. A princípio este nome foi usado de maneira muito generalizada, mas posteriormente encontrou considerável oposição. Foi levantada a questão sobre a fé é instrumento de Deus ou do homem. E se dizia: De Deus não pode ser, desde que a fé referida não é de Deus,; tampouco pode ser do homem, pois a justificação não é um feito do homem, mas de Deus. Todavia, devemos ter em mente, (a) que, de acordo com o claro ensino da Bíblia, somos justificados pela fé, dia pisteos, e que esta preposição (dia) só pode ser entendida no sentido instrumental, Rm 3.28; Gl 3.8; (b) que a Bíblia diz explicitamente que Deus justifica o pecador pela fé, e, portanto, apresenta a fé como instrumento de Deus, Rm 3.30; e (c) que a fé também é apresentada como instrumento do homem, como o meio pelo qual ele recebe a justificação, Gl 2.16. A fé pode ser considerada como instrumento de Deus num sentido duplo. É um dom de Deus, sendo produzida no pecador para a justificação. Além disso, produzindo a fé no pecador, Deus leva a declaração do perdão ao seu coração ou à sua consciência. Mas a fé é também um instrumento do homem, pelo qual ele se apropria de Cristo e de todos os Seus preciosos dons, Rm 4.5; Gl 2.16. Esta é também a descrição da matéria que encontramos na Confissão Belga,[3] e no catecismo de Heidelberg.[4] Pela fé abraçamos a Cristo e ficamos em contato com Ele, que é a nossa justiça. O nome “causa instrumental” é normalmente utilizado nas confissões protestantes.* Todavia, os teólogos reformados (calvinistas) preferem evitá-lo, para proteger-se do risco de darem a impressão de que a justificação depende de algum modo da fé como obra do homem.
(2) Órgão de apropriação. Este nome expressa a idéia de que, pela fé, o pecador se apropria da justiça de Cristo e estabelece uma união consciente entre ele e Cristo. Os méritos de Cristo constituem o dikaioma, a base legal sobre a qual a declaração formal de Deus na justificação repousa. Pela fé o pecador se apropria da justiça do Mediador já imputada idealmente a ele no pactum salutis; e, com base nisto, ele agora é justificado formalmente perante Deus. A fé justificada na medida em que toma posse de Cristo. O nome “órgão de apropriação” inclui a idéia instrumental e, portanto, está em perfeita harmonia com as declarações que se acham em nossos padrões confessionais. Tem uma vantagem sobre o nome mais comum em que exclui a idéia de que a fé é, nalgum sentido, a base da justificação. Pode-se-lhe chamar de órgão de apropriação em dois sentidos: (a) É o órgão pelo qual tomamos os méritos de Cristo, deles nos apropriamos, e os aceitamos como a base meritória da nossa justificação. Como tal, ela precede logicamente à justificação. (b) É também o órgão pelo qual percebemos conscientemente a nossa justificação e passamos a ter posse da justificação subjetiva. De modo geral, este nome merece preferência, embora devamos ter em mente que, estritamente falando, a fé é o órgão pelo qual nos apropriamos da justiça de Cristo como base da nossa justificação, e não o órgão pelo qual nos apropriamos da justificação propriamente dita.
(3) Conditio sine qua non (condição indispensável). Este nome, sugerido por alguns teólogos reformados (calvinistas), não teve muito apoio. Expressa a idéia, que em si mesma é perfeitamente verdadeira, de que o homem não é justificado sem a fé, e de que a fé é uma condição indispensável para a justificação. O nome nada expressa de positivo e, ademais, está sujeito a mal-entendidos.
G. Base da Justificação.
Um dos pontos mais importantes da controvérsia entre a igreja de Roma e os Reformadores, e entre a teologia reformada (calvinista) e os arminianos, tem que ver com a base da justificação. Com respeito a isto, os Reformadores ensinavam:
1. Negativamente, que esta não pode achar-se nalguma virtude do homem, nem em suas boas obras. Deve-se também sustentar esta posição na atualidade contra Roma e contra as tendências pelagianizantes de várias igrejas. Roma ensina que o pecador é justificado com base na justiça inerente que foi infundida em seu coração e que, por sua vez, é fruto da cooperação à chamada primeira justificação; em toda justificação subseqüente, as boas obras do homem entram em consideração como a causa ou base formal da justificação. Contudo, é impossível que a justiça inerente infusa no regenerado e suas obras constituam a base da sua justificação, pois (a) esta justiça é e continua sendo durante a sua vida inteira uma justiça muito imperfeita; (b) ela própria já é fruto da justiça de Cristo e da graça de Deus; e (c) até mesmo as melhores obras praticadas pelos crentes estão contaminadas pelo pecado. Ademais, a Escritura nos ensina com muita clareza que o homem é justificado gratuitamente pela graça de Deus, Rm 3.24, e que não tem nenhuma possibilidade de ser justificado pelas obras da lei, Rm 3.28; Gl 2.16; 3.11.
2. Positivamente, que a base da justificação só se pode achar a justiça perfeita de Jesus Cristo, justiça imputada ao pecador a justificação. Isto é ensinado claramente em diversas passagens da Escritura, tais como Rm 3.24; 5.9, 19; 1 Co 1.30; 6.11; 2 Co 5.21; Fp 3.9. Na obediência passiva de Cristo, que se fez maldição por nós(Gl 3.13), vemos a base para o perdão dos pecados; e em sua obediência ativa, pela qual Ele mereceu todos os dons da graça, incluindo a vida eterna, veremos a base para a adoção de filhos, pela qual os pecadores são constituídos herdeiros da vida eterna. O arminiano vai contra a Escritura quando afirma que somos aceitos pelo favor de Deus somente com base em nossa fé ou em nossa obediência evangélica.
H. Objeções à Doutrina da Justificação.
A teologia “liberal”, com suas tendências racionalizantes, faz várias objeções à doutrina da justificação como tal, as quais merecem breve consideração.
1. Alguns, que ainda crêem na salvação pela graça, opõem-se ostensivamente à justificação no interesse do reconhecimento da graça de Deus. A justificação, dizem, é uma transação legal e, nesta qualidade, exclui a graça, enquanto que a Bíblia ensina claramente que o pecador é salvo pela graça. Facilmente se pode demonstrar, porém, que a justificação, com todos os seus antecedentes e conseqüentes, é obra da graça de Deus. O substituto concedido em lugar dos pecadores culpados, os sofrimentos e a obediência vicários de Cristo, a imputação da Sua justiça a transgressores indignos, e o fato de Deus tratar os crentes como justos – do começo ao fim, tudo é graça de Deus.
2. Às vezes a justificação é tida como um procedimento ímpio, porque declara, contrariamente aos fatos, que os pecadores são justos. Mas esta objeção não pega, porque a declaração divina não é no sentido de que estes pecadores são justos em si mesmos, mas que são revestidos da justiça perfeita de Jesus Cristo. Esta justiça acionada por Cristo é-lhes imputada gratuitamente. Mas não é a justiça subjetiva e pessoal de Cristo, e, sim, a Sua justiça vicária e pactual, que é imputada a pessoas que em si mesmas são injustas, e tudo para a glória de Deus.
3. Muitas vezes se diz que esta doutrina é eticamente subversiva, porque leva à licenciosidade. Mas não há verdade nisso, de modo nenhum, como as vidas dos próprios justificados mostram claramente. Na justificação, lançam-se os firmes alicerces de daquela união vital e espiritual com Cristo que assegura a nossa santificação. Ela realmente conduz às únicas condições nas quais podemos ser verdadeiramente santos, em princípio. O homem que é justificado recebe também o espírito da santificação, e é o único tipo de homem que pode transbordar de boas obras que glorificam a Deus.
I. Conceitos Divergentes de Justificação.
1. O CONCEITO CATÓLICO ROMANO. O conceito católico romano se confunde coma a santificação. Inclui os seguintes elementos na justificação: (a) a expulsão do pecado que há no homem; (b) a infusão positiva da graça divina; e (c) o perdão dos pecados. O pecador é preparado para a justificação pela graça preveniente, sem quaisquer méritos de sua parte. Esta graça preveniente leva o pecador a uma fides informis, à convicção de pecado, ao arrependimento, a uma segura confiança na graça de Deus em Cristo, aos princípios da nova vida, e ao desejo de ser batizado. Realmente, a justificação consiste na infusão de novas virtudes, depois de efetuada a remoção da corrupção do pecado no batismo. Depois da expulsão do pecado que nele há, segue-se necessariamente o perdão do pecado ou a remoção da culpa do pecado. E conforma o cristão avança de virtude em virtude, é capacitado a realizar obras meritórias e recebe como recompensa uma porção maior da graça e uma justificação perfeita. Pode-se perder a graça da justificação, mas também ela pode ser restaurada pelo sacramento da penitência.
2. O CONCEITO DE PISCATOR. Piscator ensinava que somente a obediência passiva de Cristo é imputada ao pecador na justificação, para o perdão dos pecados; e que a Sua obediência ativa não tem nenhuma possibilidade de lhe ser imputada, para a adoção de filhos e para uma herança eterna, porque o homem Cristo devia isto a Deus em Seu próprio benefício. Ademais, se Cristo tivesse cumprido a lei por nós, não poderíamos mais ser responsabilizados pela observância da lei. Piscator considerava a sujeição à penalidade e a guarda da lei como alternativas, uma excluindo a outra. Ele deixou aberta a porta para a consideração da obediência pessoal do pecador como único fundamento da sua esperança futura. Este conceito é muito semelhante ao dos arminianos, e segue de perto a linha da doutrina de Anselmo, na Idade Média.
3. O CONCEITO DE OSIANDER. Osiander revelou a tendência de reviver na Igreja Luterana os pontos essenciais da concepção católica romana da justificação, embora com uma diferença característica. Ele afirmava que a justificação não consiste da imputação da justiça vicária de Cristo ao pecador, mas sim, da implantação de um novo princípio de vida. Segundo ele, a justiça pela qual somos justificados é a justiça eterna de Deus o Pai, em nós infundida por Seu Filho Jesus Cristo.
4. O CONCEITO ARMINIANO. Os arminianos afirmam que Cristo não prestou estrita satisfação à justiça de Deus, mas, todavia, ofereceu uma real propiciação pelo pecado, propiciação que foi graciosamente aceita como satisfatória por Deus e por Ele posta como base para o perdão do pecado e, assim, para a justificação do pecador. Embora isto só sirva para zerar contas passadas, Deus também faz provisão para o futuro. De maneira igualmente graciosa, Ele imputa ao crente a sua fé, para justiça, a fé que inclui toda a vida religiosa do crente – sua obediência evangélica. Neste conceito, a fé não é mais o simples instrumento do elemento positivo da justificação, mas a base graciosamente admitida sobre a qual aquela repousa. Neste caso, a justificação não é um ato judicial, mas, sim um ato soberano de Deus.
5. O CONCEITO BARTIANO. Apesar de Barth falar da justificação como um ato instantâneo, todavia não a considera como um ato realizado uma vez por todas, seguido então pela santificação. Segundo ele, a justificação e a santificação vão de mãos dadas o tempo todo. Diz Pauck que, segundo Barth, a justificação não é um crescimento ou um desenvolvimento ético; ela sempre ocorre de novo, toda vez que homem chega ao ponto do completo desespero quanto às crenças e aos valores sobre os quais edificou a sua vida. Thurneysen também rejeita a idéia de que a justificação se dá uma vez por todas, qualifica-a de pietismo e afirma que ela é fatal para a doutrina da Reforma.
QUESTIONÁRIO PARA PESQUISA: 1. Que significa o verbo dikaioo no grego clássico? 2. A justificação é um ato criador ou declarativo? 3. É possível pensar na justificação quanto aos pecados passados nalgum outro sentido que o de absolvição judicial? 4. Deve-se pensar na justificação exclusivamente como uma coisa objetiva e externa em relação ao homem? 5. Que se quer dizer, na teologia, com a causa formal da justificação? 6. Como os romanistas e os protestantes diferem sobre este ponto? 7. A justificação dos católicos pela fides formata é realmente uma fé, ou uma justificação pelo amor, com a aparência de fé? 8. Em que consiste a doutrina antinomiana da justificação desde a eternidade? 9. É correta ou não a distinção feita por Buchanan e Cunningham entre a justificação ativa e a passiva como sendo justificação fatual e declarativa? 10. Podemos dizer que na justificação declarativa (justificação passiva) Deus simplesmente declara que o pecador é o que é? 11. O que acontece com a doutrina da justificação em Schleiermacher, em Ritschl e na teologia “liberal” moderna?

BIBLIOGRAFIA PARA CONSULTA:

Bavinck, Geref. Dogm. IV, p. 182-245; Kuyper, Dict. Dogm., De Salute, p. 45-69; ibid., Het Werk van den Heiligen Geest II, p. 204-232; Comrie, Brief over de Rechtvaardigmaking; Hodge, Syst. Theol. III, p. 114-212; Shedd, Dogm. Theol. II, p. 538-552; Dick, Theology, Lectures LXXI-LXXIII; Dabney, Syst. And Polem. Theol., p. 618-650; Mastricht, Godgeleerdheit VI. 6 e 7; Buchanan, The Doctrine of Justification; Owen, On Justificatiom; Litton, Introd. To Dogm. Theol., p. 259-313; Girardeau, Calvinism anda Evangelical Arminianism, p. 413-566; Pieper, Christl. Dogm. II, p. 606-672; Vos, Geref. Dogm. IV, p. 154-210; Schmid, Doct. Theol. Of the Ev. Luth. Church, p. 430-448; Valentine, Chr. Theol. II, p. 214-241; Strong, Syst. Theol., p. 849-868; Dorner, Syst. Of Chr. Doct. IV, p. 194-238; Watson, Theological Institutes II, p. 406-475; De Moor, Rechtvaardigmaking van Eeuwigheid.
Autor: Louis Berkhof
Fonte: Teologia Sistemática, pg 514-528, Editora Cultura Cristã.

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* Em Mc 10.18 o termo agathos expressa a idéia de bondade moral absoluta. Nota do tradutor.
** Em português o perigo é um pouco maior, dada a ligação próxima do vernáculo com o latim. Nota do tradutor.
[1] Cf. Brakel, Redelijke Godsdienst I, p. 876 e segtes.
[2] Cf. sua obra, De Rechtvaardigmaking Van Eeuwigheid, p. 20.
[3] Artigo XXII.
[4] Perguntas 60 e 61.
* Não assim, porém, os símbolos da fé da Igreja Presbiteriana (Westminster). Cf. a Confissão de Fé, capítulo XI, Seções I e IIm o Catecismo Maior, perguntas 71 a73, e o Breve Catecismo, Perguntas 33 e 86. Nota do tradutor.
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sexta-feira, 26 de novembro de 2010

A Justificação pela Fé


Rm 3.21-28; 5.12-19; 2 Co 5.16-21; Gl 2.11-21; Ef 2.1-10; Fp 3.7-11
Martinho Lutero declarou que a justificação pela fé somente é o artigo sobre o qual a igreja permanece ou cai. Essa doutrina fundamental da Reforma Protestante tem sido vista como o campo de batalha de nada menos do que o próprio evangelho.
A justificação pode ser definida como o ato pelo qual pecadores injustos são feitos justos aos olhos de um Deus santo e justo. A necessidade suprema das pessoas injusta é a justiça. Esta falta de justiça foi suprimida por Cristo em favor do pecador que crê. Justificação pela fé somente significa justificação pela justiça ou pelo mérito exclusivo de Cristo, e não pela nossa bondade ou pela nossas boas obras.
A questão da justificação se focaliza na questão do mérito e da graça. Justificação pela fé significa que as obras que fazemos não são suficientemente boas para merecer em justificação. Conforme Paulo declara: "ninguém será justificado diante dele por obras da lei" (Rm 3.20). A justificação e forense. Isto é, somos declarados, contados ou considerados como justo quando deus computa a justiça de Cristo em nossa conta. A condição necessária para isso é a fé.
A teologia protestante afirma que a fé é a causa instrumental da justificação no sentido em que a fé é o meio pelo qual os mérito de Cristo são apropriados por nós. A teologia católica romana ensina que o batismo é a causa instrumental primária da justificação, e que o sacramento da penitência é a causa secundária e restauradora. (A teologia católica vê a penitência como o segundo suporte da justificação para aqueles que sofreram naufrágio de suas almas - aqueles que penderam a graça da justificação por terem cometido um pecado mortal.) O sacramento de penitencial requer obras de satisfação, por meio da quais o ser humano conquista um mérito congruente para a justificação. A visão católica afirma que a justificação é pela fé, mas nega que seja somente pela fé, adicionando as boas obras como uma condição necessária.
A fé que justifica é uma fé viva, não uma profissão de fé vazia. A fé é uma confiança pessoal que busca a salvação somente em Cristo. A fé salvadora é também uma fé penitente, que abraça Cristo como Salvador e Senhor.
A Bíblia diz que não somos justificados por nossa próprias boas obras, mas pelo que nos é acrescentado pela fé, ou seja, a justiça de Cristo. Em síntese, algo novo é acrescentado a algo básico. Nossa justificação é operada por imputação. Deus transfere a nós, pela fé, a justiça de Cristo. Isso não é uma "ficção jurídica", porque Deus nos atribui o mérito real de Cristo, a quem agora pertencemos. É uma imputação real.

Autor: R.C. Sproul
Fonte: 2º Caderno Verdades Essenciais da Fé Cristã – R.C.Sproul. Editora Cultura Cristã.

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

ELEIÇÃO INCONDICIONAL


“E os gentios, ouvindo isto, alegraram-se,
e glorificavam a palavra do Senhor; e
Creram todos quantos estavam ordenados
Para a vida eterna.” Atos 13:48.

Muita gente quer que este versículo diga assim: “E tantos quantos creram foram ordenados para a vida eterna”. Mas não é isto o que o versículo diz e devemos deixar que a Bíblia tenha o significado que ela quiser ter. Os homens devem deixar a Bíblia continuar do mesmo jeito como Deus a escreveu. Ser ordenado para a vida eterna vem antes de receber a vida eterna. Deus elegeu certas pessoas na eternidade passada para a salvação. Paulo nos deu a ordem divina das coisas em Romanos 8:28-29: presciência, predestinação, chamado, justificação e glorificação. A salvação começa com Deus, não com o homem. A eleição é a escolha, soberana, livre, eterna, imutável e irresistível, de Deus de certas pessoas para a salvação, antes que o mundo existisse, pelo beneplácito de Sua própria vontade. A ELEIÇÃO É DE GRAÇA (GRATUITA) E INCONDICIONAL Quero dizer por “de graça” que Deus não tinha obrigação de salvar ninguém, mas, por Seu beneplácito e por Sua bondade, de Sua própria vontade.

Ele escolheu, em graça soberana e livre, eleger para a salvação algumas pessoas da raça caída de Adão. “Assim, pois, também agora neste tempo ficou um remanescente, segundo a eleição da graça. Mas se é por graça, já não é pelas obras; de outra maneira, a graça já não é graça. Se, porém, é pelas obras, já não é mais graça; de outra maneira a obra já não é obra.” Romanos 11:5-6. Há quem nos queira fazer acreditar que a eleição é baseada na fé e boas obras que Deus viu de antemão. Supõem que Deus elegeu Seu povo para a salvação porque previu a fé e boas obras que tinham. O Salmo 14:1-4 nos diz que Deus olhou e não viu ninguém que O buscasse. Estas pessoas revertem a ordem das coisas, pois a fé e as boas obras são resultados da eleição, e não vice-versa. Note o que a Bíblia diz: “Não me escolhestes vós a mim, mas eu vos escolhi a vós, e vos nomeei, para que vades e deis fruto, e o vosso fruto permaneça; a fim de que tudo quanto em meu nome pedirdes ao Pai ele vo-lo conceda.” João 15:16; “E sabemos que todas as coisas contribuem juntamente para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito.” Romanos 8:28; “Todavia o fundamento de Deus fica firme, tendo este selo: O Senhor conhece os que são seus, e qualquer que profere o nome de Cristo aparte-se da iniqüidade.” II Timóteo 2:19; “Como também nos elegeu nele antes da fundação do mundo, para que fôssemos santos e irrepreensíveis diante dele em amor” Efésios 1:4. A opinião arminiana não tem alicerce na Palavra de Deus, pois a eleição é a fonte da qual fluem a fé, a santificação e as boas obras. Quer creiamos nesta doutrina ou não, o que unicamente importa é se ela é ensinada ou não na Bíblia. Portanto, vamos examinar o que a Palavra de Deus diz sobre o assunto: “Eu bem sei os que tenho escolhido...” João 13:18; “Não me escolhestes vós a mim, mas eu vos escolhi a vós, e vos nomeei, para que vades e deis fruto, e o fruto permaneça; a fim de que tudo quanto em meu nome pedirdes ao Pai ele vo-lo conceda.” João 15:16; “Quem intentará acusação contra os escolhidos de Deus? É Deus quem os justifica.” Romanos 8:33; “Pois diz a Moisés: Compadecer-me-ei de quem me compadecer, e terei misericórdia de quem eu tiver misericórdia.” Romanos 9:15; “Como também nos elegeu nele antes da fundação do mundo, para que fôssemos santos e irrepreensíveis diante dele em amor.” Efésios 1:4; “Nele, digo, em quem também fomos feitos herança, havendo sido predestinados, conforme o propósito daquele que faz todas as coisas, segundo o conselho da sua vontade.” Efésios 1:11; “Mas devemos sempre dar graças a Deus por vós, irmãos amados do Senhor, por vos ter Deus elegido desde o princípio para a salvação, em santificação do Espírito e fé da verdade.” II Tessalonicenses 2:13.

De acordo com a Bíblia, a eleição é o ato incondicional de Deus ao escolher alguns para a vida eterna, antes da fundação do mundo. Em sentido nenhum resulta da escolha do eleito.

Por Pr. David Alfred Zuhars, Jr.
Extraido do Jornal O Batista Pioneiro Ano I Nº 02
www.pibjo.org.br

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

A Regeneração


Que significa nascer de novo?

EXPLICAÇÃO E BASE BÍBLICA
Podemos definir a regeneração da seguinte maneira: Regeneração é o ato secreto de Deus pelo qual ele nos comunica nova vida espiritual. Isso é algumas vezes chamado “nascer de novo” (para usar a linguagem de João 3.3-8).

A. A regeneração é totalmente obra de Deus
Em alguns dos elementos da aplicação da redenção que discutiremos nos capítulos subseqüentes, exercemos uma parte ativa (isso é verdade, por exemplo, na conversão, na santificação e na perseverança). Mas na obra da regeneração não exercemos nenhum papel ativo. Trata-se, ao contrário, de uma obra totalmente de Deus.Vemos isso, por exemplo, quando João fala a respeito daqueles a quem Cristo deu o poder de serem feitos filhos de Deus — “os quais não nasceram por descendência natural, nem pela vontade da carne nem pela vontade de algum homem, mas nasceram de Deus” (Jo 1.13). Aqui João especifica que os filhos de Deus são os que “nasceram de Deus”, e a vontade humana (“vontade do homem”) não ocasiona essa espécie de nascimento.
O fato de que somos passivos na regeneração fica também evidente quando a Escritura se refere a ela como gerar ou “nascer de novo” (cf. Tg 1.18; 1 Pe 1.3; Jo 3.3-8). Nós não escolhemos nos tornar vivos fisicamente e também não escolhemos nascer — isso simplesmente aconteceu; de modo semelhante, essas analogias na Escritura sugerem que somos inteiramente passivos na regeneração.
A obra soberana de Deus na regeneração também é predita na profecia de Ezequiel. Por meio dele Deus prometeu um tempo futuro no qual daria nova vida espiritual ao seu povo:
“Darei a vocês um coração novo e porei um espírito novo em vocês; tirarei de vocês o coração de pedra e lhes darei um coração de carne. Porei o meu Espírito em vocês e os levarei a agirem segundo os meus decretos e a obedecerem fielmente às minhas leis” (Ez 36.26,27).
Qual é o membro da Trindade que causa a regeneração? Quando Jesus diz “nascer do Espírito” (cf. Jo 3.8), ele indica que é especialmente Deus Espírito Santo que produz a regeneração. Mas outros versículos também indicam o envolvimento de Deus Pai na regeneração. Paulo especifica que é Deus que “deu-nos vida com Cristo” (Ef 2.5; cf. Cl 2.13). E Tiago diz que é o “Pai das luzes” que nos deu o novo nascimento: “Por sua decisão ele nos gerou pela palavra da verdade, a fim de sermos como que os primeiros frutos de tudo o que ele criou” (Tg 1.17,18). Finalmente, falando de Deus, Pedro diz que, “conforme a sua grande misericórdia, ele nos regenerou para uma esperança viva, por meio da ressurreição de Jesus Cristo dentre os mortos” (lPe 1.3). Podemos concluir que tanto Deus Pai como Deus Espírito Santo produzem a regeneração.
Qual é a conexão entre a vocação eficaz e a regeneração? Como veremos mais tarde neste capítulo, a Escritura indica que a regeneração deve vir antes de podermos responder à vocação eficaz com fé salvadora. Portanto, podemos dizer que a regeneração vem antes do resultado da vocação eficaz (a nossa fé). Mas é mais difícil especificar a relação temporal exata entre a regeneração e a proclamação humana do evangelho por meio da qual Deus opera a vocação eficaz. Ao menos duas passagens sugerem que Deus nos regenera ao mesmo tempo em que nos fala mediante a vocação eficaz. Pedro diz: “Vocês foram regenerados, não de uma semente perecível, mas imperecível,por meio da palavra de Deus, viva e permanente. [...]! Essa é a palavra que lhes foi anunciada” (1 Pe 1.23,25). E Tiago diz: “Por sua decisão ele nos gerou pela palavra da verdade” (Tg 1.18). À medida que o evangelho nos chega, Deus fala por meio dele, chamando-nos para si mesmo (vocação eficaz), e nos dá vida espiritual (regeneração) de forma que somos capacitados a responder com fé. A vocação eficaz é, dessa forma, Deus Pai nos falando poderosamente, e a regeneração é Deus Pai e Deus Espírito operando poderosamente em nós para nos dar vida. Essas duas coisas devem ter acontecido simultaneamente enquanto Pedro pregava o evangelho à casa de Cornélio, pois, enquanto ele estava pregando, “o Espírito Santo desceu sobre todos os que ouviam a mensagem” (At 10.44).
Algumas vezes o termo graça irresistível é usado nesse sentido. Ele se refere ao fato de que Deus eficazmente chama pessoas e as regenera, e ambas as ações garantem que responderemos com fé salvadora. O termo graça irresistível está sujeito ao entendimento errôneo, contudo, visto que parece sugerir que as pessoas não fazem uma escolha voluntária e deliberada na resposta ao evangelho — uma idéia errônea e um entendimento errôneo do termo graça irresistível. O termo preserva algo valioso, no entanto, porque indica que a obra de Deus alcança nosso coração para produzir a resposta que é absolutamente certa — muito embora nós respondamos voluntariamente.

B. A natureza exata da regeneração é mistério para nós.
Exatamente o que acontece na regeneração é mistério para nós. Sabemos de qualquer maneira que nós, que estivemos espiritualmente mortos (Ef 2.1), fomos vivificados por Deus e, em um sentido muito verdadeiro, “nascemos de novo” (cf. Jo 3.3,7; Ef 2.5; Cl 2.13). Todavia, não entendemos como isso acontece ou como exatamente Deus nos dá essa vida espiritual. Jesus diz: “O vento sopra onde quer. Você o escuta, mas não pode dizer de onde vem nem para onde vai. Assim acontece com todos os nascidos do Espírito” (Jo 3.8).
A Escritura vê a regeneração como algo que nos afeta como pessoas integrais. Obviamente, nosso “espírito” é vivificado em relação a Deus após a regeneração (Rm 8.10), mas isso acontece simplesmente porque nós como pessoas integrais somos afetados pela regeneração. Não somente nosso espírito estava morto antes — nós estávamos mortos em delitos e pecados (v. Ef 2.1). É incorreto dizer que tudo o que acontece na regeneração é que o nosso espírito é vivificado (como alguns costumam ensinar), pois cada parte de nós é afetada pela regeneração:”Portanto, se alguém está em Cristo, é nova criação. As coisas antigas já passaram; eis que surgiram coisas novas!” (2Co 5.17).
Porque a regeneração é obra de Deus dentro de nós na qual ele nos dá nova vida, é correto concluir que ela é um ato instantâneo. Ele acontece uma só vez. Em dado momento estamos espiritualmente mortos, e no momento seguinte recebemos vida espiritual da parte de Deus. No entanto, nem sempre sabemos exatamente quando essa mudança instantânea ocorre.
Especialmente quando se trata de crianças crescidas em lar cristão ou de pessoas que freqüentam uma igreja evangélica ou um estudo bíblico por um grande período de tempo e gradualmente crescem no seu entendimento do evangelho, normalmente não acontece uma crise dramática acompanhada de uma mudança radical de conduta de ”um pecador endurecido” para “um santo”.
Apesar disso, no entanto, há uma mudança instantânea, quando Deus, por meio do Espírito Santo e de modo invisível, desperta vida espiritual dentro do indivíduo. A mudança se tornará evidente no tempo próprio em padrões de conduta e de desejos que são agradáveis a Deus. Em outras ocasiões (de fato, provavelmente a maioria dos casos em que pessoas adultas se tornam cristãs), a regeneração acontece em um tempo claramente detectável no qual a pessoa percebe que anteriormente era separada de Deus e espiritualmente morta, mas logo após surgiu sem dúvida a nova vida espiritual dentro dela. Os resultados podem ser normalmente vistos de uma só vez — o coração sensível confiando em Cristo para a salvação, a certeza de pecados perdoados, o desejo de ler a Bíblia e de orar (e a percepção de que essas são atividades espirituais significativas), o prazer na adoração, a vontade de ter comunhão cristã, o desejo sincero de ser obediente à Palavra de Deus na Escritura e de contar a outros a respeito de Cristo. Essas pessoas podem dizer algo mais ou menos assim: “Não sei exatamente o que aconteceu, mas antes daquele dia eu não confiava em Cristo para a salvação. Estava ainda pensando e questionando em minha mente. Mas, a partir daquele momento, percebi que confiava em Cristo e que ele era meu Salvador. Alguma coisa aconteceu em meu coração”. Todavia, mesmo nesses casos, não podemos estar totalmente certos sobre o que aconteceu exatamente em nosso coração. É como Jesus disse com respeito ao vento — ouvimos a sua voz, vemos os resultados, mas não podemos realmente ver o próprio vento. Assim também acontece com a operação do Espírito em nosso coração.

C. Nesse sentido de “regeneração”, ela precede a fé salvadora.
Usando os versículos citados anteriormente, definimos a regeneração como o ato de Deus despertar vida espiritual dentro de nós, trazendo-nos da morte espiritual para a vida espiritual. Com base nessa definição, é natural entender que a regeneração antecede a fé salvadora. É de fato essa obra de Deus que nos dá a capacidade espiritual de responder a Deus com fé. Contudo, quando dizemos que a regeneração vem “antes” da fé salvadora, é importante lembrar que elas normalmente estão tão próximas que parecerão acontecer ao mesmo tempo. Assim que Deus nos envia o chamado eficaz do evangelho, nos regenera, e respondemos com fé e arrependimento a esse chamado. Portanto, de nossa perspectiva, é difícil perceber qualquer diferença temporal entre elas, especialmente porque a regeneração é uma obra espiritual que não podemos perceber com nossos olhos ou mesmo entender com a mente.
Todavia, há diversas passagens que nos dizem que essa obra secreta e misteriosa de Deus em nosso espírito acontece antes de respondermos a Deus com fé salvadora (embora muitas vezes ela possa se dar apenas alguns segundos antes de nossa resposta). Ao falar a respeito da regeneração com Nicodemos, Jesus disse: “Ninguém pode entrar no Reino de Deus, se não nascer da água e do Espírito” (Jo 3.5). Entramos no Reino de Deus quando nos tornamos cristãos na conversão. Mas Jesus diz que temos de “nascer do Espírito” antes de nos convertermos. (“Nascer da água” com freqüência se refere à limpeza espiritual do pecado, que é simbolizada pela água na profecia de Ezequiel capítulo 36.25,26). Nossa incapacidade de ir a Cristo por nós próprios, sem a obra inicial de Deus dentro de nós, é também enfatizada quando Jesus diz: “Ninguém pode vir a mim, se o Pai, que me enviou, não o atrair” (Jo 6.44), e “ninguém pode vir a mim, a não ser que isto lhe seja dado pelo Pai” (Jo 6.65). Esse ato interior da regeneração é belamente descrito quando Lucas diz de Lídia: “O Senhor abriu seu coração para atender à mensagem de Paulo” (At 16.14). Primeiro o Senhor abriu o coração de Lídia, então ela foi capaz de dar ouvidos à pregação de Paulo e responder com fé.
De modo contrastante, Paulo nos diz: “Quem não tem o Espírito não aceita as coisas que vêm do Espírito de Deus, pois lhe são loucura; e não é capaz de entendê-las,porque elas são discernidas espiritualmente” (1 Co 2.14). Ele também diz, sobre pessoas que estão separadas de Cristo: “não há ninguém que entenda, ninguém que busque a Deus” (Rm 3.11).
A solução para essa morte e incapacidade espiritual de responder vem somente quando Deus nos dá a nova vida interior: “Todavia, Deus, que é rico em misericórdia, pelo grande amor com que nos amou, deu-nos vida com Cristo, quando ainda estávamos mortos em transgressões — pela graça vocês são salvos” (Ef 2.4,5). Paulo também diz: “Quando vocês estavam mortos em pecados e na incircuncisão da sua carne, Deus os vivificou com Cristo” (Cl 2.13).
A idéia de que a regeneração antecede a fé salvadora não é sempre entendida pelos evangélicos de hoje. As vezes as pessoas dizem algo mais ou menos assim: “Se você crer em Cristo como seu Salvador, então (depois de crer) você nascerá de novo”. Mas a Escritura não diz nada semelhante.
O novo nascimento é visto pela Escritura como algo que Deus faz em nós a fim de nos capacitar a crer.
A razão pela qual os evangélicos sempre pensam que a regeneração vem após a fé salvadora é que eles vêem os resultados (como o amor por Deus e por sua Palavra e o abandono do pesado) após as pessoas virem à fé e pensam que a regeneração deve, portanto, ter vindo após a fé salvadora. De fato, algumas afirmações evangélicas de fé contêm palavras que sugerem que a regeneração vem após a fé salvadora. Nessas afirmações, a palavra regeneração certamente significa a evidência exterior da regeneração que é vista em uma vida mudada, evidência que certamente vem após a fé salvadora. Assim, ”nascer de novo” tem sido entendido não em termos de comunicação inicial da nova vida, mas em termos da mudança total de vida que resulta dessa comunicação. Se o termo regeneração for compreendido desse modo, então é verdade que a regeneração vem após a fé salvadora.
Todavia, se usarmos a linguagem que combina com o ensino geral da Escritura, será melhor restringir a palavra regeneração para a obra inicial instantânea de Deus na qual ele nos comunica vida espiritual. Assim, podemos enfatizar que não vemos a regeneração propriamente, mas somente os resultados dela em nossa vida, e que a fé em Cristo para a salvação é o primeiro resultado que vemos. De fato, não podemos saber que fomos regenerados até que venhamos à fé em Cristo, porque essa é a evidência exterior dessa obra divina interior e secreta. Uma vez que alcancemos a fé salvadora em Cristo, podemos saber que nascemos de novo.
Aplicando essa verdade, percebemos que a explicação da mensagem do evangelho na Escritura não aparece em forma de mandamento: “Nasça de novo e seja salvo”, mas antes: “Creia em Jesus Cristo e será salvo”. Esse é o padrão consistente na pregação do evangelho segundo todo o livro de Atos e também nas descrições do evangelho fornecidas nas cartas.

D. A regeneração genuína deve trazer resultados na vida.
Na seção anterior, observamos que a capacidade de responder a Deus com fé salvadora é o primeiro resultado da regeneração. Assim, João diz: “Todo aquele que crê que Jesus é o Cristo é nascido de Deus”(lJo 5.l).Mas há também outros resultados da regeneração, muitos dos quais são especificados na primeira epístola de João. Por exemplo, João diz: “Todo aquele que é nascido de Deus não pratica o pecado” (lJo 3.9). Aqui João explica que a pessoa que nasceu de novo tem a “semente” espiritual (que se mostra em vida mudada e crescente em poder) dentro dela que a livra de viver continuamente em pecado. Obviamente isso não significa que a pessoa terá uma vida perfeita, mas apenas que o padrão de vida não será o de indulgência contínua com relação ao pecado. Devemos perceber que o que João diz é verdadeiro em relação a cada um que realmente nasceu de novo: “Todo aquele que é nascido de Deus não pratica o pecado”. Outra maneira de dizer isso seria: “todo aquele que pratica a justiça é nascido dEle” (lJo 2.29).
O amor genuíno, semelhante ao de Cristo, apresentará um resultado específico na vida: “Aquele que ama é nascido de Deus e conhece a Deus” (lJo 4.7). Outro efeito do novo nascimento é a vitória sobre o mundo: “E os seus [de Deus] mandamentos não são pesados. O que é nascido de Deus vence o mundo; e esta é a vitória que vence o mundo: a nossa fé” (lJo 5.3,4). Aqui João explica que a regeneração capacita a vencer as pressões e as tentações do mundo que, de outra forma, nos impediriam de obedecer aos mandamentos de Deus e de seguir os seus caminhos. João diz que nos venceremos essas pressões, e, portanto, não será pesado obedecer aos mandamentos de Deus, pelo contrário, subentende-se que essa obediência será algo que faremos com alegria.
Finalmente, João observa que outro resultado da regeneração é a proteção que ela nos dá em relação ao próprio Satanás: “Sabemos que todo aquele que é nascido de Deus não está no pecado; aquele que nasceu de Deus o protege, e o Maligno não o atinge” (lJo 5.18). Embora possa haver ataques de Satanás, João reassegura a seus leitores: “aquele que está em vocês é maior é aquele que está no mundo” (lJo 4.4), e esse poder maior do Espírito Santo dentro de nós nos guarda em segurança do prejuízo espiritual que o Maligno poderia nos causar.
Devemos perceber que João enfatiza todas essas coisas como resultados necessários na vida dos que nasceram de novo. Se há regeneração genuína na vida de uma pessoa, ela crerá que Jesus é o Cristo, e isso a refreará de viver continuamente em pecado, ela amará seus irmãos na fé, vencerá as tentações do mundo e será guardada segura do prejuízo definitivo causado pelo Maligno. Essas passagens mostram que é impossível a pessoa ser regenerada e não se converter verdadeiramente.
Outros resultados da regeneração são mencionados por Paulo quando fala do “fruto do Espírito”, a saber, o resultado na vida que é produzido pelo poder do Espírito Santo trabalhando na vida de cada crente: “Mas o fruto do Espírito é amor, alegria, paz, paciência, amabilidade, bondade, fidelidade, mansidão e domínio próprio” (Gl 5.22,23). Se há regeneração verdadeira, esses elementos do fruto do Espírito serão mais e mais evidentes na vida da pessoa. Todavia, por outro lado, os descrentes, incluindo os que se imaginam crentes, mas não são, claramente mostrarão a falta dessas qualidades de caráter em suas vidas. Jesus disse aos discípulos: Cuidado com os falsos profetas. Eles vêm a vocês vestidos de peles de ovelhas, mas por dentro são lobos devoradores. Vocês os reconhecerão por seus frutos. Pode alguém colher uvas de um espinheiro ou figos de ervas daninhas? Semelhantemente, toda árvore boa dá frutos bons, mas a árvore ruim dá frutos ruins.A árvore boa não pode dar frutos ruins, nem a árvore ruim pode dar frutos bons. Toda árvore que não produz bons frutos é cortada e lançada ao fogo. Assim, pelos seus frutos vocês os reconhecerão! (Mt 7.15-20).Nem Jesus nem Paulo nem João destacam a atividade na igreja ou os milagres como evidência da regeneração. Ao contrário, ressaltam as qualidades do caráter na vida. De fato, logo após os versículos citados anteriormente, Jesus adverte que no dia do juízo muitos lhe dirão: “‘Senhor, Senhor, não profetizamos em teu nome? Em teu nome não expulsamos demônios e não realizamos muitos milagres?’ Então eu lhes direi claramente: Nunca os conheci. Afastem-se de mim vocês, que praticam o mal!” (Mt 7.22,23). Profecia, exorcismo e muitos milagres e atos poderosos em nome de Jesus (para não falar de outras espécies de intensas atividades da igreja na força da carne durante décadas na vida de uma pessoa) não proporcionam evidência convincente de que uma pessoa verdadeiramente nasceu de novo. Aparentemente essas coisas podem ser produzidas pela força do próprio homem natural ou com a ajuda do Maligno. Mas o amor genuíno a Deus e a seu povo, a obediência sincera aos seus mandamentos e as qualidades do caráter semelhante ao de Cristo que Paulo chama fruto do Espírito, demonstrados firmemente por longo tempo na vida de uma pessoa, não podem simplesmente ser produzidos por Satanás ou pelo homem natural trabalhando em sua força. Essas coisas só podem acontecer pelo Espírito de Deus trabalhando interiormente em nós, dando-nos nova vida.
Autor: Wayne Grudem
Fonte: Teologia Sistemática do autor, Ed. Vida Nova
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sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Breve comentário sobre 1 Timóteo 2.4


"...o qual deseja que todos os homens sejam salvos e cheguem ao pleno conhecimento da verdade" (1Tm 2.4).

Muitos utilizam este texto como prova de que Deus deseja a salvação de todos sem exceção. Mas se observarmos o contexto da passagem veremos que não era isso que Paulo pretendia dizer:

"Antes de tudo, pois, exorto que se use a prática de súplicas, orações, intercessões, ações de graças, em favor de todos os homens, em favor dos reis e de todos os que se acham investidos de autoridade, para que vivamos vida tranqüila e mansa, com toda piedade e respeito. Isto é bom e aceitável diante de Deus, nosso Salvador, o qual deseja que todos os homens sejam salvos e cheguem ao pleno conhecimento da verdade" (1Tm 2.1-4).

Paulo exorta Timóteo a orar por "todos os homens" no verso 1. E no verso 4 diz que Deus deseja a salvação de "todos os homens". Ora, ambas as expressões estão no mesmo contexto e devem ter necessariamente o mesmo significado. Se no verso 4 o significado é que Deus deseja que todos os homens sem exceção sejam salvos, todos do passado, do presente e do futuro, então no verso 1 Paulo deve ter pretendido o mesmo significado. Porém, como Timóteo poderia cumprir esse dever? Orar por todos os homens sem exceção não só é impossível, como também é antibíblico, pois não podemos orar pelos mortos.

Mas, então, qual é o significado de "todos os homens" no texto? Paulo mesmo explica: "em favor de todos os homens, em favor dos reis e de todos os que se acham investidos de autoridade" (vs.1-2). "Todos os homens" significa todos os tipos de homens, neste caso, especialmente os governantes. Isso está em harmonia com o restante da Bíblia, que afirma que pessoas de todos os povos, tribos, línguas, nações (Ap 7.9), classes sociais e sexos (Gl 3.28; Cl 3.11) serão salvas. Mas Deus não deseja a salvação de todos os homens sem exceção, assim como Timóteo não poderia orar por todos os homens sem exceção.

André Aloísio
11 de outubro de 2010
Campinas, SP

Extraído do site: teologiaevida.com acesso em 19/11/2010

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Jonathan Edwards - Todo Homem Nasce Mau - R. C. Sproul


Evidência para o Pecado Original


Uma faceta interessante da defesa de Edwards da visão clássica da queda e do pecado original é a sua tentativa de mostrar que mesmo se a Bíblia fosse silenciosa sobre o assunto, essa doutrina seria demonstrada pela evidência da razão natural. Uma vez que os fenômenos da história humana demonstram que o pecado é uma realidade universal, deveríamos buscar uma explicação para essa realidade. Em termos simples, a questão é: Por que todas as pessoas pecam?


Aqueles que negam a doutrina do pecado original geralmente respondem a essa pergunta apontando para as influências corruptoras das sociedades decadentes. O homem nasce num estado de inocência, dizem, mas é subseqüentemente corrompido pela influência imoral da sociedade.


Essa idéia pede a questão: Como a sociedade se tornou corrupta em primeiro lugar? Se todas as pessoas nascem inocentes ou num estado de neutralidade moral, com nenhuma predisposição para o pecado, por que pelo menos uma média estatística de cinqüenta por cento das pessoas não permanece inocente? Por que não podemos encontrar sociedades nas quais a influência prevalecente é a virtude no lugar do vício? Por que a sociedade não nos influencia a manter a nossa inocência natural?


Mesmo os críticos mais otimistas da natureza humana, aqueles que insistem em que o homem é basicamente bom, repetem o aforismo axiomático persistente "Ninguém é perfeito". Por que ninguém é perfeito? Se o homem é bom no seu âmago e o mal é periférico, tangencial ou acidental, por que o âmago não vence sobre o tangente, a substância sobre os acidentes? Mesmo na sociedade na qual nos encontramos hoje, na qual os absolutos morais são vastamente negados, as pessoas ainda admitem prontamente que ninguém é perfeito. O conceito de "perfeito" tem sido desnudado pela rejeição dos absolutos morais. Apesar dos padrões ou normas de perfeição mais baixos do que aqueles revelados na Escritura, reconhecemos que mesmo esse "modelo" não é alcançado. Com o menor denominador comum da ética como o imperativo categórico de Immanuel Kant, ainda deparamos com a frustração de falhar em viver à sua altura.


Podemos diminuir os padrões éticos, deixando-os abaixo do nível da perfeição atual e ainda falharmos em alcançar esses padrões. As pessoas alegam um compromisso com o relativismo moral mas quando alguém rouba a nossa bolsa ou nossa carteira, ainda clamamos: "Delito".


Subitamente, o credo de que "cada um tem o direito de fazer o que bem entender" é desafiado quando o que uma pessoa faz entra em conflito com os interesses de outra pessoa.


Edwards viu na realidade universal do pecado uma evidência múltipla para a tendência universal para o pecado. Edwards expressa uma objeção a isso e, então, responde a essa objeção:


Se alguém disser, embora seja evidente que haja uma tendência no estado das coisas a este acontecimento geral - que toda a humanidade deva falhar na obediência perfeita e pecar e causar a si própria um demérito de ruína eterna; e também que essa tendência não se encontra em qualquer circunstância diferenciada de nenhum povo, pessoa ou era em particular - mesmo assim, isso pode não se encontrar na natureza do homem, mas na constituição e estrutura geral deste mundo. Embora a natureza do homem possa ser boa, sem qualquer propensão ao mal inerente nela, mesmo assim a natureza e o estado universal deste mundo podem ser repletos de tantas e fortes tentações e de uma influência tão poderosa sobre uma criatura como o homem, que habita num corpo tão débil, etc. que o resultado de tudo isso pode ser uma tendência forte e infalível num tal estado de coisas para o pecado e ruína eterna de cada membro da humanidade.


Edwards responde a essa suposição com a seguinte réplica:

A isso eu responderia que uma evasão como essa não iria, de forma alguma, beneficiar o propósito daqueles a quem me oponho nesta controvérsia. Ela não altera o caso para esta questão, se o homem, em seu estado presente, é depravado e arruinado pela propensão para o pecado. Se qualquer criatura tiver uma natureza tal que mostra o mal em seu lugar apropriado, ou na situação em que Deus o designou no universo, ela é de uma natureza má. Que parte do sistema não é bom, o qual não é bom no seu lugar no sistema; e essas qualidades inerentes dessa parte do sistema, as quais não são boas mas corruptas naquele lugar, são justamente consideradas qualidades inerentes más. Essa propensão é verdadeiramente considerada como pertencente à natureza de qualquer ser, ou como sendo inerente a ele, que é a conseqüência necessária da sua natureza, considerada conjuntamente à sua situação apropriada no sistema universal da existência, seja esta propensão boa ou má.


Edwards traça uma analogia da natureza para ilustrar o seu ponto: "É a natureza de uma pedra ser pesada; mas mesmo assim, se ela fosse colocada, como poderia ser, a uma distância deste mundo, não teria essa qualidade. Mas sendo uma pedra, tem uma natureza tal que terá essa qualidade ou tendência em seu lugar apropriado neste mundo; onde Deus a fez, é adequadamente considerada como uma propensão pertencente à sua natureza.... Assim, se a humanidade tem uma natureza tal que tem uma tendência eficaz universal para o pecado e ruína neste mundo, onde Deus a fez e a colocou, isso deve ser considerado como uma tendência perniciosa pertencente à sua natureza".


Edwards conclui que dentro da natureza do homem há uma propensão para o pecado. Essa inclinação é parte da natureza inerente ou constituinte do homem. Ela é natural à humanidade caída. Quando a Escritura fala do "homem natural", refere-se ao homem como ele é desde a queda, não como foi originalmente criado. A queda foi uma queda real e não uma manutenção do status quo da criação.


João Calvino reconhecia que os homens, embora caídos, realizavam obras de justiça aparente, e chamava essas obras de atos de justiça cívica. Tais "virtudes", as quais Agostinho chamava de "vícios esplêndidos", podem corresponder exteriormente à lei de Deus, mas não procedem de um coração inclinado a agradar a Deus, ou de um coração que ama a Deus. Nas categorias bíblicas, uma obra boa ou virtuosa não apenas corresponde exteriormente às prescrições da lei de Deus mas também procedem de uma disposição interior ou motivo enraizado no amor de Deus. Num sentido real, o Grande Mandamento para amar a Deus com todo o coração fundamenta o julgamento moral de toda a atividade humana.


Com respeito à preponderância das más obras sobre as boas, Edwards diz: "Nunca permita que tantos milhares ou milhões de atos de honestidade, boa natureza, etc, sejam supostos; mesmo assim, pela suposição, há uma propensão infalível para um mal moral tal que nas suas conseqüências terríveis, superam infinitamente todos os efeitos ou conseqüências de qualquer suposto bem".


Edwards prossegue apontando o grau de maldade e atrocidade que está envolvido em apenas um pecado contra Deus. Tal ato é tão grave porque é cometido contra um ser tão santo, que superaria a soma de qualquer quantidade de virtude contrastante. "Aquele que, em alguma circunstância ou grau, é transgressor da lei de Deus", diz Edwards, "é um homem mau, e mais, totalmente mau aos olhos da lei; toda a sua bondade é considerada nada, nada podendo ser contado a seu favor quando considerado juntamente à sua maldade".


Nesse ponto, Edwards repete o sentimento de Tiago dizendo que o pecado contra um ponto da lei é o mesmo que pecar contra toda a lei (Tg 2.10-11) e, naturalmente, contra o próprio autor da lei. Semelhantemente, Edwards diz que as obras de obediência, estritamente falando, não podem superar a desobediência. Quando somos obedientes, estamos meramente fazendo o que Deus requer de nós. Aqui, não podemos ser nada além do que servos inúteis.


Edwards vê evidências da natureza depravada do homem na propensão dos humanos em pecarem imediatamente, tão logo sejam moralmente capazes de cometerem um pecado real. Vê mais evidências no fato de que o homem peca contínua e progressivamente e que a tendência persiste mesmo nos mais santificados dos homens. Edwards também acha significante o que ele chama de "grau extremo de tolice e estupidez em assuntos de religião".


Numa rápida olhada na história humana, Edwards fornece um catálogo de desgraças e calamidades que foram cometidas pela raça humana e sobre ela. Mesmo o mais cansado observador da História deve admitir que as coisas não estão certas com o mundo. Então, Edwards se move para a universalidade da morte como prova para a universalidade do pecado. Na visão bíblica, a morte entrou no mundo por meio do pecado e por causa dele. Ela representa o julgamento divino sobre a maldade humana, um julgamento infligido mesmo sobre os bebês que morrem na infância. "Na Escritura, é dito que a morte é a principal calamidade", observa Edwards, "o mais extremo e terrível mal natural neste mundo".


A Bíblia e o Pecado Original


Edwards, então, volta a sua atenção para a garantia bíblica da doutrina do pecado original. Ele presta atenção particular ao ensino de Paulo em Efésios 2.


Outra passagem do apóstolo com propósito semelhante ao que temos considerado no quinto [capítulo] de Romanos é o de Efésios 2.3: "e éramos, por natureza, filhos da ira, como também os demais". Isso permanece como um testemunho claro da doutrina do pecado original, como sustentada por aqueles que eram comumente chamados de cristãos ortodoxos, depois de todo o esforço e estratagemas usados para torcê-la e pervertê-la. Essa doutrina, aqui, não apenas ensinava claramente e de maneira completa, mas também abundantemente, se considerarmos as palavras com o contexto, quando os cristãos são repetidamente representados como seres, no primeiro estado, mortos no pecado, e despertados e ressuscitados de tal estado de morte numa exibição extremamente maravilhosa da livre e profunda graça e amor e da grandeza excelente do poder de Deus, etc.


Com relação ao ensino uniforme da Escritura, Edwards conclui: "Como essa posição é, em geral, completa e clara, assim a doutrina da corrupção da natureza, originada por causa de Adão, e também a da imputação do seu primeiro pecado, são ambas claramente ensinadas nela. A imputação da transgressão de Adão é, de fato, muito direta e freqüentemente afirmada. Somos, aqui, assegurados de que 'pelo pecado de um homem, a morte passou a todos'.... E é repetidamente reiterado que 'todos estão condenados', 'muitos estão mortos', 'muitos se tornaram pecadores', etc. 'pela ofensa de um só homem', 'pela desobediência de um só', e 'pela ofensa de um'".


Finalmente, Edwards argumenta em prol do pecado original a partir do ensino bíblico com relação à aplicação da redenção. A obra do Espírito na regeneração é um antídoto necessário para uma condição prévia corrupta: "É quase desnecessário observar o quão claro isso é dito como necessário para a salvação e como a mudança na qual os hábitos da verdadeira virtude, santidade e caráter de um verdadeiro santo são conquistados, como já foi observado quanto à regeneração, conversão, etc. e o quão visível é que a mudança é a mesma.... Assim, todas essas frases significam ter um novo coração e ser renovado no espírito, de acordo com o seu significado simples"."

http://www.josemarbessa.com/2010/11/jonathan-edwards-todo-homem-nasce-mau-r_12.html

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Pelágio e o Livre-Arbítrio - Gordon Haddon Clark


Pelágio, um monge britânico de aproximadamente 400 d.C, de todos os escritores professamente cristãos antes do século vinte, patrocinou as teorias mais extremas e mais anti-bíblicas de regeneração e conversão. Agora, uma teoria aberrante de regeneração logicamente afeta a descrição da graça, da expiação e de todas outras doutrinas. Assim, Pelágio afirmou o livre-arbítrio e negou a depravação. A idéia de arrependimento deve ser alterada também, e assim, também a da santificação. Não somente um princípio errado afeta logicamente o corpo todo da teologia procedente dele, mas, além disso, há efeitos históricos. Agostinho, em sua defesa da graça, preveniu a igreja ocidental de se tornar inteiramente Pelagiana, mas, todavia, ela se tornou semi-Pelagiana. Então, em tempos modernos Armínio retornou, talvez mais do que ele mesmo percebeu, do Calvinismo Reformado para o semi-Pelagianismo de Roma. Por conseguinte, Pelágio ainda influencia a teologia hoje.

A teologia da Reforma sustenta que Adão foi criado positivamente justo. Não somente Gênesis 1:27 claramente implica isso, mas Efésios 4:24 e Colossenses 3:10 repetem a mesma coisa. Isto torna a queda de Adão difícil de ser entendida. Como um homem criado justo poderia ser tentado, para não mencionar sucumbir a tal tentação? Alguns teólogos simplesmente dizem que Adão foi criado justo, mas mutável. Isto é um argumento circular. Como alguém perfeitamente justo, e, portanto sem desejos maus, pode ser mutável quanto ao pecado? Muitos teólogos evitam o problema. H.B. Smith conclui que ele é insolúvel. A.H. Strong (Systematic Theology, Vol. II, pp. 585 ss.), descreve brevemente uma dezena de tentativas, mas ele mesmo não oferece nenhuma explicação. Parece-me que o supralapsarianismo é a única resposta. De outra forma, a pessoa deve se contentar em dizer meramente que a solução do Romanismo é ainda pior do que aquela dos teólogos mencionados. O Romanismo sustenta que o homem foi criado moralmente neutro, mas então Deus deu a Adão um dom extra de justiça. Isto dificilmente torna o pecado mais compreensível. Quer a justiça fosse original ou um dom posterior, isso não influência a questão. O paradoxo é como um ser perfeitamente justo poderia pecar. O mesmo problema ocorre com o pecado inicial dos anjos agora caídos. Pelágio simplesmente sustentava que Adão foi criado moralmente neutro: ut sine virtute, ita sine vítío, isto é, nem virtuoso, nem pecaminoso. Seu corpo era mortal, e a morte física não era e não é um castigo para o pecado. Visto que Adão não tinha nenhuma justiça original para o refrear, Pelágio facilmente explica o pecado sobre a base do livre-arbítrio.

Visto que esta visão concebe o pecado como nada mais do que uma transgressão voluntária da lei, o pecado de Adão não poderia em si mesmo prejudicar sua posterioridade; nem afetar o livre-arbítrio deles - naturalmente, pois um livre-arbítrio é algo que não pode ser afetado. Portanto, ao nascer todo infante está no mesmo estado que Adão estava na criação. Não há nenhum pecado original ou corrupção inerente. Juliano, um discípulo de Pelágio, escreveu: "Nada no homem é pecado, se nada se originar de sua própria volição ou assentimento... Ninguém é naturalmente mau". Sobre esta visão, o pecado não pode ser herdado, e para nós Adão é apenas um mau exemplo.

Após ter ensinado milhares de estudantes durante um período de sessenta anos, estou ciente, não somente de uma falta de informação histórica da parte deles, mas, pior ainda, de um desinteresse pela história. Muitos destes estudantes retêm este desinteresse durante o restante de suas vidas. Portanto, se eles são membros de igreja, eles não gostam de sermões que explicam as visões de teólogos antiquados. O que eles falham em observar é que estas visões antiquadas são muito modernas. Com dificilmente uma exceção, as seitas repetem as antigas heresias.

Uma das proposições básicas de Pelágio, repetida em tempos modernos por Immanuel Kant, era que a "capacidade limita a obrigação". O homem deve ter capacidade plenária de fazer tudo o que Deus pode requerer justamente dele. Se Deus ordena "Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todas as tuas forças e de todo o teu entendimento", então todo homem tem capacidade completa para obedecer ao mandamento perfeitamente. O homem tem livre-arbítrio. Esta teoria de capacidade plenária não somente foi adotada por Immanuel Kant e muitos pensadores seculares; ela foi também a base das doutrinas da perfeição impecável de John Wesley. Nem Deus nem o pecado podem limitar o livre-arbítrio.

O pecado importuno da teologia falsa, se ele professa ser de alguma forma cristã, é a substituição de definições bíblicas por definições incorretas. Neste caso, um exemplo importante é o termo pecado. Uma pessoa deve guardar em mente constantemente que pecado, para Pelágio, não é "qualquer falta de conformidade a", mas somente a "transgressão [voluntária] da lei de Deus".As crianças não nascem em iniqüidade; elas permanecem inocentes até que voluntariamente desobedeçam a uma lei divina. Elas não são culpadas do pecado de Adão; nem são os adultos. Adão não é o nosso cabeça federal, nem pode Deus imputar o pecado ou a justiça a alguém, exceto ao agente voluntário individual. Cada um deve passar por sua própria provação, assim como o neo-ortodoxo diz que Deus seria o "autor do pecado", a menos que um homem seja condenado ou justificado somente sobre a base de sua conduta individual.
Agostinho fez uma réplica esmagadora: Por que, então, a Igreja batiza os infantes? Na verdade, Pelágio respondeu esta pergunta dizendo que os infantes eram batizados para lavar os seus futuros pecados; mas a pergunta de Agostinho teve os seus efeitos, pois a resposta de Pelágio era claramente contrária à visão sustentada por toda a Igreja.

De qualquer forma, Pelágio admitiu que a maioria, se não todos os adultos pecavam. O que, então, devia ser feito? Primeiro, o batismo, como já relatado, limpa um homem dos seus pecados. Mas, segundo, o homem deve se "arrepender" e decidir guardar a lei de Deus perfeitamente. Que é possível guardar a lei perfeitamente é evidente a partir do fato de que os pecados passados, as transgressões voluntárias passadas, não puderam restringir um livre-arbítrio. Então, terceiro, Deus não ordena o impossível. A capacidade limita a responsabilidade. 0 arrependimento é, portanto, uma decisão de nunca pecar novamente. Não somente Pelágio deixa um lugar para o arrependimento; ele pode até mesmo falar de graça - ele pode chamar a graça de favor imerecido; mas o favor não é a ação irresistível do Espírito sobre as nossas mentes e vontades. Para Pelágio "graça" consiste de (1) a liberdade natural da vontade; (2) a revelação da lei de Deus; e (3) a remissão dos pecados pelo batismo.

Assim, todos os homens podem viver sem pecar, e muitos que conhecem a revelação de Deus o fazem.

Agostinho atacou vigorosamente o Pelagianismo; mas sua vitória não foi completa nem duradoura. No quinto século o Pelagianismo ou um semi-Pelagianismo inconsistente se espalhou por todo o sul da França. Este foi combatido por um decreto do Concilio de Orange do século sexto - que será citado após observarmos que por volta do século nove o Calvinismo tinha somente a fraca voz do mártir Gortschalk. O decreto declara:

Se alguém disser que a graça de Deus pode ser conferida como resultado da oração humana, mas que não é a própria graça que nos faz orar a Deus, contradiz o profeta Isaías, ou o Apóstolo que diz a mesma coisa: "Fui achado pelos que não me buscavam. Fui manifestado aos que por mim não perguntavam" (Romanos 10:20, citando Isaías 65:1).

Se alguém mantém que Deus espera uma disposição em nós para nos limpar do pecado, mas não confessa que até mesmo a nossa disposição para sermos limpos do pecado é operada em nós através da infusão e operação do Espírito Santo, resiste ao próprio Espírito Santo, que diz através de Salomão, "A vontade é preparada pelo Senhor" (Provérbios 8:35, LXX), e a palavra salutar do Apóstolo: "Porque Deus é o que opera em vós tanto o querer como o realizar, segundo a sua boa vontade " (Filipenses 2:13).

Esta é uma declaração excelente da posição calvinista e mostra que a doutrina bíblica ainda era professada por uma boa porção da igreja visível. Deus não espera uma disposição por parte do pecador antes de limpá-lo do seu pecado. A vontade não é livre, pois Deus opera em nós "tanto o querer" como também "o realizar". Mas este evangelho puro em breve seria obscurecido na noite da superstição.

Fonte: Introdução do livro Sanctification, Gordon H. Clark, Trinity Foundation, p. 9-13.

Josemarbessa.blogspot.com-acessoem:10/11/2010